Page 12

Jornal424_RGB.pmd

Vote sobre o tema na versão on-line. Resultado na próxima edição DEBATE DESCRIMINALIZAR AS DROGAS AJUDA Rafael Custódio Advogado, coordenador do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos O proibicionismo é um dos principais incentivadores da formação de organizações criminosas armadas 12 Sim á quase 50 anos, mais precisamente em 1971, o então presidente norte-americano Richard Nixon anunciava que “o inimigo público número um dos EUA é o abuso das drogas” – momento histórico conhecido como o início da guerra às drogas. Meio século de um processo marcado pelos seguintes pilares: política de encarceramento em massa da população pobre e negra daquele país (que catapultou os Estados Unidos à liderança isolada do vergonhoso ranking de maior população carcerária do mundo); militarização das instituições e políticas públicas, calcadas na ideologia de guerra contra o inimigo (o traficante); e violência desproporcional e ilegal contra grupos mais vulneráveis. Hoje, no mesmo país, um novo processo histórico marcha a pleno vapor. Metade dos estados já regulamentaram a produção, comércio e consumo da maconha medicinal e em quatro estados a maconha para uso recreativo já é permitida. Também em países tão diversos como Portugal, Holanda, Finlândia, Espanha, Argentina, Colômbia e Uruguai, políticas de droga caminham em menor ou maior grau em direção oposta ao chamado proibicionismo. A causa principal que fundamenta esses novos olhares ao tema é uma só: esses países constataram que a guerra às drogas fracassou. Simples assim. Além disso, o proibicionismo é um dos principais incentivadores da formação de organizações criminosas armadas, já que a violência é o modo principal de regulação dos mercados ilegais. Como consequência, o tráfico de entorpecentes está necessariamente acompanhado pelo tráfico de armas, por disputas por territórios, corrupção e solapamento das instituições democráticas, especialmente das polícias, da justiça e das instituições de governo. Por esses motivos é fundamental que o Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 634.659 decida pela inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei Federal 11.343 de 2006), descrimi- nalizando o porte para uso. Calcadas em pesquisas sobre o impacto da criminalização na justiça criminal, a Conectas Direitos Humanos e parceiros foram admitidos como amicus curiae no caso e levaram à Corte dados empíricos sobre o tema. Da síntese de pesquisas analisadas pelas entidades, é possível enumerar constatações e conclusões bastante importantes com relação à criminalização do porte de entorpecentes para uso pessoal no Brasil: 1) A distinção entre os crimes de porte para uso (artigo 28) e porte para tráfico (artigo 33) é extremamente frágil e insuficiente, gerando ampla margem de discricionariedade e arbítrio à autoridade policial responsável pela abordagem; 2) A grande maioria dos casos que envolvem porte de entorpecentes deriva de prisão em flagrante, ou seja, não há um trabalho de investigação por parte da polícia para combater os esquemas de tráfico de drogas; 3) Há um perfil bem nítido de pessoas selecionadas nesses casos: jovens, pobres, negros e, em regra, primários; 4) A maior parte das pessoas detidas por envolvimento com entorpecentes estava sozinha na hora do flagrante; 5) São ínfimos os casos em que a pessoa presa por envolvimento com entorpecentes portava arma; 6) Na maior parte dos casos, a pessoa acusada portava pequena quantidade de entorpecentes; 7) Em regra, a única testemunha do caso é o policial que efetivou a prisão, cuja palavra é supervalorizada pelo Judiciário por possuir fé pública; 8) Apesar do acréscimo repressivo ao tráfico de drogas imposto pela Lei nº 11.343/2006, de lá para cá, comércio e consumo de entorpecentes seguem cada vez mais ascendentes. Os resultados da política proibicionista são, como se vê, catastróficos. Não obstante, atualmente é perceptível a abertura internacional para a adoção de políticas de descriminalização do consumo de entorpecentes – como o que acontece nos Estados Unidos e em vizinhos latinos e países europeus –, um primeiro passo para a reforma de uma política falida e cruel. O Brasil foi um dos últimos países do Ocidente a abolir a escravidão, uma cicatriz em sua história até hoje não curada. Esperamos que nosso país não seja também o último a pôr fim a uma guerra que só tem gerado mais violência e sofrimento, especialmente aos jovens, negros e pobres de hoje. Cristóvão Bernardo


Jornal424_RGB.pmd
To see the actual publication please follow the link above