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8 EM QUESTÃO Cobertura da mídia em manifestações é tema de discussão A dinâmica de profissionais de imprensa e os protocolos adotados pela polícia pautaram audiência pública na OAB SP José Luís da Conceição EM CAMPO: Jornalistas e representantes da polícia tiveram a oportunidade de expor suas experiências A cobertura da mídia em manifestações e situações de risco foi debatida em audiência pública promovida pela OAB SP no dia 24 de novembro. Jornalistas, policiais militares e advogados abordaram regras, protocolos, dinâmica das profissões e os direitos envolvidos no ato de manifestar-se em uma democracia. Especialistas presentes concordaram que a dinâmica está diferente desde 2013 – não só no Brasil, mas em todo o mundo. Diante das mudanças, ressaltaram, não se deve perder de vista o objetivo da atuação da polícia, que é proteger o cidadão. Nesse contexto, a gestão da instituição policial está como nunca sob os holofotes, para que possa cumprir seu papel em situações que reúnem tantas pessoas nas ruas. O evento foi uma iniciativa do presidente da Ordem paulista, Marcos da Costa, e teve como mediador o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da entidade, Martim Sampaio. Como parte da conclusão, dois temas foram postos à mesa para que sejam posteriormente avaliados: portaria de 2006, do Ministério da Defesa, que institui o uso de coletes inadequados em coberturas de risco, além da importância de tornar conhecido pela sociedade o manual de procedimentos da polícia em atos públicos. O primeiro a falar foi o major Alexandre Monclus Romanek, chefe do estado maior do comando de policiamento de choque da Polícia Militar de São Paulo. Com 29 anos de corporação, ele avaliou o panorama em antes e depois de 2013. “Com a ação dos Black Blocs, as manifestações em 2013 ganharam um viés mais violento”, disse. “E nós não tínhamos mais condições de lidar com uma liderança vertical, como ocorria antes daquele ano. Se ninguém é responsável pelo ato, a polícia não consegue dialogar, nem desenvolver uma pauta positiva. Isso reverbera para a desordem pública, o que acaba refletindo também na cobertura da mídia”, resumiu. O policial militar lembrou que a instituição é legalmente obrigada a restaurar a ordem pública quando há conflitos, sempre recorrendo a técnicas adequadas. “Ocorre que o jornalista, para obter o furo, muitas vezes se coloca entre a tropa e manifestantes violentos. A matemática é simples: ocorre lesão”, disse. Como forma de reduzir incidentes, Romanek sugeriu um curso. O objetivo da iniciativa seria a troca de informações sobre as dinâmicas de atuação dos envolvidos, visando colaborar com a busca da melhor informação pelo jornalista sem que este se coloque em situação de risco ou prejudique a operação policial. Lourival Sant’Anna, comentarista de assuntos internacionais da rádio CBN e responsável por coberturas em conflitos, considerou a troca de informações importante. “Diante da quantidade de incidentes que ocorrem, seria uma oportunidade para a imprensa explicar sua necessidade profissional”, disse. Dados da Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (Abraji), apresentados durante a audiência pública, apontam para pelo menos 300 agressões contra jornalistas desde junho de 2013 – 109 pela polícia paulista. Já Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de S.Paulo, disse que a aproximação entre as duas instituições pode pôr em risco a imparcialidade da cobertura jornalística. “É importante que uma iniciativa desse tipo deixe bem claro o que pode ser para efeito de relações públicas, de aproximação com os jornalistas, e o quanto vai haver de benefício prático”, observou. Imprensa como alvo Um outro aspecto da questão foi levantado pelo advogado Pedro Estevam Serrano, professor da PUC/SP. Ele convidou à reflexão do porquê os jornalistas são alvos de grupos de manifestantes. “Também é papel da imprensa se perguntar por que é atacada. Se por um lado representa o exercício do direito de todos, por outro há o aspecto do poder, que é absolutamente relevante. Em algumas situações, a imprensa tem mais força que o Estado”, observou. “Muitas vezes a multidão se manifesta emocionalmente, de forma equivocada”. De acordo com Camila Marques, advogada e coordenadora do Centro de Referência Legal em Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da Artigo 19 (organização não governamental de direitos humanos), os comunicadores também se tornaram alvos da própria polícia. “O comunicador teve uma importância sem tamanho em 2013. Foi por meio dele que a sociedade ficou sabendo como a polícia lidava com as manifestações de junho”, disse. “Desse modo, quando se agride um comunicador e se quebra material dele, o que o Estado quer é que aquela ação abusiva não apareça.” Além disso, a advogada criticou a falta de transparência sobre o manual de práticas da Polícia Militar em manifestações. Ela diz que o documento deveria ser público. Tania Pinc, doutora e mestre em ciência política pela USP e ex-policial militar, disse que não há regulamentação específica para lidar com os profissionais de mídia. Segundo ela, o que existe é “algum protocolo” não consolidado e acredita que a polícia precisa se aprimorar. Em um aspecto mais amplo do debate, a pesquisadora também fez críticas à falta de flexibilidade no diálogo sobre melhoria da ação policial. “Há uma inflexibilidade por parte de grande parte dos atores – não só da polícia, mas também dos grupos organizados da sociedade civil que estão militando, tentando organizar esse debate”, disse. Proteção O jornalista Lourival Sant’Anna propôs que a OAB SP estude uma portaria do Ministério da Defesa, de 2006, que determina o uso de coletes à prova de balas. A imprensa pode usar apenas o de nível II. “Esse tipo de colete não protege dos tiros de fuzil”, disse. E essa foi a causa da morte do cinegrafista da Band, Gelson Domingos, em 2011 – ao acompanhar uma operação da polícia, ele usava o colete que é permitido para a imprensa. “Mesmo que a gente compre um fora do país, vai ser apreendido na alfândega. É importante que jornalistas profissionais possam utilizá-lo”, finalizou Sant’Anna.


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