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Qual o papel da mídia neste momento de crise pelo qual passa o país? Nos momentos de crise é que a imprensa exerce sua verdadeira função política e social. Ela deve manter a opinião pública informada sobre os fatos mais relevantes que permeiam esses momentos que muitas vezes acabam mudando o curso da história. Podemos dizer que esses períodos de crise exigem da impressa uma extraordinária capacidade de percepção da realidade e dos desdobramentos que uma determinada informação pode gerar num ambiente de crise. Isso não significa que a mídia deva omitir, dissimular ou até mesmo adulterar a informação por mais dolorosa ou traumática que ela seja. O período da ditadura militar foi um dos piores para a imprensa brasileira? A imprensa teve um papel extremamente importante no processo de restabelecimento do Estado de Direito. Apesar de ter sido um dos alvos preferenciais da ditadura, diante de uma censura impiedosa imposta pela repressão política, os órgãos de imprensa desenvolveram alternativas muito criativas para tentar escapar desse controle da informação. Foi uma das épocas em que as redações aprenderam a utilizar subtextos na divulgação das notícias, ou seja, a informação ficava ligeiramente submersa e imperceptível ao olhar dos sensores, mas era captada pelo leitor mais atento. Um dos episódios mais marcantes desse momento de enfrentamento da censura na história da imprensa contemporânea foi como os jornais “O Estado de S.Paulo” e o “Jornal da Tarde” enfrentaram as restrições impostas pela ditadura. O governo impedia que os jornais fossem às bancas exibindo espaços em branco como forma de denunciar os trechos das matérias que haviam sido censuradas. “O Estado de S. Paulo” resolveu colocar nesses espações trechos de “Os Lusíadas”, enquanto o “Jornal da Tarde” preenchia esses espaços com receitas de cozinha. Num primeiro momento os leitores imaginaram que o Estadão estava empenhado em divulgar a obra de Camões e o Jornal da Tarde, igualmente, interessado em tornar mais conhecido os “quitutes” da cozinha brasileira. As duas redações foram, de repente, inundadas por centenas de cartas dos leitores, ora pedindo a publicação de determinas receitas e outros querendo conhecer um pouco mais sobre “Os Lusíadas”. O Jornal da Tarde resolveu então publicar as receitas de forma inviável misturando ovos, fermento e farinha de trigo em porções exageradas. Na tentativa de que os leitores percebessem que o verdadeiro objetivo não era fazer a propaganda de doce e salgadinhos, mas essa tentativa foi inicialmente desastrosa, as pessoas acharam que as receitas estavam erradas. Com o tempo, o grande público percebeu que havia sido um recurso dos jornais de denunciar que estavam sendo vítimas da censura. Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 423 – Dez. 2016/Jan. 2017 SÃO PAULO João Meirelles 15


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