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Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 425 – Março de 2017 SÃO PAULO CRIME PRATICADO DURANTE O EXERCÍCIO DO CARGO? Cristóvão Bernardo Gustavo Justino de Oliveira Advogado, professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP A Corte é firme no sentido de que o foro privilegiado não há de ser restrito a delitos cometidos no transcurso do exercício do cargo ou mandato 13 Não foro privilegiado por prerrogativa de função – assegurado pela Constituição de 1988 a parlamentares, mandatários e autoridades do Poder Executivo – não está circunscrito a crimes praticados durante o exercício do cargo, podendo decorrer de delitos cometidos anteriormente ao início do seu exercício. O texto constitucional é explícito no sentido de estabelecer que o “foro privilegiado” trata-se de imunidade de caráter processual, a qual visa a garantir o livre exercício do cargo ou do mandato em si, e jamais a proteger aquele que o exerce. Isso significa dizer que enquanto senadores, deputados, ministros de Estado, prefeitos, governadores e o próprio presidente da República estejam no exercício legítimo de seus cargos e mandatos, eventuais inquéritos e ações penais terão o seu curso nos Tribunais competentes sinalizados pela Lei Maior, não importando o momentum de cometimento do crime. Por isso, o fator determinante para o gozo da imunidade constitucional que leva ao foro privilegiado é o exercício do cargo ou do mandato. No caso do presidente da República, o art. 86, § 4o, da Constituição Federal preceitua que na vigência do seu mandato, não poderá ele ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Mesmo esta cláusula de exclusão de responsabilidade, de acordo com a jurisprudência do STF, não tem o condão de inviabilizar a instauração de procedimento meramente investigatório, “destinado a formar ou a preservar a base probatória para uma eventual e futura demanda contra o chefe do Poder Executivo”. De maneira análoga, a depender de previsão nas Constituições estaduais, os governadores também poderão ser investigados pelo STJ, ainda que instauração de posterior processo criminal dependa de prévia autorização das respectivas Assembleias Legislativas, porém valendo esta condição unicamente enquanto estiver no gozo de seu mandato. Além disso, a Constituição estabelece que eventual denúncia contra senadores e deputados Federais, por crime ocorrido após a diplomação, deverá ser pelo STF cientificada à Casa respectiva, a qual, “por iniciativa de partido político nela represen- tado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação” (art. 53, § 3o). Entretanto, ainda que consumada a sustação, nos termos do art. 53, § 5o, esta suspenderá a prescrição, “enquanto durar o mandato”. Esta previsão constitucional leva-nos a distinguir duas hipóteses. Se o agora parlamentar encontrava se sendo investigado por notícias-crimes ou respondendo a processos criminais por fatos ocorridos antes de sua diplomação, haverá o deslocamento natural destes procedimentos para o STF; cessado o mandato por quaisquer razões, finaliza-se igualmente a competência do STF, retornando a competência investigativa e persecutória para as instâncias inferiores. Não é outra a orientação do STF, cuja jurisprudência dominante é no sentido de que, cessado o mandato parlamentar não subsistirá a competência do Tribunal para processar e julgar, originariamente, ação penal contra membro do Congresso Nacional. Todavia, o excelso pretório instituiu uma importante distinção aqui: se ocorrer renúncia de parlamentar, após o fim da instrução do processo criminal em curso no STF, a cessação do mandato não ultima esta competência originária (AP606 QO - MG, Min. Roberto Barroso, 1a T., DJU 18.09.2014). Uma última hipótese há de ser lembrada, e que ainda provoca muita discussão na Corte. Na AP 396-RO, em casos de abuso de direito e fraude processual – o parlamentar renunciara às vésperas do julgamento no STF – prevalece a competência originária do Tribunal, pois tratar-se-ia de subterfúgio inescusável do interessado, destinado a impedir um eventual resultado contrário a seus interesses. Em face do exposto, a Corte é firme no sentido de que o foro privilegiado por prerrogativa de função não há de ser restrito a delitos cometidos no transcurso do exercício do cargo ou mandato. Esta imunidade é de caráter processual e objetivo, podendo abranger crimes praticados antes do exercício do cargo ou mandato, mas ocorre exclusivamente em função do seu exercício, em regra cessando – apesar das exceções apontadas – quando do término definitivo do exercício dos cargos ou mandatos.


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