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Moraes 15 res nos ajuda muito nisso para obter cooperação. O segundo ponto é propriamente o trabalho nas fronteiras – e o Brasil tem 17 mil quilômetros de fronteira seca – e em toda a rede de estradas, rios e espaço aéreo utilizados pelo narcotráfico, tráfico de armas e contrabando. Isso já mapeamos, as operações começaram e vão ser intensificadas com a atuação da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Força Nacional. Um terceiro ponto é o trabalho do núcleo de inteligência, que já sabe quem é o traficante de armas, o de drogas e que, com auxílio das polícias Civil e Militar daquele estado, vai nos permitir atuar também para prender. Também vão contribuir para o combate à violência interna? Esse é outro tópico. O núcleo permanente de inteligência e operações é voltado especificamente para os crimes transnacionais. A questão da violência, vamos dizer, interna, que também está muito ligada ao tráfico de drogas, estamos combatendo do modo como fizemos em São Paulo: com o mapeamento de cada bairro, de cada cidade do estado, e disponibilização dos dados de homicídios junto com uma mancha de criminalidade e de violência doméstica – pois há ligação. Com isso, passa-se a direcionar a investigação da Polícia Civil, com mais policiamento preventivo nesses locais, objetivando reduzir a violência e o homicídio. Eu levei a ideia para Brasília, que foi apresentada aos 27 secretários de Segurança Pública e procuradores gerais de Justiça dos estados. Trabalhamos em um mapeamento das dez capitais com o maior número de homicídios e de violência doméstica – onde ocorrem, rua por rua –, com o intuito de montar integração que visará ao combate desses problemas. Trata-se, então, de estruturar uma espécie de sistema nacional de segurança pública... É um processo de integração. Digo isso porque, às vezes, falar em sistema nacional pode dar a impressão que a União quer impor uma coisa aos Estados – e isso seria um erro. Cada um deles conhece sua força de segurança. O que nós temos que fazer é trazer o legado das Olimpíadas, ou seja, a integração de todas as polícias para atuar, em um primeiro momento, na questão do homicídio e da violência doméstica. O sr. reforça a questão da violência doméstica. O quanto é significativa para a violência no país de modo geral? Outro problema que gera homicídio além da droga – alvo dos núcleos de operação e inteligência – é a violência doméstica. Não só a mulher acaba sendo morta pelo marido – porque ela é agredida uma, duas, várias vezes e isso gera feminicídio –, como também, de tanto ser agredida, lamentavelmente, ela acaba reagindo e mata. Há um terceiro tipo de homicídio nesse contexto: o filho do casal, ao socorrer a mãe, mata o companheiro dela ou o próprio pai. Combater o tráfico SÃO PAULO de drogas e a violência doméstica é meio caminho andado na luta para reduzir o número de homicídios. Não podemos deixar que o Brasil permaneça como um dos países onde mais se mata no mundo. Em 2015, atingimos taxa de 50 mil homicídios no país. Tirando o estado de São Paulo, que baixou o número desse crime entre 2014 e 2015 – para 8,60 crimes por cem mil habitantes –, nos outros estados a estatística aumentou. O Brasil chega ao absurdo de quase 30 homicídios por cem mil habitantes – e há capitais onde a proporção é 56 por cem mil. Isso é igual a uma guerra. Temos de atacar as causas que tiram a vida de brasileiros. A estratégia começa nas dez capitais onde o volume é maior e depois nós vamos estendendo. Se em pouco mais de dois anos conseguirmos baixar em 10%, teremos 12 mil homicídios a menos. É uma meta? É um desejo. A meta é baixar mais ainda... A proposta do sr., de melhor aparelhar as polícias, vai ao encontro dessa ambição de reduzir homicídios? Nós temos alguns estados da Federação que até o ano passado não tinham peritos criminais, sendo que o primeiro concurso foi feito no ano passado. Como alguém vai investigar homicídios sem peritos? Alguns estados não realizam concurso para policial militar há doze, treze anos. E todos os anos há aposentadorias. Então, em um primeiro momento, estamos fechando os termos de um convênio com os estados visando melhorar a infraestrutura da polícia. A União vai montar laboratórios centralizados por região e queremos deslocar a Força Nacional para colaborar disponibilizando grupo de peritos e investigadores em questões específicas, nas fronteiras, para ajudar a diminuir homicídios e apreender armas. Fora a violência, há muitos temas sob o escopo do ministério e apenas dois anos e alguns meses de governo. Há ordem de prioridades? No âmbito do ministério os temas são interligados. Não se consegue atacar um se não houver informação sobre o outro. Mas, paralelamente ao que já falei, há outras importantes iniciativas como a questão das prisões, o plano que estamos finalizando com os Procons para defesa do consumidor, as políticas públicas contra a discriminação racial – e o Brasil tem um tipo de discriminação racial difícil de combater, que é o racismo disfarçado. Há um trabalho com a desembargadora Luislinda Valois, que é a secretária nacional da promoção de igualdade racial, contra a discriminação. O caminho não é só a repressão a quem discrimina, mas valorizar quem atua contra. De que maneira? Trabalhamos iniciativas como a que pretende abordar educação na questão de discriminação, seja racial, contra a mulher, envolvendo a população LGBTI e pessoas com deficiências. Queremos trazer, por exemplo, Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 422 – Novembro de 2016 o ministério da Educação para esse debate, que vai tratar da discussão preventiva, profilática, de educação. Não adianta só punir. As condutas continuam repetidas. Temos de atacar as duas frentes: punir quem discrimina, mas educar as novas gerações. O sr. já disse que no Brasil prende-se muito e prende se mal. O que precisa mudar? O Brasil faz uma opção desde o Império: prender quantidade e não com qualidade. Significa que não importa a gravidade do crime, a pessoa é presa. Por exemplo, se alguém rouba um botijão de gás, isso é furto qualificado e o início é pena privativa de liberdade. Se alguém, com um fuzil, estoura um caixa eletrônico, atira na polícia e em cidadãos, é roubo qualificado e também sofre pena privativa de liberdade. O tratamento é muito igual. As sanções são muito aproximadas, com a progressão de regime com um sexto [da pena]. Isso está errado. O que o ministério pode fazer? É preciso apostar em dois movimentos. Um é a complementação das audiências de custódia – lembrando que São Paulo foi o primeiro estado a pôr isso em prática em 2015. Com a audiência de custódia, que eu chamo de habeas corpus social, todo mundo tem direito a um advogado em 24 horas na presença do juiz. Com isso, separa-se o joio do trigo. Há estados em que 65% dos presos são provisórios. A média nacional é 41%, enquanto a mundial é 20%. Os números mostram que há gordura. Também vamos apresentar alterações legislativas ao Congresso, principalmente na Lei de Execuções Penais. Crimes com violência ou grave ameaça – como tráfico de drogas, de armas, corrupção – devem ser apenados com pena privativa de liberdade e a progressão deveria ocorrer só com metade da pena. Por outro lado, quem não praticou crime com violência ou grave ameaça tem de ter uma pena, mas não necessariamente privativa de liberdade, pode ser de serviços à comunidade. É preciso mudar a mentalidade. Advogado de formação, o sr. sempre foi muito próximo da Ordem. Como o sr. vê o papel da OAB no contexto atual do país? No ministério da Justiça e Cidadania se pode perceber de forma ainda mais ampla a importância da Ordem dos Advogados do Brasil. Em todas as pastas dentro do ministério temos a participação de membros da OAB. Ou seja, é muito próxima a atuação da instituição, não só em alterações legislativas importantes, mas na defesa da dignidade do preso, na questão do Departamento Penitenciário (Depen), nos direitos humanos – inclusive a secretária nacional é uma advogada aqui de São Paulo e conselheira da Ordem (Flávia Piovesan) –, na questão das pessoas com deficiências, no tema racial. De todas as profissões que colaboram conosco, a que mais contribui, sem dúvida, é a dos advogados. “O Brasil faz uma opção desde o Império: prender quantidade e não com qualidade. Significa que não importa a gravidade do crime, a pessoa é presa”


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