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14 ENTREVISTA “A classe política está no fundo do poço do descrédito. Assim, o terceiro poder, por eliminação que seja, sobe na cotação perante a sociedade”, diz Francisco Rezek, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, onde foi nomeado por duas vezes, ao se referir ao protagonismo assumido pelo Poder Judiciário. Ele avalia que a atual crise é em razão da falta de credibilidade no Congresso e que “juristas veteranos, da maior respeitabilidade, programam alguma coisa no sentido de convencer as pessoas e a classe política de que uma assembleia constituinte deveria se reunir e dar ao Brasil uma nova Constituição”. Aos 73 anos, agora advogado, o jurista não poupa críticas à forma como estão sendo conduzidas as relações entre os poderes: “É inédito o que se tem visto em matéria de travessia da Praça dos Três Poderes, por parte do Executivo e do Legislativo, para ir buscar socorro no Supremo”. Questionado sobre a Operação Lava Jato, Rezek acredita que poderá ser um processo para corrigir alguns defeitos do sistema. No cenário externo, o ex-ministro das Relações Internacionais e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia, julga desastrosas as decisões de Donald Trump como presidente dos EUA: “Trump pode ser uma ameaça para a raça humana”. O senhor disse que advogar é muito mais divertido do que julgar. Por quê? Certa vez, quando eu estava na Corte de Haia, houve um evento no grande anfiteatro da Faculdade Sorbonne, na França, envolvendo alguns juízes da Corte e diversos outros juristas, todos europeus, com exceção de mim, e quase todos vinculados à advocacia. Terminado o evento, no qual minha exposição foi sobre administração do tempo pelos juízes contemporâneos, Alain Pellet, um dos notáveis professores de Direito Internacional da Academia de Paris, me disse: “O senhor tem muito mais de advogado do que de juiz”. Eu percebi que ele dizia isso por conta do modo crítico como eu colocava as coisas e que, embora seja mais comum no Brasil, onde o juiz tem mais desenvoltura naquilo que fala, nos outros cenários, sobretudo da Corte de Haia, a continência é uma regra sagrada. Eu acho, realmente, mais estimulante o exercício da advocacia do que o exercício da judicatura. Quando juiz, o senhor era adepto da regra de que os magistrados devem falar somente nos autos? Não era exatamente assim. Sobre esse tema, eu tive várias conversas construtivas e debates com os jornalistas, inclusive na época em que presidi o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 1989, quando no Brasil se deram as eleições diretas gerais para a Presidência da República, depois de um hiato de mais de 30 anos. Naquela ocasião, expliquei que esse velho ditado de que o juiz somente deve falar nos autos deve ser visto com algum temperamento. O juiz não deve falar antes da hora sobre aquilo que se passa nos autos e sobre aquilo que vai decidir. O juiz tem não só o direito, mas o dever, de falar fora dos autos quando se trata de explicar à sociedade uma decisão judicial que as pessoas comuns, e às vezes os próprios iniciantes no Direito, não entendem. José Luís da Conceição Francisco


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