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DEBATE PRERROGATIVA DE FORO DEVE SER RESTRITA A Marcelo Figueiredo Advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP e presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB SP 12 Sim injustamente protegidos pela regra excepcional. A recente história brasileira bem demonstrou esse quadro. Dir-se-á que o problema está na concentração de foro privilegiado no STF ou do número elevado de autoridades que lá respondem por atos ímprobos ou criminais. O problema não é apenas de ordem prática, mas também de natureza estrutural. Não se justifica ampliar em demasia garantias ou privilégios que deveriam ser de algumas pessoas apenas. A democracia representativa brasileira vem testando a paciência de seu povo. Não é sem razão que os movimentos para abrandála com mecanismos da democracia semidireta aumentam dia a dia (plebiscito, referendo, iniciativa popular, cassação de mandatos do legislativo e do executivo). Reconhecemos que a matéria é complexa, extensa e com nuances. Fixemo-nos, Nada justifica manter o foro privilegiado para autoridades, mesmo após o fim do mandato ou da função ocupada portanto, nos mais elevados cargos da República e em nossa realidade. Estima-se que no Brasil haja no mínimo 22 a 26 mil pessoas com foro privilegiado. O que deveria ser uma exceção justificada para somente algumas pessoas na cúpula decisória da República, virou regra desvirtuada. Hoje, em toda a federação brasileira, existem pessoas com prerrogativa de foro. Do presidente ao diretor de uma estatal, a um vereador de um longínquo município, todos têm ou podem ter um foro privilegiado. Evidentemente que essa progressiva blindagem não responde a qualquer racionalidade jurídica ou lógica. Trata-se de um evidente privilégio (mais um) injustificado e desigual. Em um estudo recente em que foram analisadas vinte democracias sólidas e o Brasil, nosso país ganhou o primeiro lugar com o maior número de autoridades com foro privilegiado. A meu juízo, nada justifica também manter o foro privilegiado para autoridades, mesmo após o fim do mandato ou da função ocupada. Correto estava o STF quando em 1999 derrubou a Súmula 394. Nessa matéria tenho uma visão muito contida. Foro privilegiado somente para as altas autoridades da República: presidente, ministros de Estado, ministros do STF e procurador-geral da República. Ninguém mais. Dir-se-á que haverá persecuções políticas e abusos de magistrados no primeiro grau. Pode-se pensar, de acordo com a situação, que o recebimento da denúncia (somente), em se tratando de crime de responsabilidade ou de crime especial ocorra, conforme o caso, em segundo grau. Nada além disso. José Luís da Conceição prerrogativa de foro ou a prerrogativa de função sempre foi estabelecida ao longo dos diversos ordenamentos jurídicos em virtude do cargo ou da função exercida. Ela visava proteger a função e não a pessoa nela investida. O foro por prerrogativa de função teve suas justificativas em toda parte em que foi criado. Na origem era uma garantia – sobretudo do legislador – do parlamentar, para que somente fossem julgados nos crimes de responsabilidade por um foro especial. De um modo geral, nenhum governante em uma democracia, do mais elevado cargo ao mais simples na hierarquia administrativa, deveria ser imune à persecução penal. Praticado um crime comum, seja o presidente da República, seja um servidor civil, ambos deveriam ser julgados pelo mesmo juízo. Em meu entendimento, pouco importaria se antes, durante ou depois do mandato. No direito norte-americano, modelo por excelência de presidencialismo clássico, podemos recordar o precedente United States v. Nixon (418 U.S.683 – 1974). Neste caso considerou-se que o presidente pode ser processado em uma corte federal. O caso envolvia a alegação de crime comum e não de responsabilidade. A Inglaterra, país onde os principais institutos do Direito Constitucional nasceram, inclusive a imunidade, não há foro privilegiado. Já a França, berço das liberdades e da declaração universal dos direitos humanos, apenas prevê foro por prerrogativa de função para presidente, primeiro-ministro e ministros de Estado. Mas voltemos à realidade brasileira. Dir-se-á que o foro por prerrogativa de função é constitucional e compatível com o princípio do juiz natural previsto no artigo 5º, LIII da CF. O fato de existir uma previsão constitucional não significa que ela seja justa, adequada ou que não deve ser revista ou reformada. Para nós, o que deveria ser exceção justificada e excepcional tornou-se regra para muitas pessoas, o que contribuiu para desvirtuar o instituto desde suas raízes. Todo e qualquer privilégio em uma República deve ser instituído como exceção. Seguir rumo contrário certamente levará à impunidade dos poderosos e daqueles justa ou Vote aqui sobre o tema em discussão


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