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direito de defesa 17 Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 421 – Outubro de 2016 SÃO PAULO Curiosamente, esses casos englobam pessoas de baixa renda, contrariando, portanto, o clamor popular e a razão dada por alguns ministros para definir a decisão de mandar prender logo após a pena dada em segundo grau. De acordo com os magistrados, muitos condenados que podem recorrer aos tribunais superiores têm boa condição financeira, conforme proferido por Luís Roberto Barroso, em seu voto, ao afirmar que liberar a prisão somente depois de esgotadas todas as instâncias recursais beneficia réus mais ricos, que podem contratar os melhores advogados. “O desmentido é dado pelo próprio exercício da postulação perante esses tribunais onde as instituições estão atuando em defesa de seus clientes”, pondera Lins e Silva, acrescentando que, das dez instituições que atuaram como amicus curiae –, cuja finalidade é fornecer subsídios às decisões dos tribunais – no julgamento das ADCs 43 e 44 estavam as defensorias públicas de São Paulo, Rio de Janeiro e da União e demais representantes da advocacia, que atuam com regularidade nos tribunais superiores em Brasília em favor dos mais necessitados. Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB SP, Roberto Baptista Dias da Silva vai além. De acordo com ele, um dos principais impactos dessa decisão está no fato de o Supremo Tribunal Federal achar que pode decidir termos contrários ao que diz a Constituição. “O artigo 5º da Constituição é uma cláusula pétrea que somente pode ser alterada por meio de Emenda Constitucional”, informa. “Se os ministros do STF entendem que os recursos são demasiados, não é este o caminho. Os recursos devem ser amplos porque estão em jogo a defesa e o direito de liberdade”, acrescenta o jurista Tales Castelo Branco. Nesse sentido, Marcos da Costa lembra que em 2011, o então ministro Cezar Peluso apresentou a chamada “PEC dos Recursos”, com o objetivo de reduzir o número de recursos aos tribunais superiores para dar mais agilidade às execuções de segunda instância. Na época, a OAB entregou ofício ao Ministério da Justiça contra a proposta. A Ordem pontuou que a PEC feria “de morte” o direito à ampla defesa e prejudicaria “o acesso do cidadão a todos os graus de jurisdição”. O dirigente adiciona que é fundamental alertar a população para tentar sensibilizar a Corte da importância de retomar sua tradição de defesa dos direitos garantistas. “Não podemos recuar um milímetro”, afirma, lembrando que o julgamento de 5 de outubro foi apertado, com seis votos a favor da prisão em segundo grau e cinco contrários. Impunidade x superlotação A escalada no número de encarceramento no Brasil é uma das argumentações para tentar reverter essa decisão. Atualmente, há 622 mil presos fazendo com que o país seja a quarta maior população carcerária no mundo. Isso sem levar em consideração que mais de 40% dessas pessoas sequer tiveram a culpabilidade imputada. Os criminalistas avaliam que, para piorar a situação de quem é levado à prisão, as cadeias e penitenciárias brasileiras enfrentam situação de total desrespeito aos direitos humanos. Muitas não oferecem o mínimo de condições sanitárias e são verdadeiras universidades do crime. “Quando o preso entra no sistema, ele tem de optar por uma dessas facções criminosas para poder sobreviver e vai aprender a ser criminoso também”, enfatiza Técio Lins e Silva que, além de professor na matéria penal, foi secretário de Justiça no Rio de Janeiro. Ele sustenta que os principais atingidos pela decisão são os pobres e negros que integram a população carcerária do país: “O maior contingente nas cadeias não é uma meia dúzia de ricos presos pela Operação Lava Jato”. De acordo com o advogado, seria importante que juízes e mi- nistros fossem conhecer de perto o sistema prisional, lembrando que a maioria da Corte não é formada por magistrados da área penal. “Ainda que não conheçam a fundo o sistema, acredito na boa-fé dos ministros, para que eles reconheçam que votaram de forma equivocada.” Ricardo Lewandowski, um dos únicos ministros do STF com atuação em matéria criminal – foi magistrado do Tribunal da Alçada Criminal do Estado de São Paulo entre 1990 e 1997 –, também tem esse entendimento. Em seu voto, ele lembrou que o sistema carcerário brasileiro encontra-se em estado lastimável e que as condenações em segunda instância poderiam agravar ainda mais essa situação, principalmente pela baixa qualidade do sistema penitenciário de ressocializar os presos. Já o decano Celso de Mello afirmou que a presunção de inocência é um “valor fundamental” da dignidade humana. Para a advocacia, outro elemento a ser acrescido no problema da decisão proferida pelo STF é a morosidade do Judiciário. “Isso vem se tornando um problema de difícil solução, pois atrasa o direito de defesa especialmente para o réu que já esteja preso”, pondera Costa. Também é preciso observar o alto índice de reforma feita pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo STF em decisões processuais de segundo grau, na casa de mais de 20%. Trâmite processual Quando uma pessoa comete um crime, ela é julgada por um juiz de primeira instância. Se for condenada, tem o direito de apresentar recurso a um tribunal de segundo grau, que, por sua vez, pode manter a condenação ou decidir pela absolvição, após analisar cada caso. Se for mantida, cabe recurso especial ao STJ e extraordinário ao STF, que seriam os terceiro e quarto graus de recurso. O direito de defesa prevê a impetração de habeas corpus e de agravos. Decisão do STF contraria a própria jurisprudência da casa Em fevereiro de 2016 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o HC 126.292 sobre a legitimidade de ato do Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da execução da pena. A decisão foi mantida pelo STF, abrindo a primeira lacuna para o desrespeito à Constituição brasileira e às legislações vigentes no país. Essa postura da Corte modificando a própria jurisprudência de 2009, quando julgou pelo cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado, levou a Secional paulista da Ordem a lançar, no dia 25 de fevereiro deste ano, o manifesto “Em defesa da Constituição e da Cidadania”. Na ocasião, 15 instituições e lideranças da advocacia lotaram o piso térreo da sede da rua Maria Paula para criticar duramente a mudança de orientação. O passo seguinte foi dado pelo Conselho Federal da OAB ao ingressar com Ação Declaratória de Constitucionalidade pedindo o reconhecimento do artigo 5º da Constituição Federal e do artigo 283 do Código de Processo Penal, ambos ratificam que ninguém pode ser considerado culpado até se esgotarem todas as possibilidades de defesa. O STF julgou improcedentes, em 5 de outubro, as ADCs de nºs 43 e 44 impetradas pela OAB Nacional e pelo Partido Ecológico Nacional, admitindo a constitucionalidade da execução antecipada da pena. Resta, agora, o julgamento do mérito.


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