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Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 426 – Abril de 2017 SÃO PAULO RESOLVER A CRISE POLÍTICA BRASILEIRA? José Luís da Conceição Ives Gandra da Silva Martins Advogado, presidente da Comissão de Reforma Política da OAB SP Num sistema presidencial, o voto em lista, que afasta o direito do cidadão de escolher o candidato que deseja, não merece acolhida 13 Não Estado Democrático de Direito é aquele em que o cidadão elege seus governantes pelo voto e os controla pela lei, exigindo que sirvam ao país e ao povo, como determinado no ordenamento legal. Para tanto, é necessário que o eleitor conheça, conviva e controle o seu representante. Ora, tal familiaridade com o governante é plenamente possível nos sistemas parlamentares de governo, onde os partidos são poucos e com claríssima linha de atuação política, e a fidelidade partidária, mera decorrência natural do sistema. Sendo assim, muitos dos sistemas parlamentares adotam o voto em lista associado ao voto distrital misto, pois uma simples lista fechada, sem considerar a divisão distrital proporcional ao número de eleitores, inevitavelmente deixaria várias regiões sem representação política no Parlamento. Assim, os políticos parlamentaristas fazem primeiro carreira no partido e, em função de seu trabalho, afinidade ideológica e fidelidade à linha partidária, têm os seus nomes submetidos nas listas apresentadas, quando não são líderes distritais reconhecidos. Já no Brasil, que é um sistema presidencial de governo, o voto em lista teria efeito oposto: perpetuaria os “donos” dos partidos, muitos deles sem jamais terem passado pelo teste eleitoral, mas que, por terem conseguido o registro de sua agremiação, terminariam encabeçando o topo da respectiva lista. Com isso, teríamos forte tendência à valorização dos “puxadores de votos”, até porque os candidatos no topo da lista teriam muito mais chances de serem eleitos. O presidencialismo brasileiro é um festival de interesses pessoais e de partidos, sem linhas ideológicas praticadas, pois, sempre que há coligações, tais linhas são pisoteadas em todos os estados brasileiros, não poucas vezes ocorrendo a união em uma coligação de esquerda e direita, em função, não da ideologia partidária, mas dos interesses imediatos naquele estado ou município. É por isto que no Brasil proliferam os partidos – são 35 e 56 em formação –, todos eles recebendo fundo partidário e negociando “segundos eleitorais” nas televisões e rádios, numa verdadeira banca de negócios que macula nossa democracia. Ora, considerando que voto em lista fechada se caracteriza por sua natureza ideológica, tal número de partidos impede a identificação clara de qualquer ideologia partidária para o eleitor. O argumento, ainda, de que este tipo de voto reduziria os custos de uma eleição, parece-me frágil, mormente num país em que as redes sociais e toda a espécie de comunicação eletrônica ganharam proporções pouco conhecidas em outros países. A Comissão de Reforma Política da OAB SP, por unanimidade, entre seus doze fundamentos para rejeição do voto em lista, lembrou que: (...) oito – A lista fechada acaba por se converter em impessoalidade dos candidatos para o eleitor, que se hoje já tem dificuldade de se reconhecer representado no Congresso Nacional, não mais encontrará vínculos com os detentores de cargos eletivos, posto que a formação das listas (...), podem tirar a percepção de escolha pessoal do eleitor, principalmente em grandes distritos; (...) doze – A implantação do voto em lista fechada na atual conjuntura brasileira se traduz mais em um projeto de poder do que em um projeto político, que é a essência deste sistema de votação. Num sistema presidencial, o voto em lista, que afasta o direito do cidadão de escolher o candidato que deseja, não merece acolhida e o povo tem que se manifestar em oposição a ele. A sua adoção equivaleria à perpetuação, nas casas legislativas, que necessitam de renovação parlamentar, confirmando os donos dos partidos, que nunca concorreram a eleição alguma. É como se um restaurante oferecesse cardápios dizendo que não caberia ao consumidor escolher seu prato, mas exclusivamente ao próprio maître. Neste contexto, a adoção do voto em lista fechada, em verdade, agravaria a crise política brasileira; jamais a resolveria!


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