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CAPA Em pauta, a proteção Ainda não há no país uma legislação ampla e organizada para preservar as informações dos cidadãos brasileiros O avanço da tecnologia é multifacetado. Em um aspecto, o mais óbvio, contribui para a facilidade do cotidiano. Mas há uma outra face da questão bastante relegada por parte da população brasileira: os riscos do fácil alcance às informações fornecidas em rede. Paralelamente a esse comportamento frente à privacidade, em constante mutação a depender dos ritmos geracionais, há o atraso do país em estabelecer uma legislação ampla e unificada que ajude a organizar melhor a coleta, o processamento e a armazenagem de dados, de modo a proteger devidamente o cidadão. É verdade que a questão não é simples. Mesmo que não se possa dizer a uma pessoa o que expor sobre si mesma, já que a privacidade é um direito disponível, é papel do Estado contribuir com a educação do usuário que não está atento aos riscos de uma exposição exagerada e, também, estabelecer melhores condições para o ambiente de modo que, por exemplo, as pessoas escolham o que pode ou não ser rastreado, guardado e passado a terceiros a seu respeito. Apesar da lentidão brasileira nesse campo, diferente do que se vê em países europeus e alguns vizinhos latinos – como a Argentina, Chile e Colômbia –, o debate não foi propriamente ignorado. Especialistas do Direito já discutiam a questão há pelo menos duas décadas e o resultado foi a aprovação de leis como a do e-commerce, de proteção ao crédito e de acesso à informação, além do próprio marco civil da internet, regulamentado pelo Decreto nº 8.771/2016. Soma-se ao arcabouço jurídico citado, ainda, os Códigos Civil e de Defesa do Consumidor, além do Habeas Data e da própria Constituição Federal. Na opinião de advogados, apesar de vasto, o regramento ainda não é suficiente para proteger a sociedade. Mas, ao que parece, o assunto será abordado pela pauta governamental em 2017. No fim do ano passado, o Congresso Nacional deu sinais quando instalou uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados, cujo relator é o deputado federal Orlando Silva, para avaliar o Projeto de Lei nº 5.276/16 – apensado ao PL nº 4.060/12, tratados concomitantemente por abordarem o tema. Ao mesmo tempo em São Paulo, a OAB se organiza para contribuir com a discussão. Em um primeiro momento, o objetivo é organizar uma audiência pública para ouvir a sociedade e especialistas ainda no primeiro semestre. “O Brasil tem dificuldade histórica de enquadrar-se entre dois modelos completamente diferentes de tra- MARCOS DA COSTA: “Pressionado por dois modelos e por empresas tecnológicas de fora, o país não avança na questão e o resultado é um vácuo que acaba prejudicando o próprio cidadão” tamento jurídico sobre tecnologia: o americano, que é fundamentalmente contratual, e o europeu, que define toda a proteção do cidadão em face da tecnologia, por meio do poder público, da lei”, resume Marcos da Costa, presidente da OAB SP. O advogado lembra que o Brasil não tem tradição de legislar nessa área. As contrariedades para a aprovação de projetos de lei no campo tecnológico ocorrem desde a década de 1950, quando o bem tutelado era o computador, passando pelas décadas seguintes quando os sistemas em si entraram na discussão. Trata-se de terreno velho conhecido do dirigente, que presidiu a Comissão de Informática Jurídica da Secional na década de 1990. Na época, a OAB SP elaborou projeto de lei que serviu como base para regramentos já sancionados, como a lei do e-commerce. “Pressionado por dois modelos e por empresas tecnológicas de fora, o país não avança na questão e o resultado é um vácuo que acaba prejudicando o próprio cidadão”, continua. Marcos da Costa defende o modelo europeu, mas avalia que para o Brasil o melhor é mesmo se empenhar, definitivamente, em encontrar um caminho misto, devido ao gigantismo do país e a ineficácia do Estado em fazer cumprir leis. Ele lembra que foi por ocorrerem graves violações à privacidade que a sociedade europeia avançou rapidamente na questão. A relevância é tal, que alguns países como Portugal e Espanha elevaram a matéria à esfera constitucional. É que a proteção insuficiente extrapola as relações de consumo e envolve dados sensíveis. Não se trata apenas de proteger bases de dados cadastrais que contêm documento de identidade, CPF e endereços, mas também de resguardar a intimidade. Com o volume de aplicativos, sites e facilidades ofertadas, não é preciso nem sair da mesa do almoço para fazer uma compra, responder a uma pesquisa ou fechar a viagem de férias. Isso tudo favorece a captação crescente de informações pessoais que reúne desde tendências políticas, credo, raça a preferências alimentares e sexuais. Essas informações alimentam a economia digital. Geralmente, o usuário não sabe se o banco de dados de quem coletou tem segurança apropriada ou qual será o destino das informações. “Há uma série de serviços bacanas, aparentemente gratuitos, utilizados todos os dias”, diz Luiz Fernando José Luís da Conceição Há dois modelos diferentes de tratamento jurídico sobre tecnologia: o americano, contratual, e o europeu, por lei 16


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