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No processo de impeachment pesam mais os elementos jurídicos ou políticos? A definição do crime de responsabilidade é de caráter político. E tanto é político que não são magistrados que julgam o processo, são os senadores, estes necessariamente vinculados a partidos políticos, enquanto os juízes do Supremo não podem ter vínculo algum com partido. Uma coisa é ser julgado no foro político e outra é no jurídico. Eu tive essa experiência porque fui magistrado de carreira por 41 anos e nunca tinha conduzido um processo fora da Justiça. A motivação é totalmente diferente porque o juiz quer dar o voto dele. Mas no foro político é uma disputa de partido, de adesões e separações. impeachment Qual a sensação de presidir um julgamento de ? Sempre me preparei para ser jurista, mas presidi um processo político, que é mais complexo, e tinha de agir com isenção. Houve vários elementos, inclusive quando eu, em sessão administrativa no Senado, disse como seria o roteiro do processo. Tínhamos algumas dúvidas, principalmente em se tratando da Lei nº 1.079, que é a do Impeachment. Ela é de 1950, época em que estava em vigor a Constituição de 1946. No caso Collor, já estava em vigência a Constituição de 1988, que diz que a Câmara autoriza e o Senado processa. Esse era um desafio, pelo fato de ter alterado a lei e eu ainda precisava ver se tinha alguma parte dessa legislação revogada. Em função disso, elaboramos um roteiro e submetemos aos senadores. Dessa forma, não teríamos grandes problemas no STF. Foi uma disputa árdua chegar a esse roteiro? Quem preparou o roteiro foi Celso de Mello, que ainda é ministro e hoje é o decano da Corte. Tanto que constou do roteiro que o presidente do Supremo somente assumiria o processo depois de recebida a denúncia e o réu ter sido afastado. Até agora, estão seguindo esse rito do Celso de Mello. Ele foi minuciosamente elaborado, não deixando dúvidas. Tanto que no caso Collor houve apenas um questionamento sobre o tempo para a defesa, que era curto, e o pedido para que a votação fosse secreta. O Supremo deferiu em parte, ampliando o prazo de defesa, mas determinou que a votação fosse aberta, o que também está sendo seguido. Em caso de impedimento da presidente Dilma, o vice Michel Temer tem amparo jurídico para assumir o cargo? Se ocorrer a perda de mandato de Dilma e ele não estiver sendo processado, assume imediatamente. Aliás, foi o que aconteceu com Itamar Franco. Terminou a primeira parte do processo e os senadores ainda estavam discutindo sobre se iriam seguir ou não com a segunda pena. Mas o presidente já tinha renunciado ao mandato e era uma sexta-feira, dia 29 de dezembro de 1992. Itamar pretendia tomar posse na segunda-feira. Eu respondi a ele que o país não podia ficar sem presidente. Fiz a ponderação de que os militares haviam saído do poder recentemente e questionei se ele queria mesmo esperar até segunda-feira. Ele entendeu, assumiu o cargo e acabou fazendo uma boa gestão. Na sua avaliação, a presidente cometeu crime de responsabilidade? Em tese, sim. Porque aquelas pedaladas fiscais implicaram em certa inobservância da lei de responsabilidade civil e da lei orçamentária. A Constituição enuncia quais são os crimes de responsabilidade do presidente. Um deles é o descumprimento de leis e o outro é de improbidade administrativa. Então, se ela descumpriu leis, já há motivo para isso, se descumprisse decisão judicial, também. E tem a improbidade administrativa quando ela adotou esse expediente para ocultar a questão fiscal que se encontrava o país, num ano eleitoral. Se é correto ou não, apenas o processo vai dizer. Mas a Constituição remete para a lei a definição daqueles crimes a que ela se refere e ao respectivo processo. E o último pedido de impeachment fala em crime de responsabilidade, a falta de decoro no exercício do mandato. Esse eu acho que é o dispositivo que pode ser invocado com mais segurança. O que é? Uma indignidade cometida, ainda que com a melhor intenção do mundo. O Collor sofreu o impeachment por falta de decoro no exercício do mandato. Ele recebia um dinheiro e não explicou até hoje de onde vinha esse dinheiro. Há elementos na área criminal contra a Dilma? Há aquela questão do telefonema com o presidente Lula em que ela comunica que vai nomeá-lo, que vai enviar o termo de posse. Isso, em tese, poderia se configurar falsidade ideológica, porque estava sem a assinatura dela: ela mandou para ele assinar e depois devolver. Quem assina primeiro é o presidente. Isso tudo poderia ser colocado. Porém, até hoje, não se tem notícia no sentido de crime comum. Já o crime de responsabilidade é improbidade ou falta de decoro. A polêmica toda sobre a imputação de crime é entre os juristas, mas não são eles que decidem, são os políticos, que não precisam dizer por que estão decidindo, apenas têm de falar sim ou não, sem justiçar. Um juiz jamais poderia fazer isso. Os magistrados têm de fundamentar seu voto, sob pena de nulidade do processo, mas a Constituição e a Lei não exigem que os senadores fundamentem seu voto. Em 2015 o senhor foi convidado para preparar o parecer do processo de impeachment da presidente, por que não aceitou? Naquela ocasião, o Tribunal de Contas da União tinha examinado apenas as contas do exercício anterior, e eu tinha dúvida se podia atingir crime de responsabilidade impeachment ato praticado no mandato já terminado. O é para retirar o cargo e ela não estava na função de mandato anterior, estava no atual. Então, tinha minha dúvida. Depois que isso se repetiu no Sanches15 Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 415 – Abril de 2016 SÃO PAULO segundo mandato dela e teria sido anunciado pelo próprio TCU, embora não tivessem sido julgadas as contas, mudei minha opinião. Mas, mesmo assim, não pretendo dar parecer sobre o caso. Posso expressar minha opinião e experiência. Além disso, os fatos são outros. No caso Collor, o irmão do presidente foi quem denunciou que o presidente estava mancomunado com o tesoureiro de campanha dele para causar lesão ao interesse público. Depois, um motorista, depondo, confessou que levava dinheiro ao presidente. O fato de o povo não ter esquecido o confisco da poupança, que deixou muita gente indignada, com os demais elementos que foram surgindo, deixaram Collor sem apoio algum. Ele tinha feito uma reforma na Casa da Dinda e comprado um automóvel Elba, que atualmente seria juizado de pequenas causas. Hoje, embora o processo seja também de impeachment, não se apontou um fato concreto, a não ser esse das pedaladas. Como membro da comissão que elaborou o anteprojeto do Estatuto da Magistratura Nacional, o senhor acredita que o Judiciário precisa de uma nova Lei Orgânica? Precisa! Como não? A Constituição diz que a organização da magistratura se faz com projeto de lei complementar de iniciativa do Supremo e votação na Câmara e no Senado. Quando eu era presidente do Supremo, entreguei nas mãos do deputado Ibsen Pinheiro, que era presidente da Câmara, o nosso projeto, cumprindo a norma constitucional. Não foi votado nenhum artigo, porque essas coisas não são consideradas importantes. Justiça não é prioridade no país. Só é importante para quem está sendo injustiçado. Injustiçado é quem está preso e não foi julgado. Outra coisa: a polícia prende e juiz solta, cumprindo a lei, e não se diz que o legislador fez aquilo, se diz que o juiz é quem soltou. Se ele não soltar, está descumprindo a lei. A imprensa tem de estar atenta a isso. A população está mais atenta às decisões do Judiciário e a seus direitos? O que está havendo é uma maior participação do povo pelas questões que a Justiça decide e que a sociedade sequer sabia. Esses programas de TV estão sendo acompanhados. Por meio dele, a população vê como é um julgamento, quanto tempo o juiz empenhou para sustentar sua decisão, e percebe que o debate é sério. Ainda assim, encontra-se divergência, eu mesmo decidi, várias vezes alguma sentença que estava empatada. Eu acho que o povo despertou mais para isso e está seguindo o exemplo de quem leva a sério. Todos podem cometer algum excesso, mesmo os bem intencionados. De maneira que não se assuste se surgir uma denúncia séria contra o Joaquim Barbosa, contra Sérgio Moro ou contra qualquer juiz. É importante que a população siga as decisões. No caso de Collor, por exemplo, falei aos ministros que era importante transmitir o julgamento pela televisão, para não causar tumulto. Eles entenderam e foi transmitido. “O roteiro de impeachment foi minuciosamente elaborado por Celso de Mello, tanto que no caso Collor houve apenas um questionamento sobre o tempo de defesa, que era curto, e o pedido para que a votação fosse secreta.”


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