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mais significativos foi o restabelecimento do habeas corpus resultante da firme interlocução do presidente Raymundo Faoro junto ao general Ernesto Geisel, em 1978. Também destaco a aprovação do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994), com todas as suas conquistas para a categoria; e a realização, em São Paulo, do Congresso Nacional de Advogados Pró-Constituinte para que se restaurasse o Estado Democrático de Direito. O trabalho desenvolvido na Constituinte resultou no art. 133 da Constituição Federal e legitimou a OAB para propor o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). A lista é muito extensa. Entre algumas ações recentes, citaria a aprovação da Lei nº 11.767/2008, que garantiu a inviolabilidade do escritório do advogado e dos seus instrumentos de trabalho, prerrogativa incluída no Estatuto; a participação pela aprovação da Lei da Ficha Limpa; e o ajuizamento da ADI nº 4.650 no STF, que culminou, em 2015, na proibição de financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas. Passados 40 anos da Conferência da Advocacia em que se anunciou o fim da restrição ao habeas corpus , São Paulo sediará o evento em um ambiente desafiador. O contexto é outro, mas o país volta a necessitar da defesa de valores democráticos. Quais são os pontos nevrálgicos e de que modo a Ordem pode contribuir? De fato, o contexto atual é muito diferente daquele de 1978, quando se realizou a histórica Conferência Nacional de Curitiba, que marcou a luta pela restauração da democracia com o tema central O Estado de Direito. Como bem afirma o nosso presidente Claudio Lamachia, neste grave momento de instabilidade política, em que o próprio cargo de presidente da República está ameaçado pela judicialização, o país necessita mais do que nunca de sensatez e serenidade, e os males da democracia só encontram remédio dentro da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, observando-se o devido processo legal e a plena defesa. A Ordem tem ciência de que substituir mandatários não é suficiente. É necessária uma profunda e abrangente reforma política. A OAB defende, por exemplo, a instituição de uma cláusula de desempenho para os partidos políticos, a proibição das coligações partidárias em eleições proporcionais, a limitação das doações por pessoas físicas a candidatos e medidas para garantir eficaz representação de gênero no parlamento. Nosso desafio – da OAB e de todos os setores organizados da sociedade civil – é fazer com que o Brasil comece a dar conteúdo a estas duas palavras vitais para a preservação da dignidade humana: justiça e cidadania, o que só ocorre pelo engajamento da sociedade em defesa de seus valores fundamentais. Sem dúvida, no mundo atual que nos rodeia, outro mundo justo é possível e cabe a nós fazê-lo possível. Como afirma o sociólogo Edgar Morin, podemos não chegar ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor. A engrenagem entre as Secionais e o Conselho Federal é fundamental para que a instituição tenha o peso necessário para a articulação de grandes demandas. Que movimentos da gestão paulista, junto ao Conselho Federal, puderam contribuir com a Ordem recentemente? As contribuições da OAB paulista sempre foram importantes para o exercício da advocacia e para a cidadania, seja pela participação firme e precisa de sua delegação de conselheiros federais nas sessões do Conselho Federal e nas comissões, seja, atualmente, pela atuação do presidente Marcos da Costa nos Colégios de Presidentes de Secionais e no próprio Conselho Federal. Recentemente, por proposição da Secional ao Conselho Federal, decidiu-se pela adoção de providências para garantir a presença dos advogados nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejuscs) e para o repasse de verbas oriundas das loterias ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), conforme determina a Lei Rouanet. A sra. já defendeu, em diferentes fóruns nacionais e internacionais, que mulheres e crianças são as que mais sofrem com o processo de globalização. Por isso, disse ser essencial assegurar formas de inserção social. Como está o cenário hoje? Desde a Carta constitutiva das Nações Unidas encontra se consagrada a norma maior da igualdade entre todos os seres humanos, reiterada nos instrumentos e tratados internacionais, Convenções e Declarações, exemplificadamente no Pacto dos Direitos Civis e Políticos, e nas Conferências sobre a Mulher e na de Direitos Humanos (Teerã e Viena), realizadas pela ONU. No entanto, a pergunta que se faz é como concretizar a efetivação dos direitos e obrigações recíprocas se o princípio maior de que todos são iguais perante a lei é mais formal do que real para a grande maioria da população de nossos países, sendo ainda mais distante e ineficaz no que se refere às mulheres e às crianças? Não é demais acentuar o que disse a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngenka, ao apontar que a violência contra as mulheres continua assolando vidas e que em nenhum país do mundo se alcançou a igualdade de gênero. Quanto ao Brasil, o que falta é vontade política de exercitar com plenitude os princípios que a nossa Constituição consagra. Em outra frente, a sra. já comentou que faltam mulheres em níveis decisórios nos quadros da Ordem – das 27 Secionais, uma tem liderança feminina (Fernanda Marinela, em Alagoas). Apesar dos esforços para ampliar o engajamento, a evolução ainda é lenta? Por que? A participação de mulheres no universo da advocacia brasileira é significativa. Considerando o contingente, Carpi 15 Jornal do Advogado – Ano XLIII – nº 429 – Julho de 2017 SÃO PAULO equivalente à quase metade do total dos inscritos, como se encontra a participação feminina no universo da representação no Conselho Federal e na sua diretoria, nas 27 Secionais, nos Conselhos Estaduais, nas Subseções e seus Conselhos, nas inúmeras e diversas Comissões? Estão as advogadas inseridas no campo do exercício do poder, nas instâncias de decisão? Considerando os 86 anos de existência da OAB, a radiografia revela-nos dados que merecem profunda atenção. Veja que, ao longo de todos esses anos, em apenas três oportunidades tivemos a presença de advogadas na diretoria do Conselho Federal. Uma delas, a destacada conselheira paulista Márcia Machado Melaré, que ocupou o cargo de secretária-geral adjunta na gestão do presidente Ophir Cavalcante Junior. A inserção, já no pleito de 2015, da obrigatoriedade de candidaturas de cada sexo no mínimo de 30% ao máximo de 70% para o registro de chapas constituiu um começo. Todavia, promissor olhar consolida-se com a criação do Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada, cuja coordenação e execução estão a cargo da Comissão Nacional da Mulher Advogada, em conjunto com as Secionais, as Caixas de Assistência e as Subseções, em todo o território nacional. O documento foi aprovado pelo Conselho Pleno, contando com a recomendação do Colégio de Presidentes dos Conselhos Secionais, em decisões unânimes, e está em vigor desde 1o de janeiro de 2016. O plano impulsiona o fortalecimento dos direitos humanos da mulher, apresenta diretrizes como a elaboração de propostas de apoio à mulher no exercício da advocacia, a promoção de diálogo com as instituições – a fim de humanizar as estruturas judiciárias voltadas às advogadas –, além da sensibilização e implementação de estratégias para ampliar a participação nas decisões das Secionais e das Subseções. Importante mencionar que a Conferência Nacional dos Advogados passou a chamar se Conferência Nacional da Advocacia Brasileira e a edição deste ano, em São Paulo, será a primeira sob a nova denominação. A evolução tem sido lenta, mas estamos a caminho. A Justiça está em destaque no país, quando mulheres estão à frente do Supremo Tribunal Federal (Cármen Lúcia), do Superior Tribunal de Justiça (Laurita Vaz) e, a partir de setembro, da Procuradoria Geral da República (Raquel Dodge). Como a sra. avalia as atuações dessas lideranças femininas no mundo jurídico? Essas mulheres, operadoras do Direito, têm desempenhado trabalho destacado ao longo de suas trajetórias profissionais, conquistando espaço nos mais altos cargos nas respectivas áreas de atuação. Elas são fonte de indicação para todas as mulheres que lutam pela igualdade de gênero no país. A ministra Cármen Lucia, inclusive, teve participação ativa na OAB, integrando por muitos anos a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais. “O desafio da OAB e de todos os setores organizados da sociedade civil é fazer com que o Brasil comece a dar conteúdo a estas duas palavras vitais para a preservação da dignidade humana: justiça e cidadania”


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