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22 SAÚDE Extirpar o bullying é emergencial Prática violenta gera doenças psicológicas com efeitos que podem persistir por toda a vida e até levar ao suicídio Muitas crianças desfrutam de um ambiente escolar seguro e estimulante. Para outras, porém, a escola não proporciona o mesmo bem-estar. Foi o caso de Hannah, uma adolescente de 17 anos que, ao ingressar numa nova escola, passou a ser vítima de repetidas situações de discriminação e ridicularização. Os efeitos da violência contínua foram nocivos para a jovem, que tomou uma atitude extrema: abreviar a própria vida. Essa Hannah só existe na ficção – ela é personagem principal da nova produção da Netflix “Os 13 porquês”. O bullying que fere a personagem por treze indigestos capítulos, contudo, é um problema de saúde, real e urgente. Divulgado no início deste ano, o relatório School Violence and Bullying – Global Status Report, produzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), reforça a importância de encarar o bullying como prioridade em saúde escolar. O documento faz uma extensa revisão dos estudos acadêmicos publicados nos últimos anos em vários países e estima que 246 milhões de crianças e adolescentes por ano sofrem de alguma forma o ataque. Os estudos citados no documento provam que a violência prejudica gravemente a saúde e o bem-estar das vítimas, com efeitos que podem persistir por toda a vida. A Unesco ratifica ainda que “nenhum país pode alcançar uma educação inclusiva e equitativa de qualidade se os alunos experimentarem violência na escola”. No Brasil, os primeiros estudos sobre bullying surgiram a partir do ano 2000. Desde então, o número de casos de jovens submetidos a situações de humilhação vem crescendo, o que levou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a incluir no seu mapeamento da saúde do estudante brasileiro a questão da violência. A última pesquisa, divulgada no segundo semestre de 2016, relativa ao ano de 2015, mostrou que 46,6% dos alunos já foram vítimas dessa prática e que dois em cada dez adolescentes já promoveram atos de constrangimentos contra colegas. O bullying – termo de língua inglesa que significa “valentão” – foi identificado, denominado e conceituado pela primeira vez, em 1970, pelo psicólogo norueguês Dan Olweus, e se refere a episódios repetidos de violência, onde há um total desequilíbrio de poder entre vítima e agressor, tornando-se difícil para o indivíduo intimidado se defender. “É um fenômeno que pode se expressar de diversas maneiras. Na forma de abuso físico ou verbal, manifesta-se com a utilização de apelidos, insultos, comentários racistas, homofóbicos e de diferenças religiosas, físicas, econômicas, culturais, morais. Pode ainda assumir uma forma mais indireta, como a da exclusão de alguém dos grupos de amizade”, detalha o psicólogo Felipe Alckmin Carvalho, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP). Toda essa violência afeta crianças e adolescentes também via telefones celulares, computadores, sites e redes sociais (cyberbullying). Os maus-tratos provocados por meninos são, geralmente, diferentes daqueles feitos por meninas. As garotas tendem a perpetrar bullying de modo indireto, são fofocas ou exclusão social do alvo, por exemplo. Já os garotos se engajam principalmente em insultos e agressões. Por ter consequências imediatas e facilmente visíveis, a violência física muitas vezes é considerada mais grave do que um xingamento, uma fofoca ou a rejeição dos colegas. Contudo, todas as formas de opressão são graves e causam danos. Autodefesa O psicólogo Felipe Alckmin Carvalho relata que a motivação do indivíduo que incorre nesta violência é variada. “Já ouvi de agressores que eles atacavam os colegas para não serem, eles mesmos, as vítimas. Ser hostil, portanto, os protegeria de se tornarem vítimas. Isso parece impensável, mas é uma motivação que pode ocorrer”, conta. O ofensor costuma ser popular na escola, é ameaçador com os colegas, professores, pais e, normalmente, traz consigo um grupo de seguidores. Quem é atacado, por sua vez, tem (ou desenvolve) baixa autoestima, se isola do grupo e tem poucos amigos, e também apresenta algumas características físicas que as torna alvo, como por exemplo: magreza, excesso de peso, timidez ou outro aspecto acentuado. As consequências da ridicularização são desastrosas. Variam conforme a duração e a severidade dos atos aos quais são expostas, mas, em suma, constituem fator de risco para baixo rendimento acadêmico, evasão escolar, isolamento, depressão, ansiedade e agressividade. Além disso, pesquisadores apontam que ser alvo de bullying está associado ao aparecimento de transtornos psiquiátricos ainda mais sérios, como estresse pós-traumático, anorexia e bulimia nervosa. E até suicídio. Para evitar o problema, o especialista da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) sugere que as escolas tenham regras claras e públicas para o manejo das situações e invistam em programas de prevenção. “Muitas vítimas não contam a ninguém sobre a experiência por falta de confiança nos adultos, medo de repercussões ou represálias, sentimentos de culpa, vergonha ou confusão, preocupações de que eles não serão levados a sério, ou simplesmente por não saberem onde procurar ajuda. Assim, os alunos precisam de um canal de comunicação facilitado com professores, inspetores e coordenadores, para que possam sentir confiança em relatar episódios de agressão, ocorridos com eles mesmos ou com algum colega”, aconselha Carvalho. Conforme acrescenta o especialista, palestras educativas sobre bullying e treinamentos socioemocionais são medidas preventivas importantes e podem ser adotadas. Em casos de violência consumada, o foco deve ser voltado para a recuperação de valores essenciais, como o respeito à diversidade e a autoestima. A escola não pode legitimar a atuação do autor da ofensa, muito menos humilhá-lo. É importante identificar o que está por trás do ato de hostilidade para então agir. “Uma criança ou jovem que presencia episódios de violência física ou psicológica em casa com frequência, pode entender que esses comportamentos são socialmente aceitáveis e os reproduza na escola, por exemplo. É possível também que o praticante do ataque tenha um transtorno psiquiátrico de conduta.” Engajar-se em comportamentos agressivos repetidas vezes pode ser um indicador precoce de transtorno de personalidade antissocial e fator de risco para abuso de substâncias psicoativas e inclinação para problemas com a justiça. Não adianta, porém, pensar que cabe apenas aos educadores desestimular e identificar o bullying. A violência pode ocorrer no entorno da escola, a caminho da aula ou na volta para casa, e também on-line. Os pais também são protagonistas no desenvolvimento de repertório comportamental e devem caminhar na mesma direção. VÍTIMAS: Todas as formas de agressão são graves e provocam problemas sérios de saúde Divulgação


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