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David Teixeira de Azevedo José Luís da Conceição Advogado, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP É ingênuo pensar que a descriminalização do tráfico resolverá a criminalidade e a lotação da prisões 13 Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 424 – Fevereiro de 2017 SÃO PAULO NO COMBATE À CRIMINALIDADE? Não emeio, cultivo e porte para uso e uso de entorpecentes não constituem crime no Brasil. A política criminal orientadora da Lei de Drogas e as medidas ali previstas (art. 28 e seguintes) são de natureza assistencial e terapêutica. Se o adicto ou usuário não as cumpre, o Estado renuncia à intervenção e os deixa definir o destino, escrever a triste história, a biografia da dependência. Não se cogita de prisão, resposta característica e definidora do Direito Penal. O mais é abuso dos agentes estatais. A descriminalização do tráfico, lembrada na crise penitenciária, é medida política perigosa ao sistema punitivo. No limite, propõe que à incidência de delito de largo contingente de prisão (homicídio, roubo, furto, receptação, e agora a corrupção etc) haja descriminalização ou medidas jurídicas não coercitivas, frouxas, para não saturar o sistema! Extinga-se o Código Penal e a criminalidade radicalmente diminuirá! Até mesmo a revogação da Lei de Drogas, porém, não equaciona o cárcere. Mais de 564.000 mandados de prisão estão por cumprir, enquanto a prisão processual ou penal nela fundada significa 28% do sistema (200.000), a permanecer o insolúvel residual de 364.000 candidatos! Não convence o argumento das “drogas lícitas” (álcool e tabaco), das quais se aufere tributo. Claro, produzem grave problema de saúde pública, mas não geram o potencial criminógeno ínsito às drogas proibidas. Na política de drogas, o Brasil observa as recomendações da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, 1988; United Nations General Assembly Special Session on Drugs -1998. Não é obediência servil à política norte-americana, mas acato a orientação da comunidade das Nações Unidas para o cuidado desse grave problema. Argentina, Colômbia, Portugal recentemente descriminalizaram o porte para o uso, punido com prisão, mas não cogitaram do tráfico. Consultem-se a legislação e as decisões das Cortes Superiores. Holanda, Suíça, Dinamarca, simpáticas à política de tolerância, nunca descriminalizaram o tráfico. Agora, iniciaram a volta (Dirk Korf), estabelecendo restrições jurídicas ao comércio tolerado de drogas leves (por exemplo aos estrangeiros), pois escancarou porta ao crime organizado. É ingênuo pensar que a descriminalização do tráfico resolverá a criminalidade e a lotação da prisões, ao atribuir ao Estado a produção e distribuição de entorpecentes. Evidentemente surgirá o comércio lateral, sofisticado e organizado, como nos jogos de azar (bingo, roleta, caça níquel, bicho etc.). A criminalidade mudará de forma, a exigir novos modelos penais incriminadores. Justificável a interferência estatal na esfera privada. É dever constitucional a assistência e promoção da dignidade humana, perdida na drogadição, até o limite da autonomia da vontade. Isto é, quem experimentou a intervenção em razão de entorpecentes, mas preferiu a autodestruição, desconstruirá livremente seu destino. Anulada tal autonomia (patologias mentais), renova-se o poder de intervenção, de cunho médico-assistencial. O problema da criminalidade e crise do sistema penitenciário não está na punição do grande ou pequeno traficante, mas na ideologia do encarceramento definida pelo Ministério Público e cumprida pelo Judiciário. Note-se: de 2000 a 2014 o sistema prisional triplicou, mas o déficit de vagas dobrou, com uma das maiores taxas de ocupação do sistema do mundo (perto de 170%). E houve significativo aumento na violência! Esse personagem central, inexplicavelmente opaco na crise penitenciária, promove a cultura do encarceramento como resposta única ao delito, a exemplo das “dez medidas contra a corrupção”. Ordinariamente requer a prisão cautelar (presos provisórios no país são 40%, mas 20% na Alemanha e EUA, e 27% na França), mesmo a drogadictos e usuários; opina contra o relaxamento da prisão em flagrante e postula regime fechado a toda condenação no âmbito ou não da Lei de Drogas, se permitido o semiaberto ou aberto ou restritivas de direito. Frustrado, recorre, pois a solução ética e jurídica a todo delito por suposto é a prisão, com suas “amenidades e virtudes”! Progressão de regime e livramento condicional recebem ferrenha oposição. Não é bastante prender, mas urgente manter no cárcere. Aos curiosos, proponho visita à Vara de Execuções e consulta ao respectivo processo-crime. Aos estudiosos, estimulo a pesquisa qualitativa e quantitativa do fenômeno.


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