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Viieiira Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 416 – Maio de 2016 SÃO PAULO 15 partido com baixíssima representatividade se viabilize por ter conseguido o número mínimo de votos para preencher uma vaga no parlamento. Esse problema fica potencializado pela possibilidade de coligações. Mesmo assim, a estrutura vinha sendo operada pelos presidentes anteriores com sucesso. Mas neste segundo mandato da presidente Dilma, em função de sua falta de habilidade, associada à crise econômica e a crise moral gerada pela Lava Jato, fez com que perdesse o controle sobre sua base. Isso é que se chama de crise de governabilidade. A multiplicidade de partidos continua a ser um desafio. Há um número ideal? Nós temos um número excessivamente grande de partidos. O presidente FHC apresentou uma legislação nos anos 90, difícil de ser aprovada na Câmara na época, que criava uma cláusula de desempenho, também chamada de cláusula de barreira. Por seu intermédio, partidos de baixa representatividade não teriam acesso ao fundo partidário à televisão e rádio gratuitos. O que dificultaria chegarem ao parlamento. Mas dez anos depois, quando a medida entraria em vigor, o Supremo Tribunal Federal (STF) a declarou inconstitucional. A meu ver foi a pior decisão que a Corte tomou durante esses 28 anos de democracia porque impediu que o nosso sistema pudesse ser calibrado. A ideia era que houvesse seis, sete, oito partidos políticos, o que tornaria razoavelmente governável. Hoje nós temos um problema criado pela Constituição, com a ajuda do STF. Qual é a sua ideia de governo bem-sucedido? Governos com alto grau de aprovação de medidas. FHC e Lula aprovaram entre 80% e 90% das medidas propostas ao Congresso Nacional, um sinal de grande governabilidade. A primeira gestão da presidente Dilma também obteve alta taxa de aprovação em um período e depois veio caindo até chegar à situação que vimos, de não conseguir mais êxito. Por isso, a crise, a meu ver, é de natureza governamental. O governo não consegue, dentro de uma institucionalidade dada, exercer autoridade e aprovar as medidas que propõe. E essa crise foi profundamente agravada pela Operação Lava Jato porque o governo também passou a enfrentar desconfiança social profunda. O que o sr. classifica como crise institucional? Há dois tipos de crise institucional. Decorrentes de fatores externos e internos. O primeiro tipo se dá quando um ator externo ao jogo democrático interrompe a normalidade, um golpe militar ou uma ação revolucionária ou mesmo uma intervenção de outro país. No Brasil, em 1964, vimos um ator que não participava do palco democrático assumir o jogo. As crises de natureza interna ocorrem quando um dos poderes institucionais não aceita o exercício da função do outro, ou nele intervém indevidamente. Seria, por exemplo, uma situação em que o Legislativo ou o Executivo não cumpram uma decisão do STF. A meu ver, nós não assistimos isso nesses meses. Ninguém se negou a cumprir decisões, seja no caso do impeachment ou em outras situações. O que se nota é tensão institucional, o atrito cotidiano, mas não a ruptura da institucionalidade. E quando o presidente do Senado, Renan Calheiros, manteve o trâmite do impeachment e ignorou Waldir Maranhão, presidente da Câmara? Talvez tenha sido o único elemento nessa linha. Houve ali um atrito interno entre as duas Casas do Congresso. Mas, fora esse episódio isolado, a situação poderia ser muito feia, poderíamos estar olhando para um cenário de grande choque, de maior intensidade no que diz respeito a desafiar autoridades. Poderia explicar a tensão institucional? A intensidade dos choques entre os poderes, choques esses que são parte do jogo em uma separação de poderes, aumenta quando há aumento de dissenso. Quando, por exemplo, o Congresso aprova uma medida que afeta determinados setores, e estes se sentem atingidos, há aumento de tensão. No sistema brasileiro esses grupos que se sentiram derrotados na Câmara, no Senado e no Executivo, vão, então, buscar o STF para rediscutir aquela decisão. Durante a gestão do FHC, todas as medidas que foram aprovadas para reformar o sistema econômico foram questionadas pelo PT. Na gestão do Lula, menos reformista do ponto de vista constitucional ou mesmo da infraestrutura legal brasileira, o partido que apresentou o maior número de ações foi o DEM, seguido pelo PSDB. O Supremo passou a ser, a partir de 1988, uma terceira instância para o grupo derrotado buscar reverter essa derrota. Antes de 88 não era possível fazer isso. O STF pode ter de tomar decisões contramajoritárias? Nesses 28 anos, o STF tendeu a decidir em conformidade com aqueles que tinham sido vitoriosos no campo político, com algumas exceções. Penso que agora pode ter de desempenhar um papel contramajoritário, quer dizer, vai ser convocado a, em nome do princípio da dignidade, da igualdade, enfim, invalidar medidas aprovadas pela maioria, circustância que surja dessa crise. A minha impressão é que, com a atual composição do STF, medidas no campo moral que sejam mais conservadoras têm pouca chance de triunfar. Temos um Congresso mais conservador e um presidente interino pragmático, cuja necessidade de aprovar medidas, sobretudo econômicas, é urgente. Talvez, para conseguir aprovar essa agenda, Michel Temer não esteja em condições de vetar algumas dessas questões simbólicas ao campo conservador, que não são novas. Assim penso que o Tribunal vai servir como uma barreira contramajoritária ao Congresso no campo de discussões morais, especialmente em questões de raça, de gênero, do uso da força e armamentista. No campo econômico, não. Aí, o alinhamento é mais fácil. E o papel do Tribunal diante da crise? No que diz respeito à crise, o Supremo tem ampliado seu papel moderador. A Corte tem calibrado a Lava Jato – que ganhou autonomia muito grande – e concedido alguns habeas corpus, algumas prisões não são autorizadas, algumas medidas do juiz Moro são contidas, enfim, vê-se calibragem. O STF poderá rever ou não a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre a impugnação da chapa eleita, embora a possibilidade seja remota porque o TSE tem uma composição hoje que dificilmente levaria a essa situação. Como o sr. avalia o funcionamento das instituições de Justiça hoje? Toda instituição funciona de maneira imperfeita porque é conduzida por pessoas. Há falhas, é natural. Nós tínhamos um problema crônico no Brasil: as instituições de aplicação da lei o faziam de modo muito imperfeito. Pela dificuldade de aplicá-la, sempre houve percepção de que não funciona. O que passamos a ter com o Mensalão foi uma percepção de que a lei iria avançar no sentido de responsabilizar as pessoas independentemente de seu status. A Operação Lava Jato levou isso a uma circunstância jamais vista no país. Há pessoas muito poderosas, seja do espaço público ou do setor privado, alcançadas pela lei. Mas há duas imperfeições. A primeira delas: aparentemente as investigações geraram abusos em algumas circunstâncias, dificultando que o exercício de defesa se dê de maneira plena. A Lava Jato está baseada em uma legislação nova, que permite a delação premiada – um instrumento novo, então não sabemos exatamente como nos comportar. Há problemas a resolver. Um segundo ponto, e isso talvez a história nos diga, é se essa fortaleza das instituições em impor responsabilizações está sendo seletiva ou não. Estamos aplicando a lei contra um grupo político aparentemente envolvido com corrupção. Agora, outros grupos não cometem as mesmas falhas ou o aparato legal não está sendo rigoroso o suficiente com eles? Ainda não sabemos. Como ter uma Constituição flexível nos ajuda? Ao mesmo tempo que a nossa Constituição é ambiciosa e regula muitas esferas da vida da sociedade, também tem uma certa humildade porque é fácil de ser alterada caso o caminho tomado seja equivocado. Por isso sofreu mais de 80 emendas. Os presidentes que precisaram fazer ajustes e alterá-la, o fizeram. No entanto, há o que chamamos de cerne, que é quase inalterável: são os direitos fundamentais, a separação de poderes, a Federação e a democracia. Poucas emendas dizem respeito a esse bloco e isso dá à Lei Suprema certa solidez. Assim é ao mesmo tempo flexível em relação às suas normas periféricas e rígida quanto ao seu núcleo de justiça. Neste momento de crise aguda, certamente propostas de medidas de reforma da Constituição vão chegar e ela vai se ajustar de novo. Não se rompeu, não precisou ser rompida. Acho que, do ponto de vista político, agora estamos no maior teste. Espero que aguente. Então o sr. não acha que precisamos de uma nova... Não tenho nada contra constituições novas. Acho que o momento que vivemos, no qual o grau de confiança de coesão no sistema político é tão fragmentado e a possibilidade de diálogo entre os atores está tão interrompida, não é bom para um processo constituinte. Vão falar que esses processos acontecem em situação de crise. Mas acontecem em situações de crise onde há pelo menos uma visão a respeito do futuro. Penso que isso não existe neste momento. Hoje não temos um projeto de país. Talvez o projeto de 88, com adaptações, ainda seja mais seguro do que lançar-se em uma aventura onde não há projeto. “Toda instituição funciona de maneira imperfeita porque é conduzida por pessoas. Há falhas, é natural...”


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