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EM QUESTÃO Formação do compliance office exige cuidados Ferramenta faz com que a empresa funcione em conformidade com a legislação, mas se mal utilizada pode ser ineficaz 6 O Decreto Federal nº 8.420, de março de 2015, regulamentou os parâmetros de avaliação dos “programas de integridade”, novidade no ordenamento jurídico brasileiro prevista na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). No dia a dia, emprestamos dos Estados Unidos, onde a ideia nasceu (leia quadro), a palavra compliance para dar nome ao mecanismo interno por meio do qual as empresas prometem manter vigilância sobre as próprias ações. A criação de compliance offices ou departamentos que atuam com a ferramenta ganhou força como um novo nicho de mercado para uma série de profissionais, como auditores, por exemplo. A advocacia tem espaço garantido nesse mercado, uma vez que o conceito não está limitado à tentativa de evitar riscos para o negócio e práticas de corrupção, indo além, com o objetivo de fazer a empresa ou corporação funcionar em conformidade com toda a legislação. “Nesse contexto, o papel do penalista passa por uma sutil mudança. Ele não tem mais, exclusivamente, uma atuação reativa, mas uma atuação preventiva também, colaborando para que não existam ocorrências que, potencialmente, possam gerar até crime”, avalia Renato de Mello Jorge Silveira, presidente da Comissão de Direito Penal da OAB SP e vice-diretor da Faculdade de Direito da USP. Essa natureza do compliance leva o jurista a classificar como “absurda” a prática, comum no Brasil, de diretores de departamentos jurídicos acumularem o cargo de chief of compliance office (CCO´s). “O CCO tem de ser independente, se não o for, há um vício que pode gerar responsabilidade para o próprio dirigente empresarial por ter escolhido mal o seu sistema de compliance”, defende. Se, por um lado, a existência do setor de compliance pode suavizar eventuais sanções civis e administrativas contra a pessoa jurídica, por outro lado, quanto à pessoa física, há novos deveres dados aos diretores de empresas e aos CCO´s. “Os dirigentes assumem novos papéis de ‘garante’ daquilo que ocorre por debaixo deles, diante de novos marcos de responsabilidade empresarial”, afirma Silveira, também membro do Comitê de Estudos sobre Criminal Compliance da OAB SP. No Direito Penal brasileiro, a figura do ‘garante’ é dada pelo Código Penal, ao tratar dos crimes comissivos por omissão, no artigo 13, §2º: “Aquele que tem o dever agir para evitar o resultado, quer por força de lei ou por, de outra forma, assumir essa responsabilidade”. No julgamento do Mensalão, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, condenou um diretor de instituição financeira, que não integrava o setor de compliance, pelo crime de gestão fraudulenta, por omissão dolosa. “Diante desse caso, vejo a tendência dos órgãos acusadores, principalmente o Ministério Público, tentarem atribuir ao chefe do compliance responsabilidade penal em razão da posição que ocupa”, prevê Conrado Almeida Corrêa Gontijo, advogado, mestre em Direito Penal pela USP. Em estudo sobre a possibilidade de responsabilização penal por omissão do CCO, ele explica que não se trata de responsabilidade objetiva, ou seja, é preciso comprovar requisitos de culpabilidade e avaliar se havia condições de agir para evitar o resultado. Observando o disposto na regulamentação brasileira, a composição e a atuação de um programa de integridade estão sujeitas a exigências que vão desde a elaboração de um código de ética até a criação de canais internos de denúncia de irregularidades, com respectivos mecanismos de proteção para o denunciante de boa-fé. “A implantação de um sistema de compliance eficiente depende do envolvimento e comprometimento da alta direção da empresa, sem o qual o programa será ineficaz. Os integrantes da equipe precisam de preparo técnico-jurídico e conhecimento dos processos da empresa”, afirma Coriolano de Almeida Camargo, presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB SP. As falhas na gestão do compliance podem, além de afastar o benefício de redução de pena, gerar consequências graves para a empresa e seus dirigentes. As origens do compliance O compliance surge com previsão legal pela primeira vez nos Estados Unidos. Em dezembro de 1977, a Lei de Foreign Corrupt Practices (Lei Contra Corrupção no Exterior) foi assinada depois de uma investigação revelar que centenas de companhias privadas norteamericanas pagavam propinas para membros de governos de outros países para fechar contratos de fornecimento. Assim, ao mesmo tempo que criava as agências de proteção do meio ambiente (EPA) e de fiscalização de drogas (DEA), a Casa Branca passou a recomendar que as empresas organizassem mecanismos internos para tentar garantir seu funcionamento em conformidade com a legislação, logicamente com a previsão de abrandamento de pena em casos de corrupção ou de danos ao meio ambiente. Porém, o padrão para a criação de departamentos de compliance foi reformulado nos Estados Unidos no início da década de 1990, com a operação “Ill Wind” (Vento Doente). Após três anos de investigação, descobriuse que o secretário assistente da Marinha, Melvyn Paisley, e diversos outros membros da Defesa e do governo civil recebiam propinas para fechar contratos superfaturados com pelo menos 32 empresas. O caso escandalizou os americanos devido ao padrão grotesco de desvios em que, por exemplo, o Exército comprava martelos pagando quatrocentos dólares por unidade e assentos para privadas por seiscentos dólares cada. Nessa época, o crescimento do número de casos de corrupção levados à Justiça deixou patente a inconsistência das sentenças penais condenatórias contra as empresas envolvidas nos escândalos, dado o abrandamento da pena decorrente da contrapartida pela existência do setor de compliance. Por ter ordenamento jurídico em Common Law, a saída para os americanos foi a edição de diretrizes pela Comissão de Sentenças (US Sentencing Commission), em novembro de 1991, passando a listar os requisitos mínimos que um compliance office deve respeitar para que a atenuação da pena seja conferida. O escândalo da Enron levou a novos ajustes em julho de 2002. ATUAÇÃO: Renato Silveira avalia que o papel do penalista passa por mudanças José Luís da Conceição


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