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ENTREVISTA “Nos momentos de crise é que a imprensa exerce sua verdadeira função política e social. Ela deve manter a opinião pública bem informada” Domingos 14 A intolerância contra profissionais de imprensa tem sido cada vez mais constante, principalmente após as manifestações de 2013, quando as críticas à cobertura jornalística ficaram mais ácidas. Lidar com o problema de modo a apaziguar a guerra promovida contra os jornais e as emissoras de televisão não é tarefa fácil para Domingos João Meirelles, que preside a Associação Brasileira de Imprensa. Desde que foi eleito para o cargo, em 2014, seu tempo ficou mais escasso, sobretudo quando o ambiente em crise, que pode levar o país a mudar o rumo da história, exige mais dos responsáveis pela comunicação. Ele avalia que a imprensa vive um de seus piores momentos: “Nunca se matou tantos profissionais de imprensa como neste ano”. Outra questão urgente em sua pauta é a garantia do sigilo da fonte, prática fundamental para o exercício da profissão. Em seu entendimento, qualquer ofensa a esse direito representa grave ameaça à informação. Com ampla experiência em coberturas jornalísticas, Meirelles iniciou a carreira de repórter em 1965, em plena ditadura militar no jornal “Última Hora”, e trabalhou nas redações dos jornais “O Globo, “Jornal da Tarde” e “O Estado de S. Paulo”. Ao entrar para a Rede Globo de Televisão, como repórter especial, onde realizou dezenas de trabalhos em toda a América Latina para o Fantástico, Jornal Nacional e Globo Repórter, o jornalista ganhou notoriedade, passando a comandar, nos anos 2000, o programa policial “Linha Direta”, época que lhe rendeu prêmios de direitos humanos. As manifestações de 2013 trouxeram um novo panorama para a cobertura jornalística de grandes atos? As manifestações de junho de 2013 continuam produzindo diferentes leituras, mesmo diante do asséptico processo de decantação das paixões que só o distanciamento do tempo oferece. A academia, até hoje, permanece debruçada sobre esse episódio, rico de ensinamentos, na tentativa de identificar os sentimentos que permeavam a alma das pessoas que ocuparam as ruas, sob pretexto de protestarem contra o aumento de vinte centavos nas tarifas urbanas. A acidez das críticas contra a cobertura jornalística, acoitadas pelo anonimato das redes sociais, levaram esse universo líquido a derramar toda sorte de insultos contra a grande imprensa, numa articulação jamais vista desde o advento da internet. A guerra santa promovida contra os jornais e as emissoras de televisão produziram, em determinados nichos, manifestações de intolerância contra os profissionais de imprensa que perduram até os dias de hoje. As empresas são, atualmente, obrigadas a adotar medidas excepcionais de segurança para protegerem as equipes que vão às ruas cobrir grandes eventos políticos. Os repórteres, além de vítimas contumazes da sanha policial, passaram também a ser alvos preferenciais dos grupos ensandecidos que acreditam agir em defesa da democracia. O senhor avaliou 2014 como um dos anos mais violentos da história da imprensa. Ainda ocorrem muitos casos de assassinatos de jornalistas? Os países onde ocorrem o maior número de atos de violência contra jornalistas são os que se encontram sob o jugo de governos ditatoriais ou que possuem estruturas democráticas extremamente frágeis. Em 2016, o Brasil ainda continuou ocupando um lugar vergonhoso entre as nações que se dizem civilizadas. Ficou em quarto lugar entre os países onde mais se matam jornalistas no mundo, atrás do México com 12 assassinatos, da Síria (sete mortes), do Iêmen (cinco) e empatado com o Iraque (quatro). Ou seja, o jornalismo é ainda considerado uma atividade de risco no Brasil. Nos últimos quatro anos, foram assassinados 22 jornalistas em diferentes cidades brasileiras. A maioria dessas mortes, chamadas de crimes de mando, até hoje continua impune. O sigilo da fonte é uma garantia constitucional, mas existem quebras permitidas pela Justiça, como a da jornalista Andreza Matais. O que pode ser feito para ter respeitado esse direito? A violação desse preceito constitucional foi maior em 2016 do que nos anos anteriores. A quebra do sigilo da fonte tem sido determinada, na maioria das vezes, por magistrados de primeira instância, em decisões quase sempre de inspiração corporativista. No ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Antônio Dias Toffoli, cometeu um deslize inaceitável em se tratando de um membro da Suprema Corte: autorizou que o jornalista Allan de Abreu continuasse sendo processado pela Justiça Federal por ter recusado revelar sua fonte de informação em um processo sobre desvios de verbas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em uma repartição do órgão, no interior de São Paulo. A Associação Brasileira de Imprensa foi uma das primeiras entidades a qualificar essa decisão como perigoso retrocesso e grave afronta à Constituição, justamente por quem tinha o dever legal de defendê-la. Dois dias depois, o próprio ministro revogou a liminar. O sigilo da fonte, assegurado pela Carta de 1988, é fundamental para o exercício da profissão. Qualquer ofensa a esse direito representa grave ameaça à liberdade de imprensa e ao livre acesso à informação, mandamentos inscritos no capítulo dos direitos, liberdades e garantias individuais previstos pela Constituição, além de constar em várias declarações internacionais, das quais o Brasil é signatário. A preservação da fonte e a liberdade de imprensa são preceitos inerentes ao Estado Democrático de Direito. Até onde vai o direito à liberdade de imprensa? O que rege a liberdade de imprensa é o princípio da verdade. O direito de informar a sociedade, assegurado pelo texto constitucional, envolve o compromisso de reproduzir definitivamente a realidade dos fatos sem alterar o sentido original, veiculando-os de forma correta e precisa. O Código de Ética dos Jornalistas estabelece que o profissional de imprensa tem o dever de divulgar todos os fatos que sejam de interesse público, resguardando-se o direito à privacidade do cidadão. Mas esse direito à liberdade de expressão não é absoluto, já que a legislação ordinária estabelece limites, restringindo a aos casos expressamente previstos na Constituição, como direito à privacidade e à imagem e o direito à honra, todos eles alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa. O interesse social legitima o direito de crítica e expande os limites da própria liberdade de imprensa. Críticas endereçadas às pessoas públicas, por mais duras ou veementes que sejam, deixam de sofrer as limitações impostas pela legislação ordinária que define os chamados “direitos da personalidade”. Não se pode, portanto, questionar a licitude do exercício do direito de crítica da atividade jornalística. Não pode ser também subentendida a responsabilidade civil, a publicação de informação de natureza jornalística cujo conteúdo contemple observações e comentários de caráter mordaz ou irônico. A legislação permite que sejam veiculadas até informações severas, inclusive impiedosas, a pessoas que ostentem a condição de figuras públicas, investidas ou não de autoridade governamental. Isso quando essas críticas não apresentam o interesse doloso de ofender, mas apenas o de criticar profissionalmente atitudes ou comportamentos que tenham relevância e mereçam, portanto, serem levados ao conhecimento da sociedade. Conforme portaria do Ministério da Defesa, os coletes liberados para a imprensa não suportam tiros de fuzil. A ABI tem trabalhado no sentido de mudar essa situação? Essas atribuições pertencem aos sindicatos que exercem o papel de aferir o padrão das condições de trabalho dos profissionais de imprensa. Inclusive dos jornalistas envolvidos nas chamadas coberturas de risco. A ABI já participou de algumas reuniões na tentativa de mitigar os problemas gerados pelo uso de coletes vulneráveis a impactos de tiros de fuzil, juntamente com a Federação Nacional de Jornalistas. Mas até hoje esses encontros não produziram o resultado esperado. Como os jornalistas devem se portar em coberturas policiais? As coberturas policiais exigem o uso de coletes especiais, mas cabe também aos profissionais de impressa agirem com cautela, não se expondo a riscos desnecessários. Cada caso é um caso e, portanto, exige que sejam adotadas normas de segurança para que as equipes possam cumprir o seu trabalho.


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