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também deixe claro o seguinte: “Two strikes out” (dois erros e fora). Se houver reincidência específica, o acordo é automaticamente rescindido e multas pesadas serão pagas. A empresa poderá ir à falência. Seja qual for a forma jurídica de proteção deste patrimônio, ele deve fazer parte do novo quadro legal com a alienação compulsória do controle acionário e o comprometimento do patrimônio pessoal dos acionistas controladores. Do lado do poder público, quem fecharia os acordos de leniência? São cinco grandes atores, com diferentes destinações constitucionais e legais, que precisam se conjugar num diálogo coerente. O desafio maior é operacional, saber como colocar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU), a Corregedoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público (MP) na mesma peça. Muitos acordos estão sendo feitos pelo MP, especialmente diante da sua competência irrecusável da ação penal. Outros estão sendo feitos pela AGU que entra com a ação judicial de improbidade administrativa, que é um tipo de multa. A CGU, por lei, é quem primeiro deve receber a manifestação do empresário na busca por um acordo de leniência, mas tem ocorrido desinteresse de alguns sob o pretexto de já haver um processo aberto pelo MP ou pela AGU. Estamos falando de consequências da Lei Anticorrupção para o setor privado. Quais reflexos o senhor percebe no setor público? Eu faço analogia com o que se passou com o Poder Judiciário, na maneira de julgar, a partir da Constituição de 1988, cujo artigo 37 tornou a moralidade no trato com a coisa pública uma norma. Ora, se moralidade tornou-se uma norma da administração pública, os juízes brasileiros imediatamente se deram conta que podiam discuti-la no mérito do administrativo, o que não acontecia antes. A Constituição impôs à administração pública uma nova forma de freios e contrapesos, uma versão de independência e harmonia de poderes, promovendo uma grande revolução. Por diferentes meios processuais, o Judiciário passou a dizer não às opções e meios de execução de políticas públicas. Agora, quando você retoma essas normas – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência –, vamos além da legalidade formal. A prestação de contas pode estar correta, mas a política pública pode ter sido mal escolhida, ou o custo final do sucesso da política pública é tal que o retorno não é suficiente para um raciocínio econômico. Passar a observar dentro desse contexto é importante para o Direito. O que o senhor pensa da Operação Lava Jato? Ninguém pode pretender interromper o trabalho da Operação Lava Jato, que é a melhor oportunidade dos últimos tempos, talvez a mais marcante da história brasileira de se ter uma nova vertente de ética pública. Por que a Lava Jato tem esse aspecto que outras operações não alcançaram? Pelo resultado imediato de se ver que a lei vale para todos. De repente, grandes empresários e políticos brasileiros foram chamados a responder perante a lei, num processo igual a todos os demais e com as mesmas sanções aplicadas. O que está se passando é uma catarse nacional e a CGU está no olho do furacão. A CGU perdeu o status de Ministério. Isso interfere no seu alcance? Ao criar o Ministério da Transparência, englobando a CGU, a reforma ministerial feita pelo presidente Michel Temer pretende expandir o que já existe para novos âmbitos, evitar que a Controladoria se satisfaça consigo mesma para impor novos desafios, avançar. A CGU ainda pode avocar processos administrativos em qualquer ponto da administração pública direta ou indireta, chamando para si um processo que considere lento ou mal produzido. A prerrogativa de iniciar um processo sobre fato que necessite investigação segue mantida. A CGU é uma instituição consolidada e reconhecida. É composta por funcionários excepcionalmente competentes, todos concursados e um considerável número deles com pós-graduação no Brasil e no exterior. Tem bacharéis e doutores do Instituto Militar de Engenharia, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e pessoas formadas nas melhores universidades do país, como USP, Mackenzie, PUC e UERJ. É um grupo muito sofisticado e muito atento à complexidade das tarefas, que são imensas. Nas eleições de outubro, será possível fiscalizar bem o fim das doações de empresas para partidos e candidatos? Hoje, se eu pudesse praticar a advocacia eleitoral, eu diria aos candidatos e partidos que não corressem riscos, o sistema de controle é muito mais eficiente do que se imagina. O convênio, desde 1995, entre a Justiça Eleitoral e a Receita Federal com o cruzamento imediato de CPF’s e CNPJ’s para a conferência das fontes de doação eleitoral já vinha colaborando. O TSE tem algumas matrizes de custos. Então, o Tribunal sabe quais são os grandes centros fornecedores de papel, por quanto chega o papel em certo município, volume de combustível gasto etc. Há toda uma série histórica de dados, que vai sendo montada, que permite que as auditorias de prestação de contas eleitorais ajam com muita objetividade. É claro que o mundo Jardim15 Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 418 – Julho de 2016 SÃO PAULO não é perfeito, o Brasil é muito grande. São cinco mil, quase seis mil municípios, e é difícil ter total controle sobre eles. Mas se você considerar o número de eleitores não é difícil admitir que, nos dezoito ou vinte estados com o maior número de eleitores e nos mil municípios com maior número de eleitores, a fiscalização é muito intensa: nesse espaço geográfico você tem quase cem milhões de eleitores dos 147 milhões cadastrados. Uma excelente amostragem. Qual será o impacto do período mais curto de campanha eleitoral? Essa é uma novidade que eu diria irreversível, que gera uma esperança imensa no novo sistema. Na grande maioria dos municípios, o candidato a vereador não vai poder gastar mais do que R$ 10 mil ou R$ 12 mil, devido à regra que impõe o limite de gastos em 70% da campanha mais cara da eleição passada, de quatro anos atrás. É um desafio para os concorrentes. Não imagino se sabem operar com pouco dinheiro. É certo que haverá um desafio de gerência de material de campanha. Não poderão mais sair pela cidade jogando santinhos e colocando cartazes em qualquer lugar. Os candidatos terão de estudar onde está o fluxo maior de trânsito para pôr o material no melhor lugar e na melhor hora. Há ainda o custo com pessoas, como cabos eleitorais, que será um desafio imenso. A consequência, todavia, é uma campanha muito mais barata, se ainda levarmos em conta que os candidatos a vereador não terão a propaganda de rádio e TV em rede, apenas as inserções de 30 ou 60 segundos algumas vezes por dia. Somente os candidatos a prefeito terão a propaganda eleitoral em blocos completos, com maior duração e formato de programa. O Ministério da Transparência abraçou duas propostas da campanha Corrupção Não, da OAB SP. Como a entidade pode continuar colaborando? A OAB SP sempre foi uma das mais ativas nesses programas de cidadania, seja pela atuação histórica de presidentes do passado, seja pelo atual, Marcos da Costa. Vejo com bons olhos uma eventual parceria do Ministério da Transparência com a OAB SP e outras Secionais para que se disponha um trabalho educativo, no curto prazo, para candidatos nas eleições de outubro e, no longo prazo, para os jovens que estão na escola. Já há no Ministério da Transparência programas de escala nacional, com a ajuda do setor privado, para distribuição de programas e cartilhas educativas. A ideia é criar uma noção de engajamento responsável, de ética pública, de caminho para um Brasil livre de tudo quanto tem sido revelado nos últimos anos. Desde 1992, do impeachment de Fernando Collor para cá. “A leniência precisa de um novo marco legal que contemple a necessidade de recuperação econômica do país”


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