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Em defesa da Constituição e da Cidadania 7 Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 414 – Março de 2016 SÃO PAULO O império da Ordem, da Justiça e da Cidadania é uma conquista do Estado Democrático de Direito, constituindo, por excelência, o apanágio das democracias. Ao longo da história, as Nações têm procurado aprimorar o conjunto dos direitos individuais e coletivos de seus cidadãos, por meio da inserção de princípios, diretrizes e valores em suas Constituições. Após um ciclo autoritário que deixou profundas cicatrizes no corpo social, o Brasil reencontrou a via democrática e conseguiu plasmar sua Carta Magna, considerada uma das mais avançadas do mundo no capítulo dos Direitos. Graças à Constituição Cidadã de 1988, a Nação brasileira passou a integrar a moldura das modernas democracias contemporâneas, sendo reconhecida pela grandeza de seu ideário, fundamentado em sólidos e imutáveis dispositivos, entre os quais as chamadas cláusulas pétreas, insculpidas no artigo 60, inciso 4º, da Lei Maior: "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais". Sob a crença da imutabilidade de normas que regulam “os direitos e garantias individuais”, a Nação brasileira assistiu, perplexa, a surpreendente decisão do Supremo Tribunal Federal de relativizar a cláusula pétrea da “presunção de inocência”, inserida no inciso LVII do artigo 5º da Constituição de 1988, assim descrita: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Responder a uma ação penal não significa ser culpado. Inocentes podem ser réus. Como lembra o ministro Celso de Mello, 25% dos recursos penais que chegam ao Supremo são acolhidos. Ao proferir a decisão que permite o encarceramento do condenado em 2ª instância, a Suprema Corte não apenas muda a regra que assegura a liberdade do cidadão até o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas também, ao desconsiderar um direito fundamental, parece abrir a possibilidade de que qualquer outra cláusula pétrea da Constituição Federal possa vir a ser afastada. Se a decisão da Corte procurou ouvir a voz das ruas e dar resposta à lentidão do Judiciário, parece um despropósito mudar a letra constitucional sob um viés de cunho populista ou transferir para o cidadão o fardo da morosidade, que compete ao próprio Judiciário equacionar. Lembre-se, a propósito, que o STF já tentou implantar a decisão provisória de sentenças penais, por meio de proposta de emenda constitucional, que ainda tramita pelo Poder Legislativo. Não pode e não deve o STF agir como uma Assembleia Constituinte, mudar a Constituição que deveria defender e, mais, invadir o terreno legislativo, expandindo o que se convencionou chamar de politização da Justiça. A Lei já define as circunstâncias que justificam a prisão preventiva, que ocorre antes do trânsito em julgado de uma decisão condenatória. Por sua gravidade, são situações especialíssimas onde o legislador definiu quando o interesse social deve se sobrepor para justificar a supressão da liberdade individual. A decisão do STF parece desconsiderar essa delimitação legal e permitir que todos os réus condenados em segunda instância, mesmo os primários e de bons antecedentes, e que tenham contra eles imputada a prática de delito de baixo potencial ofensivo, ou mesmo de natureza culposa, sofram a segregação social da prisão. Ou isso, ou concede a cada julgador o poder de decidir se encaminha ou não o cidadão ao cárcere, de acordo com critérios por ele mesmo definidos. É necessário, sim, discutir-se o sistema de Justiça de nosso país. Debater seriamente sobre as razões da demora processual, verificar os fatores intrínsecos e extrínsecos que fazem com que os processos em geral, inclusive os de natureza penal, tenham tempo excessivo de tramitação, mas sempre com o intuito de preservar e fortalecer os direitos fundamentais assegurados na Constituição de 1988, e no local apropriado para essa discussão, o Congresso Nacional. A advocacia, invocando seu papel constitucional de indispensável à administração da Justiça, e em nome do compromisso de defender a Constituição e a ordem jurídica, por meio de suas entidades representativas, vem repudiar o atentado cometido à cláusula pétrea da presunção de inocência e manifestar a necessidade do Supremo Tribunal Federal retomar seu papel de guardião dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito. São Paulo, 25 de fevereiro de 2016 Manifesto OAB SP – Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo CPIAB – Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil AASP – Associação dos Advogados de São Paulo ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas APLJ – Academia Paulista de Letras Jurídicas APD – Academia Paulista de Direito IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa MDA – Movimento de Defesa da Advocacia SASP – Sindicato dos Advogados de São Paulo CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados AATSP – Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo SINSA – Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro IBCJ – Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo ADVOCACIA: Mariz, Toron e Costa durante o lançamento do manifesto em defesa da Constituição que há de ser respeitado o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), que faz referência à presunção de inocência em seu artigo 8º. Consequências “A decisão representa uma escalada punitiva, vingativa, de castigo, que está sendo o desejo da sociedade brasileira, capitaneada pela mídia”, opina Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, membro nato da OAB SP, que representou o Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) no lançamento do manifesto Em defesa da Constituição e da Cidadania. Luiz Flávio Borges D’Urso, membro nato da Secional paulista da Ordem e presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), chama a decisão de “desastre humanitário” e relembra que o sistema prisional brasileiro encontra-se “absolutamente falido”. “Enquanto o mundo busca caminhos para punir sem encarcerar, essa decisão privilegia a prisão antecipada, na contramão da evolução do direito penal mundial”, reflete. Augusto de Arruda Botelho Neto, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), alerta para o fato de que o pano de fundo dessa “suposta voz da sociedade”, que defende a medida, é corroborado por quatro ou cinco casos notórios de repercussão. “O sistema prisional está lotado de jovens, negros e moradores da periferia, além de réus primários. Esses serão os atingidos por essa absurda e triste decisão do STF”, afirma. Botelho lembra, ainda, que cerca de 30% dos recursos criminais do país são reformados nos tribunais superiores. Além dos já citados, compareceram conselheiros Secionais e presidentes de Subseções da OAB SP; Andrey Cavalcante, presidente da OAB Rondônia; Ricardo Toledo, tesoureiro da OAB SP, Gisele Fleury, secretáriaadjunta da OAB SP; Guilherme Batochio, conselheiro federal da OAB SP; Eliana Castelo Branco, secretáriageral da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo; Rodrigo de Castro, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia; Gisela Freire, vice-presidente do Sindicato das Sociedades de Advogados dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro; Marcelo Figueiredo, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas; e Carlos José Santos da Silva, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. José Luís da Conceição


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