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Jornal do Advogado – Ano XLII – nº 427 – Maio de 2017 SÃO PAULO DE ESTUPRO DEVE ACABAR? Roberto Delmanto Júnior Cristóvão Bernardo Advogado criminal e conselheiro Secional da OAB SP Sempre que há unanimidade, desconfie. 13 Não m 9 de maio o Senado aprovou, em 1o turno, e com unanimidade dos 66 presentes, salvo uma abstenção, a PEC nº 64/2016 proposta pelo senador Jorge Viana (PT), visando incluir no seleto rol dos crimes que o legislador constitucional originário entendeu imprescritíveis – racismo e ação de grupos armados contra a ordem Constitucional e o Estado Democrático –, o crime de estupro. A prescrição é um instituto que impõe ao Estado um prazo máximo para processar pessoas. Embora existam críticos afirmando que a prescrição seria um prêmio ao criminoso pela ineficiência estatal, ela é fundamental em uma democracia; um verdadeiro direito fundamental. Isso porque os prazos prescricionais: (a) impõem que o Estado, efetivamente, se mexa para investigar crimes, sob pena de perder o poder de fazê-lo, (b) diminuem as chances de erro judiciário já que, com o passar do tempo, as provas vão desaparecendo ou se tornando mais frágeis, e (c) evitam que cidadãos sejam eternamente perseguidos, mesmo porque, como dizia Rui Barbosa, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, perdendo o sentido e a razão de ser. O constituinte de 88 deliberou no inciso XLIV do art. 5o que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Igualmente no inciso LVII que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. A PEC 64/2016, por sua vez, visa alterar o inciso LVII, que passaria a dizer: “a prática do racismo e do estupro (...)”. Entendendo-se que toda restrição à liberdade é exceção, sendo a limitação do poder punitivo do Estado com o decurso do tempo a regra, e diante do fato dos incisos XLIV e LVII do art. 5o estarem inseridos no título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, entendemos que, salvo esses casos, a extinção da punibilidade pela prescrição de todos os crimes de nosso ordenamento é uma verdadeira garantia constitucional de toda sociedade, tanto do acusado ao vedar perseguições eternas, quanto da vítima, impondo celeridade nos julgamentos. Sob esse enfoque, entendemos incidir a vedação constitucional do art. 60, § 4º, IV, sendo a PEC 64/2016 inconstitucional. Não é sem motivo que, até hoje, aprovadas 92 Emendas Constitucionais, jamais se alterou o texto de qualquer um dos 77 incisos do art. 5o; eles são o núcleo duro de nossa ordem constitucional. Encontrase em discussão, atualmente, se também seria imprescritível o crime contra a humanidade, previsto em tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Desde 1988, a única modificação que ocorreu no art. 5o foi com a Emenda 45/2004, a qual ampliou direitos ao incluir o inciso LVXXVIII, garantindo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, além de acrescentar os §§ 3o e 4o ao art. 5o que dizem respeito à recepção de tratados internacionais que ampliem garantias, submetendo-se o Brasil ao Tribunal Penal Internacional. O populismo penal afigura-se patente quando verificamos que a PEC é pouco relevante diante do atual prazo prescricional do crime de estupro: até 16 anos entre o fato e o início de um processo criminal, tanto para casos de estupro simples quanto qualificado por lesão corporal grave ou praticado contra vítima entre 14 e 18 anos (art. 213, caput e parágrafo primeiro); outros doze anos desde o recebimento da denúncia até a condenação em primeiro grau; mais doze anos nos tribunais, se o condenado recorrer. São 40 anos. E se a vítima falecer (art. 213, parágrafo segundo), chega-se a até 52 anos, somados os prazos máximos de cada fase processual. Como se vê, e se o horrível crime de estupro com morte é cometido pelo agente com 18 anos, ele poderá ter a sua sentença transitada em julgado quando estiver quase completando 70 anos. Ainda que o acusado complete 70 antes do final do processo, caindo pela metade a prescrição (CP, art. 115), convenhamos que 35 anos já são tempo bastante longo para se punir. Enfim, a PEC é nada mais do que um vazio apelo emocional ao eleitorado para angariar votos, podendo ter ainda um efeito contrário: tornar ainda mais letárgicos os processos por crime de estupro. Isso porque é graças à prescrição que se impõe celeridade ao Estado. Há que se duvidar da cômoda certeza da unanimidade com que foi aprovada a PEC 64/2016; inconstitucional, vazio e inócuo populismo.


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