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15 Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 414 – Março de 2016 SÃO PAULO locução e neste momento falta isso. Os parlamentares não estão representando devidamente o cidadão, o que leva a sociedade a manifestar sua indignação. As manifestações que vêm ocorrendo demonstram uma população mais consciente ou mais estimulada a participar dos atos em função das redes sociais? Essa mudança se deve um pouco aos avanços de nossas garantias. A Constituição de 1988 alterou o panorama do direito à manifestação, que era condicionado à autorização da polícia, intervindo e dizendo onde poderia ocorrer a reunião. Isso foi totalmente mudado. A população está, sim, mais consciente. Os argentinos sempre foram mais participantes. As donas de casa argentinas diziam: “não comeremos carne a esse preço e vamos para as ruas”. E elas cumpriam. O Brasil mudou depois de 2013, com o grande movimento de junho. Mas ainda havia uma lista enorme de coisas a serem reivindicadas. Além disso, na mesma manifestação tinha quem queria a democracia e quem pedia a volta do regime militar. Isso é abominável. Somente quem viveu no regime de exceção sabe qual foi o preço que pagamos nesses 21 anos – de 1964 a 1985. Enfim, as ruas podem não resolver tudo, mas elas dão sinais importantes do que a sociedade está pedindo. Na ditadura militar o senhor defendeu presos políticos e também foi preso. Há riscos de voltarmos a viver em um regime de exceção? Acho que não porque as nossas instituições estão muito sólidas. Temos de admitir que a Justiça tem defeitos, mas as ordens são cumpridas. O Congresso funciona com problemas, mas temos um povo participante. Temos, bem ou mal, uma classe política participativa. E, mais do que tudo, temos forças armadas muito leais à Constituição. Em 1964 havia uma situação de muita instabilidade na América Latina. Em um curto espaço de tempo, a partir de 1950, foram Paraguai, Guatemala; depois, Brasil, Uruguai, Chile e Argentina, tudo sob doutrina da segurança nacional. Isso mudou. Hoje, qualquer sinal de algo equivocado, já se abre inquérito, já se colocam as questões diante dos tribunais. Acho que não há nenhuma condição para quebra da constitucionalidade. Além disso, a OAB está atuante e os advogados, atentos. Qual o papel da OAB SP para garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito nesse momento de conturbação no cenário nacional? Ela tem uma função de representação dos advogados e está exercendo seu papel: debater a situação e os elementos para a saída da crise. Além disso, é uma instituição que promove discussões com todas as correntes de pensamentos para abordar as questões econômica e constitucional e pedir as reformas necessárias. A OAB tem feito isso. É bom ressaltar que os debates têm sido importantes porque o cidadão quer participar. No Brasil a gente se desacostumou às discussões e um dos culpados foi o regime militar. É pela exaustão das ideias, pelo exaurimento das discussões, pela colocação de pensamentos contrapostos que se exerce a liberdade de expressão. Temos de admitir que o que um fala o outro pode retrucar, mas deve haver algo que nos una. E o que nos une é a vontade de manter o Estado de Direito e a liberdade das pessoas. E aí entra o papel da OAB SP, que tem de chamar a atenção do Judiciário para determinados temas. Hoje, a OAB não se aquieta, não se amedronta. A Ordem não pode ser amedrontada, ela tem de estar atenta. O Conselho Federal, com a anuência das Secionais, entrou com pedido do processo de impeachment. Mas, ao mesmo tempo, o presidente Marcos da Costa foi lá e disse: “Não pode interceptar a conversa de cliente com o seu advogado. Não pode conduzir alguém à autoridade policial se ele não foi convidado previamente. A lei tem de ser cumprida”. Ou seja, tudo tem de ser feito dentro da lei. Recentemente, um escritório de advocacia teve o sigilo telefônico quebrado. Por que se desrespeitaram tanto as prerrogativas profissionais? A sociedade, às vezes, gosta de ver um criminoso preso porque a imprensa diz que ele cometeu um crime. Não é assim. Para fazer isso, tem de se percorrer um caminho. O Ministério Público, muitas vezes, denuncia sob o manto do sigilo e, de repente, a imprensa tem conhecimento do fato antes da própria defesa. Eu mesmo já representei ao Conselho Nacional do Ministério Público porque meu cliente não sabia do que ele estava sendo acusado e a imprensa já sabia. O juiz (Sérgio) Moro, uma pessoa respeitável, sabia que não podia divulgar uma conversa entre o ex-presidente e a presidente da República. Ele achou que faria um pouco de justiça ao revelar o conteúdo das gravações, mas cometeu um equívoco. Na medida em que se atingiu uma autoridade que tem a prerrogativa de foro, a conversa deve ser levada à autoridade competente. Não se chega a um bom termo na investigação se os direitos não forem acatados, se as prerrogativas do advogado não forem respeitadas. Essa história de que o advogado atrapalha tem de acabar, porque ele não atrapalha. Porque se ele comete algo fora da ética, nosso Tribunal de Ética tem vários elementos para que ele seja julgado e punido se, de fato, cometeu desvio de conduta. Como avalia a decisão do STF de permitir a prisão antes de se esgotarem todos os recursos? Alguém prenderia uma pessoa sabendo que esse indivíduo pode ser inocente? Não se deve prender alguém antes de se esgotarem todos os recursos porque é prevista a inocência até que ela seja afastada definitivamente. Permitir que se cumpra pena antes do recurso definitivo, um direito dado pela texto constitucional, é um atestado de incompetência. A Constituição determina: “até trânsito em julgado, a pessoa é considerada inocente”. Ou seja, estou prendendo alguém que é considerado inocente. “Ah, mas cometeram um crime bárbaro”, reclama a sociedade. Nós temos como exemplo o caso da Escola Base, que teriam cometido um crime bárbaro contra as crianças. Ao final de muitos anos, descobriu-se que não houve crime algum, mas suas vidas já estavam arrasadas. O mesmo se aplica ao caso dos irmãos Naves: quando a Justiça se fez, a desgraça já tinha imposto seu peso. Da forma que está, em nome da celeridade processual, vai chegar um dia em que vão prender logo depois da decisão em primeira instância. Acho que foi um equívoco total. O Supremo ainda vai se arrepender por ter tomado essa decisão e a sociedade vai se arrepender por ter pedido isso quando tivermos mais um caso de condenação absurda. Quais ações podem extirpar a corrupção, que tanto mal causa ao país nesse momento? A corrupção desiguala em desfavor das boas pessoas, das empresas honestas, das empresas de bem. Ela faz com que os cidadãos percam a referência de que é correto ser bom. Já o combate à corrupção faz com que as pessoas valorizem as máximas do Direito que dão um norte para a Justiça: não lesar ninguém, ser honesto e dar, a cada um, o que é de direito. Isso é básico. A Lei Anticorrupção, por exemplo, é muito dura. Que importância tem para a sociedade brasileira a abertura de documentos, processos e áudios históricos da ditadura? Por que nem (Fernando) Collor, Itamar (Franco), Fernando Henrique, Lula ou Dilma determinaram aos militares que abrissem os arquivos da ditadura? Que medo é esse? Alguns foram abertos, mas acreditamos em uma empulhação que foi criada agora, nos últimos três governos, pois foram queimados arquivos da ditadura. Aí, eu pergunto: por que não tem ninguém respondendo por isso? Essa empulhação que vivemos é péssima para a memória do brasileiro e isso, um dia, vai ser descoberto. Eu prefiro a cultura norte-americana em que, periodicamente, esses arquivos se tornam públicos doa a quem doer. As revelações poderiam dizer, por exemplo, onde estão os desaparecidos políticos. Pegaríamos mais de 400 famílias e as sossegaríamos. Por que abriu mão da remuneração do cargo quando foi eleito para presidência do conselho curador da Fundação Padre Anchieta? Era um momento que eu achava que devia uma retribuição à sociedade. Tinha suporte no escritório, tinha elementos para fazer isso. No escritório também praticamos a advocacia gratuita. Muitas vezes, o cliente pergunta: “e aí, quanto ficou?” E eu respondo que tenho elementos para não cobrar. A advocacia é muito generosa. Já com relação à TV Cultura, ela é uma causa. Quando me candidatei, eu disse: “Não vou receber por isso”. É um gesto. “O Supremo ainda vai se arrepender por ter tomado a decisão de permitir a prisão em segundo grau e a sociedade vai se arrepender por ter pedido isso quando tivermos um caso de condenação absurda” Santos Jr..


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