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PREJUÍZOS IRREPARÁVEIS À SOCIEDADE? 13 Não Jorge Luiz Souto Maior Professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP e juiz da 3a Vara do Trabalho de Jundiaí governo contra os servidores, dando destaque aos prejuízos que a greve provoca à população pela suspensão de serviços, só então vistos como essenciais, e o governo, que acusa a grande mídia de golpista, vale-se das suas notícias para jogar os grevistas contra a população. Governos e parte da grande mídia, de fato, pouco se importam com a cotidiana supressão dos direitos dos servidores e dos cidadãos. Mas, de repente, diante de uma greve, apelam para o respeito à ordem jurídica, para pleitearem corte de ponto e uso de força policial. A greve no serviço público, no entanto, é de interesse de toda a sociedade, pois a prestação adequada e de qualidade de serviços à população, que é um dever do Se há prejuízos pela greve, esses não devem ser debitados na conta dos servidores e sim do administrador que conduz os servidores à greve Estado, notadamente quando se trata de direitos sociais, depende da competência e da dedicação dos trabalhadores. Lembre-se que não são incomuns os casos de contratações irregulares de professores “temporários”; de professores sem quadro de carreira, com baixíssimos salários; de serviços de saúde atuando sem condições de atender, sem material adequado; de profissionais, enfim, que tomam para si a responsabilidade de dedicarem a própria vida para satisfazerem a obrigação que é do Estado... E se há prejuízos pela greve, esses não devem ser debitados na conta dos servidores e sim do administrador que, não respeitando a ordem jurídica e descumprindo os direitos dos servidores e dos cidadãos, conduz os servidores à greve. Este, aliás, é o pressuposto adotado pelo STF, ao negar a possibilidade do corte de ponto dos servidores em greve, especialmente quando a greve é motivada por ilegalidade cometida pelo administrador (Rcl 11536 GO; Rcl 11847 BA; AI 853275/RJ). O interesse público é o de que os serviços sejam prestados de forma adequada e não de qualquer jeito e muito menos por servidores insatisfeitos e que tenham sido obrigados a trabalhar, impedidos de lutar pelos seus direitos, em razão da violência do corte de ponto, da fixação arbitrária de percentual de serviços a serem mantidos na greve e da visualização única dos prejuízos que sua resistência gera, não se percebendo, pois, o sofrimento a que foram submetidos. á muito vem se tentando destruir as instituições públicas, para ceder espaço à iniciativa privada e para abalar a racionalidade social fixada na Constituição. O marco dessa empreitada foi a Lei nº 8.031/90. Em 1995, o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare) propôs o enxugamento da Administração Pública, dando origem à Lei no 9.637/98 (declarada constitucional, em 15/04/15, pelo STF - ADI 1923/ 98), que estabeleceu que a atuação do Estado na saúde, na educação, na cultura, no desporto e lazer, na ciência e tecnologia e no meio ambiente pode se realizar, mediante uma gestão compartilhada com o setor privado, por intermédio da formalização, sem licitação, de “instrumentos de colaboração público/privada”, pelos quais se reserva a participação do Estado nas áreas mencionadas como mera entidade de “fomento”, não apenas com a transferência de recursos financeiros, mas também por meio da cessão de bens públicos. Ainda em 1998, advieram as ECs 19 e 20, complementadas em 2003, pela EC no 41. E, em 2000, a LC n. 101/2000 fechou o cerco, obrigando o administrador a promover forte contenção dos gastos com pessoal. Em paralelo, fazendo-se vistas grossas à exigência constitucional do concurso público, de 4 milhões de terceirizados, na década de 90, chegou-se a 12 milhões, no último ano. Tudo isso repercute negativamente nos benefícios sociais, na remuneração e nas condições de trabalho dos servidores públicos, assediados, inclusive, por uma gestão privada baseada em metas irrealizáveis, que têm intensificado a doença e o sofrimento no trabalho, com relatos, até, de suicídios. Então, quando os servidores reagem, exercendo o direito constitucional de greve, sempre vem a pergunta reproduzida no presente debate. Em autêntico ataque ao direito de greve, para negar aos trabalhadores o direito de resistir, formam-se alianças “estranhas”, apoiadas em argumentos contraditórios. Parte da grande mídia, que só ataca o governo e reivindica a privatização, vira uma aliada do Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 409 – Setembro de 2015 SÃO PAULO


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