Serviços

Clipping Jur

 
MPF-Nota Pública 3ª CCR Nº 1, de 12.05.2020: Orienta a atuação dos membros do MPF quanto à revisão dos contratos de prestação de serviços educacionais afetados pela decretação de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional para o novo....



MPF-Nota Pública 3ª CCR Nº 1, de 12.05.2020: Orienta a atuação dos membros do Ministério Público Federal quanto à revisão dos contratos de prestação de serviços educacionais afetados pela decretação de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional para o novo Coronavírus (COVID-19).

A 3ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, órgão colegiado setorial de coordenação, de integração e de revisão do exercício profissional no Ministério Público Federal relativamente à defesa do Consumidor e da Ordem Econômica, no exercício de suas atribuições, expede a presente Nota Pública com a finalidade de oferecer subsídios de atuação em pleitos revisionais de contratos de prestação de serviços atingidos, direta ou indiretamente, pela decretação de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional para o novo Coronavírus (COVID- 19). Nesse sentido:

CONSIDERANDO:

Que em decorrência do Coronavírus (COVID-19) o Ministério da Saúde declarou estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Portaria MS nº 188, de 3 de fevereiro de 2020) e reconheceu a transmissão comunitária da doença para orientar a adoção de medidas não-farmacológicas de isolamento social como esforço para reduzir a transmissibilidade do vírus (Portaria MS nº 454, de 20 de março de 2020);

Que o surto infeccioso de COVID-19 promoveu uma paralisação gradativa das aulas em instituições públicas e particulares em todo o Brasil, de modo que cerca de 52.898,349 milhões de crianças e jovens no País tiveram a rotina de estudos formais afetada pelas medidas de combate à disseminação do COVID-19, conforme dados da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO);

Que a educação consubstancia direito fundamental básico previsto no art. 6º e arts. 205 a 214 da Constituição Federal, os quais dispõem sobre a organização dos sistemas de ensino em regime colaborativo entre os diferentes entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios - de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório;

Que o ensino é livre à iniciativa privada, mediante o cumprimento das normas gerais da educação nacional e mediante autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, sendo que atualmente o setor privado de educação atende cerca de 15 milhões de alunos, além de empregar por volta de 1,7 milhões de trabalhadores, destes 800 mil professores;

Que o art. 24, inciso IX, da Constituição Federal prevê a competência concorrente dos entes federativos para legislar sobre educação, atraindo ora a atuação do Ministério Público Estadual, ora a atuação do Ministério Público Federal, na defesa desse direito;

Que em razão de atribuições concorrentes entre Ministério Público Federal e Estadual a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF elaborou o Enunciado nº 30, que remete aos representantes ministeriais dos Estados a apuração de irregularidades relacionadas a execução contratual tais como matrícula, cobrança abusiva de taxas administrativas, reajuste e inadimplemento de mensalidades;

Que tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal, além das assembleias legislativas estaduais atualmente discutem projetos para escalonamento de desconto das mensalidades escolares durante o período de suspensão de aulas;

Que o Ministério da Educação (MEC) publicou Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, autorizando, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017;

O teor da Medida Provisória nº 934/2020 que dispensa as escolas de educação básica e as instituições de ensino superior do cumprimento do mínimo de 200 dias letivos anuais, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para exigir tão somente o cumprimento da carga horária mínima anual exigida na lei, que é de 800 horas de aula por ano, em decorrência dos impactos do COVID-19 no calendário escolar;

Que o Comitê Nacional de Defesa dos Direitos do Consumidor, integrado pela Associação Brasileira de Procons (PROCONSBRASIL), Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCON), Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (CONDEGE), Comissão de Defesa do Consumidor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), expediu a Nota Técnica CNDD-FC nº 02/2020 com diretrizes de ação para fornecedores e consumidores quanto ao cumprimento das obrigações financeiras previstas nos contratos de prestação de serviço educacional;

O teor da Nota Técnica nº 14/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ, e, mais recentemente, da Nota Técnica n.º 26/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ, ambas elaboradas pela Secretaria Nacional do Consumidor, a sugerirem uma sistemática de pagamento que preserve o direito do consumidor mas sem comprometer em caráter exclusivo o prestador de serviços educacionais;

Os fundamentos básicos elencados pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) para orientar a atuação do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) quais sejam:

a) prestação de serviços de modo adaptado, como, por exemplo, por meio de aulas ofertadas em plataformas digitais ou reposição das aulas em momento posterior, desde que:
i) não se comprometa o alcance dos objetivos do contrato,

ii) seja mantida a qualidade da prestação do serviço e

iii) cumprida a carga horária mínima;

b) articulação necessária entre os órgãos estaduais e municipais de defesa do consumidor e suas respectivas Secretarias de Educação para a definição de critérios de qualidade do conteúdo ministrado de modo adaptado;

c) criação, pelas instituições de ensino, de canais permanentes de comunicação com os consumidores, tanto para tirar dúvidas quanto para solucionar eventuais confliitos;

d) adoção, como primeira alternativa pelas instituições e pelos consumidores, de soluções negociadas;

A necessidade de harmonização de interesses de consumidores e fornecedores, com base na boa-fé e no equilíbrio das relações consumeristas (arts. 4°, I, III e 6º, II e VIII, da Lei nº 8.078/90), sendo viável a revisão de cláusulas contratuais por fatos supervenientes, mediante ponderação entre a vulnerabilidade do consumidor e o fato extraordinário que extravase o risco regular do negócio;

O teor do Enunciado nº 176, da III Jornada de Direito Civil:

“Art. 478. Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478, do Código Civil de 2020 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.”;

O teor da Nota Técnica nº 17/2020/DEE/CADE, em que o Departamento de Estudos Econômicos do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência avalia potenciais efeitos de imposição de descontos percentuais em contratos de prestação de serviços educacionais, em razão do CODVID-19;

Que as principais normas que regulamentam a prestação do serviço educacional, para além dos dispositivos constitucionais são a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB) e a Lei nº 9.870/99 (dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências);

Que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96) prevê a possibilidade de ensino fundamental à distância em situações emergenciais (art. 32, §4º) e que no ensino superior, o ensino à distância encontra respaldo no art. 80 da LDB, sendo que atualmente a regulamentação se dá através do Decreto nº 9057/2017;

Que o Decreto nº 3.274/99, ao regulamentar a Lei de nº 9.870/99, estabeleceu os itens que devem compor as planilhas de custos a serem apresentadas pelos estabelecimentos escolares para fins de reajuste anual, nas quais devem constar, obrigatoriamente “Componentes de Custos”, dentre outros, as “2.1 Despesas com Material”, “2.2 Conservação e Manutenção” e “2.3 Serviços de Terceiros”;

O teor da Nota Técnica Conjunta dos Núcleos de Defesa do Consumidor das Defensorias Públicas Estaduais (CONDEGE);

Que incumbe ao Ministério Público Federal, como um dos entes integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), assegurar o respeito aos direitos dos consumidores na forma da Constituição Federal/88, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e do Decreto Federal nº 2.181/97;

ORIENTA:

1- O risco contratual assume particular relevância nos contratos de execução continuada ou periódica, como os contratos de adesão que impõem o pagamento de mensalidades às instituições de ensino, estando sujeitos à alteração de circunstâncias negociais; contudo, o eventual desequilíbrio de valores entre a prestação e a contraprestação não constitui, por si só, causa de invalidade do contrato;

2- O surto infeccioso do COVID-19 e normativos estatais que determinaram a suspensão de funcionamento de instituições de ensino consubstancia evento extraordinário e imprevisível que afeta ambas as partes do contrato, mitigando proporcionalmente o equilíbrio contratual entre os players envolvidos, de modo que a alteração de circunstâncias provocadas por crises sistêmicas e riscos globais estaria a justificar a solidarização de custos, mediante corretivos negociais, em respeito ao princípio da conservação dos negócios jurídicos;

3- A boa-fé nas contratações não apenas impõe a obrigação de lealdade, mas também diz respeito à obrigação de cooperação entre os contratantes para que seja cumprido o objeto do contrato de forma adequada, sob a ótica de uma concepção social deste instrumento jurídico, em que os efeitos do contrato na sociedade sejam levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha importância;

4- A interferência na imposição de descontos, ainda que proativa e bem intencionada, a depender de como se faça, poderá gerar efeitos mais maléficos do que benéficos, com possível desemprego de funcionários e professores, dificuldade de realocação em novos postos de trabalho, concentração de mercado nas mãos das instituições que conseguirem subsistir na crise, aumento de demanda repentina de alunos na educação pública sem que haja a pertinente infraestrutura para receber os alunos que migram da iniciativa privada, entre outros, razão pela qual é necessário ponderar se o nível de proteção social requerido gera (ou não) custos sociais demasiados e se efetivamente gera a proteção desejada;

5- Ao se determinar um desconto padrão, linear, estabelecido por lei, corre-se o risco de se impor um sacrifício muito maior a alguns estabelecimentos em detrimento de outros, de menor porte, razão pela qual eventuais propostas de imposição legal devem considerar as especificidades dos serviços de ensino ofertados, a situação financeira, o porte e o quantitativo de alunos de cada instituição de ensino;

6 - É fundamental que as instituições de ensino se posicionem sobre quais serão as estratégias adotadas e as alternativas consideradas para a continuidade da prestação do serviço, não sendo legítima a cobrança das mensalidades escolares diante do silêncio das instituições de ensino, ou seja, sem que estas apresentem uma perspectiva clara de como os serviços serão adequados ao contexto;

7- Sempre que possível, deverão ser privilegiados mecanismos extrajudiciais para resolução de conflitos, de modo a facilitar o acesso dos indivíduos e consumidores à uma solução mais ágil de seus litígios;

8- A economia gerada pela limitação de aulas presenciais, com redução dos custos gerais (v.g. produtos de limpeza, tarifas de água e luz), deve ser confrontada com despesas permanentes e possíveis investimentos necessários para garantir a oferta de aulas remotas durante o período de isolamento social;

9- As instituições de ensino poderão propor diferentes planos de renegociação de pagamentos e os disponibilizar para opção do consumidor viabilizando canais de atendimento efetivos para negociação de acordos interpartes que visem a flexibilização das regras de pagamento;

10- As instituições de ensino estarão obrigadas a fornecer a qualquer consumidor interessado o acesso à planilhas informativas do quantitativo de funcionários, de custos de contratos e de despesas correntes, além dos investimentos alçados para a disponibilização de cátedras de ensino a distância, de modo a assegurar transparência ao consumidor quanto à evolução de despesas e às necessidades de fluxo de caixa da instituição;

11- Os critérios de definição de eventuais descontos nas mensalidades a serem adotados, bem como os canais de atendimento a serem disponibilizados pelas instituições de ensino deverão ser amplamente divulgados em site da instituição. De toda a forma, durante a negociação, orienta-se a adoção de análise equitativa que considere, por um lado, a quantidade de alunos por unidade familiar e a eventual perda de renda bruta da família e, de outro, os esforços empregados pela instituição para se manter a qualidade do serviço prestado por meio virtual, entre outros aspectos que se mostrem relevantes durante o processo de composição amigável;

12- Durante as negociações, é importante que a solução aplicada tenha por princípio a preservação do direito do consumidor e, se possível, o não comprometimento econômico das instituição de ensino. Em caso de cancelamento, as cláusulas de reembolso de valores antecipados poderão, por exemplo, ser suspensas, por prazo razoável, até a retomada da rotina regular das aulas e da recomposição financeira da instituição de ensino. Por sua vez, a instituição de ensino deve buscar flexibilizar as sanções contratuais para aqueles que não puderem realizar o pagamento das mensalidades no período, bem como fornecer condições facilitadas de posterior adimplemento sem cobrança (ou cobrança excessiva) de encargos financeiros;

13- Os contratos acessórios separadamente cobrados, tais como os relativos à atividades extracurriculares e à alimentação, os quais, por inviabilidade fática, forem interrompidos, deverão ter seu pagamento suspenso enquanto durar a paralisação dos serviços educacionais presenciais. Após a retomada, o pagamento deverá ser proporcional aos dias em que o serviço for executado;

14- As páginas de internet das instituições de ensino deverão ser atualizadas para dispor aos consumidores informação clara e acessível quanto ao agendamento de negociações, configurando informação enganosa e abusiva qualquer modalidade de comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, capaz de induzir em erro o consumidor;

15- As instituições de ensino particulares poderão promover compensações letivas por meio do ensino à distância e ulterior reposição presencial de aulas práticas e de laboratório que, por sua natureza, não possam ser realizadas virtualmente, conforme disponibilidade de calendário após normalização de funcionamento, garantindo o desconto proporcional de valores quando não for possível essa compensação ou reposição presencial futura no calendário escolar anual;

16- Para melhor apreensão do conhecimento transmitido à distância e enfrentamento de dificuldades pedagógicas, revela-se importante que as instituições invistam na capacitação de alunos e professores para o domínio de ferramentas tecnológicas que favoreçam o ensino em meio virtual, com a disponibilização de um serviço específico para a solução de eventuais problemas de informática, com técnicos habilitados à atender os interessados em diversos horários, via telefone, e-mail, ou aplicativos de mensagens de texto;

17- As reuniões para negociação de pagamentos deverão atender a protocolos de segurança que coíbam a dispersão massiva do vírus, com incentivo à realização de atendimento remoto ao público mediante instrumentais tecnológicos que possam minimamente substituir o atendimento presencial;

18- Para fins de escolha de ferramentas tecnológicas, deverão ser privilegiados programas inclusivos que garantam o acesso do maior número de estudantes possível, com adoção de medidas de interação alternativas que assegurem a ampla participação nas medidas educacionais remotas;

19- As plataformas de educação à distância deverão avaliar as condições de segurança das comunicações online, de modo a garantir que o uso das ferramentas não violem a privacidade dos alunos;

20- Deverão ser respeitadas as orientações emitidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE/MEC) no Parecer CNE/CP nº 5/2020, pendente de homologação pelo Ministério da Educação - MEC, com destaque para a necessidade de definição de padrões mínimos de qualidade de ensino e de contabilização de frequência que respeitem a legislação em vigor que trata da matéria.

Assinado eletronicamente
MARIANE GUIMARÃES DE MELLO OLIVEIRA
Procuradora da República
Coordenadora do GT Consumidor/3ª CCR

Assinado eletronicamente
MARIA EMILIA MORAES DE ARAUJO
Procuradora Regional da República
Membro do GT Consumidor/3ª CCR

Assinado eletronicamente
OSWALDO POLL COSTA
Procurador da República
Membro do GT Consumidor/3ª CCR

Assinado eletronicamente
SERGIO ATILIO THOM ZAGO
Procurador da República
Membro do GT Consumidor/3ª CCR

Assinado eletronicamente
VICTOR NUNES CARVALHO
Procurador da República
Membro do GT Consumidor/3ª CCR

Assinado eletronicamente
LUIZ AUGUSTO SANTOS LIMA
Subprocurador-Geral da República
Coordenador da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão/MPF



Voltar