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CAPA Evolução da democracia brasileira Medida de proteção a membros de diversas esferas dos três poderes é questionada na Suprema Corte e enfrenta Propostas de Emendas à Constituição no Congresso com pedidos de restrição de alcance e até sua extinção 16 A Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2013, em texto substitutivo, após aprovação no Senado, vai iniciar a sua tramitação na Câmara dos Deputados. A PEC prevê a alteração de sete artigos da Constituição Federal (arts. 53, 86, 96, 102, 105, 108 e 125) para extinguir o foro por prerrogativa de função em casos de crimes comuns, mesmo os praticados durante o exercício do mandato, com exceções ao presidente da República, aos presidentes da Câmara Federal e do Senado e ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta depende ainda da aprovação das Comissões da Câmara e de três quintos do Plenário, em dois turnos, além da sanção presidencial. A OAB SP preocupa-se com as distorções provocadas pelo modelo atual de foro, como a mudança em caso de eleição do réu a determinados cargos ou o declínio de competência, ao fim do mandato. “Limitar o foro aos presidentes dos três poderes é um ajuste necessário, que alinha o tratamento dado às demais autoridades com os valores republicanos. Porém, dadas as dimensões, essa prerrogativa também deveria ser mantida no plano estadual, para governadores, presidentes de assembleias legislativas e dos tribunais de Justiça. Vejo ainda a necessidade de criar instrumentos de proteção para evi- tar excessos na judicialização dos atos das autoridades públicas, no exercício de suas funções”, defende Marcos da Costa, presidente da Ordem paulista. O foro por prerrogativa de função é uma construção que tem raízes na obra clássica “O Espírito das Leis” (1748), de Montesquieu. Quando desenhou um modelo de tripartição de poderes, o filósofo francês defendeu que “os nobres sejam levados não aos tribunais ordinários da nação, e sim a esta parte do corpo legislativo que é composta de nobres”. Na França monárquica da primeira metade do século XVIII, ele justificava o propósito de proteger a nobreza devido ao “perigo da inveja do povo”, preservando o exercício do cargo ou função. Anacrônico, especialmente diante da evolução dos regimes democráticos de direito, o modelo adotado no Brasil padece pelos excessos. Por um lado, confere essa proteção a quase todos os cargos e funções dos três poderes na União, estados e municípios. Por outro, determina a apuração de crimes comuns, sem vínculo com o exercício da função, em tribunais ou cortes superiores. No Brasil, a origem é a Constituição Imperial de 1824, que determinava o Senado como foro para delitos praticados pelos membros da família real, ministros, conselheiros, senadores e deputados. As cartas magnas seguintes mantiveram o instituto e seguiram ampliando o número de funções ou pessoas protegidas. Hoje, sob a Constituição Federal de 1988, o foro por prerrogativa de função abriga desde o presidente da República até prefeitos, dependendo da Constituição do Estado em que está localizado o município. São inúmeros os cargos nos Poderes Legislativo e Judiciário cujos inquéritos e ações penais têm prerrogativa de foro (veja quadro abaixo). Segundo levantamento da Consultoria Legislativa do Senado, aproximadamente 55 mil pessoas são beneficiadas pelo instrumento nas acusações de crimes comuns, com a maioria concentrada no Judiciário e no Ministério Público. Além da questão quantitativa, aspectos formais do modelo brasileiro chamam a atenção, como a maneira com que a Suprema Corte, sem essa vocação, processa acusações de crimes como estupro ou homicídio. “O próprio regimento do STF e a lei processual penal permitem que o ministro do Supremo delegue a instrução penal a um juiz, porque os Tribunais Constitucionais não são vocacionados a coletar provas, fazer a instrução: eles julgam um processo em que apenas observaram a instrução”, critica Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos, membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB SP. Um exemplo peculiar do abuso que transcende à proteção do exercício do cargo é a determinação, positivada na maioria das constituições estaduais, de aval da respectiva Assembleia Legislativa para o início de uma ação penal contra governadores de Estado, cujo julgamento se dá no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 4 de maio, atendendo Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) do Conselho Federal da OAB, o STF determinou que o STJ não precisa de autorização de deputados estaduais para processar o líder do Executivo estadual. “A sistemática da Constituição confere graus de proteção específicos para ocupantes de cargos públicos diferentes, ou seja, não se dá ao presidente da República e aos governadores de Estado o mesmo julgamento prévio das respectivas Casas de Leis”, explica Marcos da Costa. Até a recente decisão do Supremo, o STJ pedia às assembleias legislativas a autorização para processar governadores. De acordo com números do próprio STJ, apenas um pedido, do total de 52, foi atendido no período de 2001 a 2016. Os excessos, quantitativos e de forma, do foro por prerrogativa de função justificam o nome popular dado ao instituto, chamado de foro privilegiado e tido como razão para a impunidade. Porém, estudos e levantamentos estatísticos não sustentam por completo a afirmação corriqueira que credita ao foro a sensação de impunidade que permeia a sociedade brasileira. “Não temos dados ou estatística para entender como está o andamento das ações penais na primeira instância, não sabemos qual a taxa de condenação e quanto O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO Competência Supremo Tribunal Federal (STF) CF/1988 – Art. 102 Beneficiados com foro privilegiado Presidente, vice-presidente, senadores, deputados federais, ministros de Estado, procurador-geral da República Superior Tribunal de Justiça (STJ) CF/1988 – Art. 105, I, “a” Tribunais Regionais Federais (TRFs) CF/1988 – Art. 108, I, “a” Juízes federais e membros do Ministério Público da União Tribunal de Justiça (SP) CF/1988 – Art. 96, III Juízes estaduais e membros do Ministério Público Estadual (ressalvada a competência da Justiça Eleitoral) Tribunal de Justiça (SP) CF/1988 – Art. 125, § 1º + Constituição paulista – Art. 74, I Vice-governador, secretários estaduais, deputados estaduais, procurador-geral de Justiça e procurador-geral do Estado Tribunal de Justiça (SP) CF/1988 – Art. 29, X + Constituição paulista – Art. 74, I Prefeitos (em caso de delito da alçada da Justiça Federal, a competência será do respectivo TRF, segundo entendimento firmado na jurisprudência do STF) (RT 745/479 e JSTF 177/340) Tribunal de Justiça (SP) Vereadores CF/1988 – Art. 29, X + Constituição paulista – Art. 79, II Governadores, desembargadores dos TJs, membros dos Tribunais de Contas estaduais, dos TRFs, dos TREs, dos TRTs, dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos municípios e do Ministério Público da União


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