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OAB SP pede alteração em projeto que criminaliza os refugiados Furriela: “Pelo projeto de reforma do Código Penal, o refugiado que entra no país seria um criminoso” 8 EM QUESTÃO Reforma do Código Penal, em discussão no Congresso Nacional, pode trazer impacto negativo para essa questão e contraria Convenção da Organização das Nações Unidas O interesse de estrangeiros em vir para o Brasil aumenta a cada ano. Mesmo que o momento seja de ampla crise econômica, política e moral, o país tem um ambiente atraente para muitas pessoas: não é bélico, não está em zona de conflito e não há perseguição religiosa ou política. São características importantes sobretudo para os refugiados, que não têm mais condições de viver em seu estado de origem. Há estatísticas que comprovam o movimento. Dado parcial de 2015 aponta para nove mil refugiados vivendo em solo nacional – em 2014 eram 7,3 mil. No contexto global, onde se registra a existência de 60 milhões de pessoas nessas condições, o que se vê por aqui ainda é pouco significativo. Mas o país está avançando rápido, pelos motivos já descritos, visto que o número dobrou em comparação aos registros de 2010, quando reunia 4,3 mil pessoas com o status. “Os números mostram que é uma questão relevante a ser tratada pelo Brasil”, diz Manuel Nabais da Furriela, presidente da Comissão de Direitos dos Refugiados, do Asilado e da Proteção Internacional da OAB SP. Os dados são do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Em palestra promovida pela Secional no dia 20 de outubro, o especialista fez alerta sobre o impacto que a reforma do Código Penal (Projeto de Lei nº 236/2012), em discussão no Congresso Nacional, pode trazer para esse campo. Da forma como elaborados, os artigos 452, 453 e 454 podem criminalizar pessoas que chegam ao país e pedem refúgio. De acordo com ele, o parágrafo único do artigo 452 estabelece que é crime omitir informação, usar documentos falsos ou fazer declaração falsa com o fim de ter reconhecida a condição de refugiado no território nacional. “Ocorre que há pessoas fugindo de guerras. Muitas vezes ele tem que falsificar documentos, se trajar conforme uma etnia a qual não pertence, que mentir no caminho, tudo para salvar a própria vida”, diz o advogado. “É alguém que está em condição diferente da de um imigrante: o refugiado vive entre a certeza da morte se ficar em seu país de origem e a dúvida de arriscar a fuga - e ele vai apostar na dúvida, porque fará de tudo para sobreviver. Valerá todo o tipo de subterfúgio”. Para Furriela, o projeto contraria a Lei 9.474, de 1997, que regula a condição jurídica dessas pessoas a partir da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, e a Constituição Federal. “Uma pessoa que passa por tudo isso ainda será tratada como criminosa ao chegar aqui?”, questiona. Os artigos 453 e 454, por sua vez, criminalizam quem ajuda. O primeiro penaliza quem atribui a estrangeiro qualificação ou informação que sabe não ser verdadeira para promover entrada ou permanência em território nacional ou para assegurar lhe a condição de refugiado. Já o seguinte se refere a quem introduz estrangeiros de forma clandestina. Para deixar mais claro quem pode ser penalizado em situações assim, Furriela ilustrou com a história de um cônsul português que ajudou famílias judias a fugirem da Alemanha nazista. “Esse diplomata forneceu passaportes portugueses para milhares de homens, mulheres e crianças, a quem salvou”, diz. “Pelo projeto de reforma do Código Penal do Brasil, ele seria um criminoso”. A OAB SP entregou as avaliações feitas para o relator do projeto. O advogado lembra que o Brasil analisa o histórico de todas as pessoas que pedem refúgio. O órgão responsável por receber os pedidos é o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que funciona no âmbito do Ministério da Justiça. “O trabalho de avaliação no país é sério e quando a pessoa é criminosa, é deportada”, diz Furriela. Vale explicar as diferenças entre os status de refugiado, imigrante e asilado, o que ainda é motivo de confusão no Brasil. O refugiado que busca proteção internacional é alguém que foge do seu país de origem, onde é perseguido em função de sua raça, religião ou opção política. “É uma situação em que a integridade física e a vida estão em jogo”, diz o advogado. Já o imigrante opta por viver em outro país, seja para buscar oportunidade profissional, tem apreço pelo lugar ou por outro motivo. Furriela explica, ainda, que a diferenciação entre asilo e refúgio é feita apenas em países da América Latina. “Pedir asilo é a busca por proteção em casos de perseguição política”. Também está presente no texto do projeto de lei o artigo 472, que suspende persecução penal e punibilidade dos crimes previstos nos artigos já mencionados se for concedido o refúgio. Será difícil executar lei que manda separar população carcerária Publicada em 7 de outubro no Diário Oficial, a Lei 13.167 de 2015 alterou o artigo 84 da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84). Com a mudança, foram estabelecidos critérios para separar a população carcerária por tipos de crimes. Antes disso, a norma determinava que presos provisórios fossem mantidos em locais distintos dos já condenados. A nova regra manteve essa determinação, mas dividiu as populações de provisórios em três subgrupos e a de condenados em quatro categorias. De acordo com o texto da lei, os presos provisórios acusados por prática de crimes hediondos ou equiparados deverão ser mantidos separadamente dos acusados pela prática de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa que, por sua vez, deverão estar apartados daqueles acusados pela prática de outros crimes ou contravenções diversos dos apontados nos incisos I e II. Especialistas da OAB SP enxergam com ceticismo a viabilização da norma, ao menos neste momento. A regra intensifica necessidades mínimas preexistentes do sistema carcerário, como reforma e ampliação de alas, o que é difícil de vislumbrar em um cenário de crise pelo qual passa o país. De acordo com os advogados consultados, a falta de condições do Estado para cumprir a determinação fundamenta pedidos de habeas corpus. Para Adriana de Melo Nunes Martorelli, presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB SP, trata-se de regra de difícil execução. Em princípio já falta o mínimo: para que presos provisórios sejam separados daqueles que foram condenados, lembra a advogada, seria necessária a redução do crescente aprisionamento em massa, cujo resultado é o amontoar de pessoas presas provisoriamente junto com as já condenadas em Centros de Detenção Provisórios superlotados, como visto em São Paulo. “Além da impossibilidade espacial de se fazer o básico, que é separar provisórios e condenados, a lei prevê que dentre os presos condenados seja feita uma separação, não só por tipo penal, mas também por grau de ‘periculosidade’”. A advogada chama a atenção para o debate que a Secional promove em novembro sobre o Projeto de Lei 513 de 2013, que tramita em Brasília justamente com o objetivo de reformar a Lei de Execução Penal. Da ressocialização Apesar das dificuldades em torno de sua execução, a Lei nº 13.167/15 é benéfica. Martim de Almeida Sampaio, diretor da Comissão de Direitos Humanos da OAB SP, conta que a norma brasileira surge inspirada em um protocolo de regras mínimas para o tratamento de pessoas presas da Organização das Nações Unidas (ONU). “O item oitavo do protocolo diz que presos de diferentes categorias devem estar em presídios separados ou em alas distintas da mesma unidade prisional”, citou.


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