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Lei no Congresso pode facilitar porte de arma de fogo CAMPANHA: Durante as ações de recolhimento, mais de 450 mil armas foram entregues e destruídas pelo Exército 9 Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 411 – Novembro de 2015 SÃO PAULO Entre as modificações propostas estão a redução da idade mínima para adquirir armamento e a redução de pena Há 20 anos, quando se acirraram as discussões sobre a importância de desarmar a população para reduzir o número de mortes por arma de fogo, as estatísticas apontavam que 85% de homicídios eram provocados dessa forma. Dos assassinatos cometidos à época, a cada 16, 15 se davam por tentativa de reação da vítima armada. Na oportunidade, a Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil encampou ampla ação em conjunto com entidades representativas da classe e do Judiciário que culminou com a aprovação do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), em 2003. De lá para cá, quando o Estatuto passou a restringir o porte de arma, dificultando o acesso, a situação mudou. Levantamento do Ministério da Justiça aponta que, mesmo com um alto índice de homicídios em função do aumento populacional e da violência em grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, a Lei 10.826/03 foi importante para salvar ao menos 120 mil vidas. Agora, com o tema discutido novamente pelo Congresso, a OAB SP volta a se preocupar. Isso porque a Comissão Especial que analisa mudanças no Estatuto do Desarmamento deu sinal verde para que a lei seja alterada. O novo texto estende o porte a qualquer pessoa que ateste com documentos e laudos ter capacidade técnica e psicológica para o manejo e uso da arma a ser adquirida. Hoje, é bem mais restrito: ao requerer o registro à Polícia Federal, o interessado precisa declarar a efetiva necessidade da arma, o que permite que a licença possa ser negada pelo órgão expedidor. Entra aí também o fato de as polícias civis e militares dos estados poderem emitir os registros de armas aos cidadãos. Não são apenas estas modificações propostas que facilitam o armamento. Atualmente, o Estatuto prevê que a licença deve ser renovada a cada três anos e será cancelada se o portador for flagrado embriagado enquanto porta a arma. Pela norma em votação, esses dispositivos serão suprimidos. São retirados ainda outros impedimentos, como permitir à pessoa, que responda a inquérito policial ou a processo criminal, comprar ou portar arma de fogo. De acordo com o diretor de Direitos Humanos da Secional paulista da Ordem, Martim de Almeida Sampaio, o Estatuto foi um grande avanço da sociedade brasileira, que não pode ser revogado, e alerta que armas nas mãos erradas representam um retrocesso, um sinônimo de aumento da violência. Ele esclarece que o crime de homicídio cometido por quem tem arma ocorre de várias maneiras, em sua maioria de forma passional. Desde uma briga de trânsito, ao crime doméstico, contra a mulher. “Numa dis- cussão de trânsito, o sujeito dá um tapa na cara do outro. Iriam os dois até a delegacia registrar boletim de ocorrência, mas se um estiver armado, pode perder o controle e dar um tiro no outro”, exemplifica. Do fornecimento Outro componente a ser observado é o latrocínio – roubo seguido de morte. As estatísticas demonstram que geralmente isso ocorre quando há reação da vítima. “Não sabemos atirar, não temos treinamento. Se você estiver armado pode morrer ou ter a arma tomada, passando a ser um fornecedor”, acrescenta Sampaio. Para embasar sua tese, o diretor de Direitos Humanos da OAB SP pega os Estados Unidos como lição. Naquele país onde a compra de arma é mais fácil, há estados mais rigorosos, como Nova Iorque, e outros menos rígidos, como o Alaska. “Onde é mais fácil a aquisição de armamento, o índice de mortalidade é maior”, diz. O texto em discussão no Congresso traz ainda a redução da idade mínima de 25 para 21 e cria outras facilidades. Isso, no ponto de vista da instituição, esbarra na questão da maturidade, uma vez que os mais jovens estão mais propensos a puxar o gatilho. Entre as mudanças, também está previsto o da redução de pena de 4 a 8 anos para entre 3 a 7. “Assim como não acredito que aumentar a pena seja sinônimo de diminuição de delitos, também não acho que diminuir vá aumentar o número de crimes praticados”, avalia Alamiro Velludo Salvador, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB SP. Contraponto O presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB SP, Arles Gonçalves Júnior, por sua vez, não acredita que o Estatuto do Desarmamento tenha obtido números tão relevantes quanto se diz. Ele aponta alguns aspectos sobre o tema e defende que o cidadão tem o direito de se defender, desde que seja habilitado para isso, “até porque o Estado não tem condições de colocar um policial em cada esquina”. Quanto ao fato de o texto prever a ampliação do porte, pela legislação em vigor tem de ser renovado a cada três anos. Gonçalves Júnior não vê problema, mas acredita que deve haver de tempos em tempos uma reavaliação, como ocorre para retirar a carteira de habilitação. “É preciso ter certeza de que não está colocando um louco armado na rua”, diz. Proibido para menores Diante do atual cenário, também está em discussão uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que proíbe a fabricação e a venda de armas de brinquedo. A discussão está no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade do governo paulista questiona a validade da lei que, de acordo com a ADIn, cabe à União legislar sobre a fabricação de material bélico. “Os brinquedos devem estar voltados para desenvolver o saber”, adiciona Martim de Almeida Sampaio, realçando que o Mapa da Violência, do Ministério da Justiça, mostra que homicídios cresciam em torno de 8% antes do Estatuto, contra 1% atualmente. Preceitos básicos Apenas para registro, o Estatuto do Desarmamento estabelece os requisitos a serem observados por quem quer comprar uma arma, como curso de tiro e exames psicológicos e médicos. Ou seja, quem quiser possuir legalmente uma arma de fogo no Brasil deverá comprovar bons antecedentes e aptidão técnica e psicológica para isso. Além disso, portar arma de fogo ilegalmente é crime inafiançável que pode dar até quatro anos de prisão. Durante a Campanha de Desarmamento, deflagrada a partir de junho de 2004, mais de 450 mil armas foram entregues à Polícia Federal, mediante indenização aos proprietários. Este armamento foi destruído pelo Comando do Exército.


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