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Um cidadão brasileiro reclama, com razão, de que o atendimento pelo Sistema Único de Saúde envolve esperas tão longas que se teme a morte na fila se o caso for de doença grave. Outro cidadão brasileiro, este possuidor de plano de saúde, queixa se com igual dose de razão de que o reajuste do seu convênio médico está muito acima da inflação e a rede de atendimento carece de abrangência e de qualidade. Fato é que a saúde não escapa ao caos predominante nos campos político e econômico. O setor carece de financiamento e de processos moralizador e educativo. Deixemos de lado, nesta oportunidade, os problemas do SUS, elogiável modelo teórico de universalização do atendimento que, quando se livrar dos vícios que prevalecem em tudo que envolve transferência de recursos públicos no Brasil, poderá ser coroado como um sistema exitoso de saúde garantida por impostos. No caso da saúde suplementar, o setor, pelo lado do médico, revolta-se com os baixos honorários. Já a face empresarial dessa mesma moeda indigna-se com os custos médicos, mais precisamente o preço que se paga pelo uso da tecnologia e pela incorporação de novas tecnologias, cujos valores são multiplicados de forma irracional pelo excesso de exames solicitados. Infelizmente, a discussão filosófica sobre saúde, cidadão e direito perdeu sentido: o mercado a engoliu. As relações nessa seara agora são meras relações de consumo. Pacientes são denominados usuários, guiados por contratos sobre os quais aplicam-se planilhas. Inseridos nessa realidade, só nos resta tentar torná-la um pouco menos cruel. Não resta dúvida de que existem operadoras que agem de má-fé, que lesam seus prestadores de serviços ao pagar honorários baixíssimos e, na outra ponta, seus conveniados, ao oferecer-lhes atendimento limitado quantitativa e qualitativamente. Questiona-se a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em relação a essas empresas, apesar de inegáveis avanços regulatórios, mas há uma distorção de origem no sistema que extrapola as irregularidades pontuais. A distorção começa quando o paciente pede ao médico que lhe prescreva a realização de exames, numa clara inversão de papéis: é do exame clínico que devem emergir constatações que levem à solicitação de determinados procedimentos. Talvez por má formação profissional – outra doença crônica do Brasil –, ou insatisfeito pela baixa remuneração, o médico nem sequer conversa com o paciente, partindo logo para a prescrição de uma batelada de testes laboratoriais e exames de imagem. A velha e boa anamnese acabou. Registre-se que 30% dos exames de imagem realizados por planos de saúde no país nem sequer têm o resultado verificado pelo paciente. Trata-se de dinheiro jogado fora. Os pacientes, por sua vez, podem assumir um papel proativo em favor do sistema. O uso racional de um plano de saúde coletivo reduz custos totais e, consequentemente, resulta em reajustes menores graças à queda da sinistralidade, índice determinante das correções anuais. Um estudo realizado pela ANS, cujos resultados foram divulgados em junho último, mostra que tomografias e ressonâncias – os exames mais caros – aumentaram 22% no Brasil nos últimos dois anos entre os pacientes de convênios médicos. A elevação não se deve, segundo a agência, a uma ampliação de cobertura, mas a pedidos indevidos forçados pelos interesses financeiros de hospitais e laboratórios e à baixa remuneração por parte das operadoras aos prestadores de serviços. Uma comparação sugere o acerto de tal afirmação: entre 35 nações (incluindo algumas das mais desenvolvidas do mundo, como Estados Unidos, França e Alemanha), a média anual de ressonâncias realizadas por planos de saúde é de 52 por cada mil habitantes. No Brasil, essa relação foi de 149 por mil em 2016. Nos países na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizam-se 120 tomografias por ano para cada mil habitantes; no Brasil, são 149 por mil. Com o sistema público sucateado e a área suplementar encarecida, vivemos um momento ingrato na saúde. Cada vez mais a prevenção se apresenta como única alternativa eficaz, tanto no tocante aos custos quanto aos resultados terapêuticos. Há programas de saúde preventiva que podem ser adotados pelas próprias operadoras de saúde, os quais vêm sendo implantados timidamente no Brasil. Um impulso nesse sentido é urgente. No caso específico da advocacia, a CAASP continua privilegiando as ações preventivas, mediante sete campanhas anuais, além de oferecer ao seu público várias opções de planos coletivos por adesão – os quais, se padecem dos males comuns ao setor como um todo, ao menos garantem algumas condições vantajosas à classe. SAÚDE SUPLEMENTAR EM XEQUE “A discussão filosófica sobre saúde, cidadão e direito perdeu sentido: o mercado a engoliu” PALAVRA DA DIRETORIA 24 Jairo Haber José Luís da Conceição DIRETOR


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