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José Eduardo 14 ENTREVISTA Em mais uma reviravolta vivida pelo Brasil no mês de maio, a delação premiada do empresário Joesley Batista, no âmbito da Operação Lava Jato, leva o mundo jurídico ao debate no que diz respeito a regras definidas pela Constituição Federal. O professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), José Eduardo Faria, fala sobre governabilidade, eleições direta e indireta, reformas e crises que marcaram a história brasileira. Ele diz, ainda, que a filosofia do Direito passa por uma crise de transição: “Nossos mecanismos, conceitos e instituições jurídicas, tudo o que concebemos entre os séculos XVIII, XIX e XX entraram em um processo de desarrumação em função de uma sociedade mais complexa”. O sr. vê condições de governabilidade no Brasil? Há duas formas de responder. A primeira é do ponto de vista jurídico e político. As instituições estão funcionando, é natural que os deputados e os senadores, principalmente os de oposição, recorram à figura jurídica do impeachment. Isso já foi visto lá atrás, antes até da ex-presidente Dilma Rousseff, com Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Eu diria que o impeachment vem sendo usado pelas oposições como uma forma de desgastar o governante. Ou seja, as ruas são mobilizadas, o parlamento e, de alguma maneira, se aprisiona, em uma atitude defensiva, o chefe do Executivo. Do ponto de vista substantivo, a governabilidade fica travada na medida em que o presidente não tem capacidade de aprovar as reformas necessárias. Os movimentos sociais, coletivos, sindicatos, corporações aproveitam o vazio de liderança, de autoridade política para defender seus interesses. Isso leva a um risco de paralisia decisória. O problema é saber como destravar esse nó. O tempo do direito é muito lento em relação ao tempo da política e das ruas. Qual seria o caminho depois do episódio da delação da JBS e dos desdobramentos? A primeira das alternativas é o processo de impeachment , a segunda é a renúncia e, a terceira, a possibilidade de um processo por obstrução de justiça no Supremo Tribunal Federal. Vejo difícil a sustentação do Michel Temer. A grande questão agora é definir entre fechar o ciclo constitucionalmente, de um mandato que começou com as eleições de 2014, ou alterar a Constituição para substituir eleição indireta pela direta. As duas alternativas têm vantagens e custos políticos. Um terceiro presidente da República terá pouca mobilidade e espaço político para gerir a economia e com isso há o risco de uma deterioração do processo econômico. Se houver eleição direta, a meu ver, sacrifica-se o que a Constituição Federal tem de mais importante: a Carta Magna naturalizou a democracia. De alguma maneira, ofereceu o balizamento necessário, dentro das regras do jogo e de uma concepção democrática, para que o Brasil pudesse administrar suas divergências políticas mesmo em uma situação limite. Trocar, agora, a eleição indireta pela direta mexendo, às vésperas de 2018, no processo legislativo por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição, a meu ver, é uma atitude arriscada porque desordenaria ainda mais a política. Há o risco de o próximo presidente e vice eleitos enfrentarem um mandato tão tumultuado como o atual. Com uma eleição indireta estaríamos nas mãos das mesmas figuras políticas... Sim. Os mesmos parlamentares que produziram ingovernabilidade na gestão presidencial atual são aqueles que escolheriam uma pessoa capaz de liderar o país até 2018 – é um tremendo contrassenso. É um cenário difícil. Mas temos de acreditar em um princípio da política e da história. Toda crise é muito criativa. Se olharmos bem vamos perceber que nos anos 60, diante de um risco de guerra civil, quando houve a renúncia do presidente Jânio Quadros, a saída foi mexer nas instituições como experiência e substituiu-se o presidencialismo pelo parlamentarismo. Funcionou durante um certo momento, neutralizou a crise, e mais à frente voltamos ao presidencialismo. Então não deu certo e acabamos na ditadura militar. E na primeira eleição pelo voto direto, logo depois de promulgada a Constituição de 1988, o presidente eleito não estava à altura do cargo e às vésperas das eleições de 1994 o clima não era muito diferente do de hoje. Na época houve um grande acordo tácito de todas forças políticas que tinham interesse em manter o calendário eleitoral e eles escolheram, de comum acordo, um ministro que funcionasse como primeiro ministro do Itamar Franco – que foi o ministro das Relações Exteriores e senador licenciado, Fernando Henrique Cardoso. Deu tão certo naquele momento que o próprio FHC acabou se elegendo e se reelegendo. Então, há momentos em que é perceptível, na história do Brasil, que a crise abre janelas de oportunidade para saídas institucionais. Acho que é um desses momentos. Eu diria que não vejo a crise apenas pelo seu lado sombrio, mas também por permitir que surjam novas lideranças. O sr. vê nomes em potencial? Eu teria de ir a campo. Quem são esses vereadores eleitos no ano passado que têm capacidade de chegar a deputado federal com um discurso novo? Quem são esses novos, vamos dizer, secretários de estado que podem crescer com uma gestão na administração pública moderna? Quem mostra discurso com uma capacidade de inovar em matéria de administração pública? É um trabalho que exigiria uma análise empírica, de estado por estado. É a pior crise desde a promulgação da Constituição? De crise em crise, e olho mais ao passado, é difícil estabelecer a mais grave. Eu era adolescente em 1964 e imaginei que foi a pior que vi. Já era aluno da USP e repórter político do Jornal da Tarde quando cobri a crise de 1968 – fiz cobertura, inclusive, da edição do AI-5. Naquele momento, achei que era a mais pesada que havia visto. Fui assistindo crises, como a do pacote de abril, em 1977, e tantas outras. No entanto, no período entre 1994 e meados de 2010, percebe-se que, apesar de todas as crises, o Brasil melhorou institucionalmente. A Constituição Federal funcionou e isso permitiu que, em 2007, as agências de classificação de crédito aprovassem a incorporação do país à figura de investment grade – sendo que, até então, ficávamos no segundo time das economias mundiais, no chamado grau especulativo. Isso foi reflexo dos acertos do período. E note que nesses anos houve governos do PSDB e do PT. Foi obra dos governantes que souberam construir um diálogo dentro da ordem jurídica. Houve governabilidade, credibilidade internacional e respeito à Carta Magna. Como fica o cenário para as reformas que estavam em debate? Vamos trabalhar com a da previdência e a trabalhista: são reformas que exigem quórum elevado. Para isso haveria de ter liderança capaz de unificar, no mesmo projeto, um sistema partidário altamente fragmentado. Se em um contexto de normalidade democrática um presidente da República já tem dificuldade de fazer essa articulação, imagine se permanece o Michel Temer, que perdeu credibilidade para dirigir o país, ou se vier alguém para um chamado mandato tampão que tenha saído dos acordos de uma legislatura que elegeu Renan Calheiros e Eduardo Cunha. Neste momento que falamos, neste minuto, hoje, eu não vejo a capacidade de conduzir a bom termo essas reformas. Mas o cenário é muito instável. O sr. fala em desestatização da política. Pode comentar? As novas gerações repudiam os partidos. Querem fazer política, mas não na ótica do Estado. O que digo é: a democracia representativa vê no sistema partidário a maneira com base na qual se constrói vontade coletiva a partir dos diferentes dissensos. Ou seja, é um processo de negociação para se chegar a um consenso administrando as diferenças. Isso é extremamente im


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