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Cresce debate sobre reparação de danos por cartel Apesar de haver dúvidas no mundo jurídico acerca do tema, à proporção que o processo dá certo, aumenta o estímulo a novas ações 6 EM QUESTÃO À medida que a Operação Lava Jato foi descortinando cartéis no Brasil, a quantidade de ações por reparação de danos em função da prática anticompetitiva ganhou corpo nos tribunais. O número ainda é incipiente se considerado o volume de casos apurados pelo órgão antitruste no país, mas a verdade é que empresas e pessoas cada vez mais se dão conta dessa possibilidade. Se até 2011 o número de processos não passava de duas dezenas, hoje supera os cem. “Acho que há chances de o volume de processos crescer até mesmo pela popularidade desse tipo de crime, que vem tomando os jornais, e pelo fato de que estão sendo descobertos cartéis que lesaram empresas públicas, que têm a obrigação de ir buscar ressarcimento”, avalia Daniel Andreoli, presidente da Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica da OAB SP. A iniciativa de empresas públicas acaba fomentando as discussões nos tribunais e, à medida que partes privadas assistem dar certo, podem sentir-se estimuladas a seguir o mesmo caminho. No entanto, ainda há uma série de dúvidas em relação a esse tipo de processo no universo jurídico. Em debate realizado no mês de junho pela Comissão de Estudos da Concorrência e Regulação Econômica (Cecore) da Ordem paulista, especialistas abordaram diversos aspectos da discussão. Entre elas, a definição de termo a quo do prazo prescricional, identificação da vítima, cálculo de efeitos de danos, de que maneira o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) poderia contribuir com informações de modo a não prejudicar o andamento dos processos na esfera administrativa e a realização de acordos de leniência, e os caminhos para a propositura de uma ação desse tipo, seja privada ou pública. Aspecto importante tem relação com o momento de propositura do processo. Em alguma ocasião, a parte interessada poderá ter de acessar documentos decorrentes de um programa de leniência, então dessa maneira, seria coerente que o ponto de partida fosse a decisão final do Cade. Seria uma forma de tentar equacionar os direitos envolvidos tanto do ponto de vista público, como do privado, e nas esferas judicial e administrativa. O posicionamento foi defendido pela Comissão da Ordem em consulta pública recente sobre o tema. Ainda que a ideia seja lógica e pareça o caminho mais adequado, Andreoli traz outras reflexões. “Depender da autoridade administrativa para propor uma ação pode embutir risco, caso o órgão antitruste não respeite seus próprios prazos.” Nessa linha, alguns cenários foram debatidos. Entre eles, como ficaria a demanda privada que tenha sido apresentada caso o Cade arquive o processo administrativo ou, ainda, se a decisão do órgão administrativo for anulada pelo Judiciário. Segundo Diogo Andrade, superintendente-geral adjunto do órgão antitruste, não há fórmula certeira. Ele citou exemplo de ação civil pública que seguiu até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo com o arquivamento do cartel, e houve reparação de danos. “É sustentável juridicamente buscar a reparação de danos no Judiciário a despeito do arquivamento no órgão antitruste, embora haja grandes chances de derrota na Justiça se o órgão técnico não tiver constatado lesão”, avalia o procurador do Ministério Público Federal, Rodrigo de Grandis. Na ocasião, o procurador insistiu na importância da definição do termo a quo do prazo prescricional para garantir segurança jurídica aos propositores. “Parece-me razoável fazer a contagem do prazo a partir do momento que o processo se torna público, ou seja, quando é permitido o acesso aos documentos que podem aparelhar uma reparação de danos no cível por parte de particulares”, diz. Na avaliação do procurador, o tema é importante porque a ausência de um sistema claro sobre prazo é uma das causas do número restrito de ações sobre reparação de danos. A esse motivo ele acrescenta a preparação do Poder Judiciário para enfrentar causas relacionadas a uma matéria complexa e específica como o Direito Concorrencial. Os prazos de prescrição variam de três a cinco anos se considerado o Código Civil ou o de Defesa do Consumidor, nessa ordem. Mais um foco que chama a atenção de juristas é o caminho para a propositura desse tipo de ação, que pode ocorrer via Ministério Público ou por particulares. O órgão público é autorizado por lei à proteção de interesses difusos. Como a tutela coletiva, em casos de cartel, estaria mais relacionada à proteção do consumidor no âmbito do MP, o sistema normativo incidente na propositura de uma ação civil pública seria o Código de Defesa do Consumidor. Em ações propostas por particulares, seria válido o Código Civil. O procurador acrescenta que mesmo que o cartel traga outros tipos de danos fora do âmbito da relação de consumo – como à própria concorrência e à ordem econômica de modo geral –, vê ação restrita do Ministério Público na esfera cível, em termos de tutela coletiva. “Não vejo legitimidade, por exemplo, na propositura de ação que defenda uma empresa. Não é nossa função constitucional.” Helena Najjar Abdo, doutora em direito processual pela Universidade de São Paulo (USP), presente ao evento, levantou reflexão sobre os tipos de interesses que poderiam ser tutelados via processos coletivos. Considerando os artigos 21 da Lei Civil Pública e 81 do Código de Defesa do Consumidor – um remete ao outro –, ela diz que o mais aplicável seria o direito ao interesse individual homogêneo, visto que o objeto é divisível, os sujeitos são determinados e eles são ligados pela homogeneidade e origem comum do direito. Um ente estatal teria direito a ressarcimento distinto do consumidor do serviço público e que, por sua vez, seria diferente daquele demandado pelo concorrente que se sentiu lesado. “A origem é a mesma, mas na hora de liquidar cada situação seria diferente.” Durante o encontro, os especialistas também debateram a possibilidade de indenização por danos morais e o cálculo de danos. Em geral, os órgãos antitruste não fazem esse tipo de conta devido à assimetria de informação. “Seria calcular um dano contra alguém que está se defendendo e não vai produzir provas contra si”, explica Andrade, do Cade. No entanto, ele diz que o órgão poderia contribuir com processos judiciais como assistente de acusação devido ao volume de informações que possui. ANTICOMPETITIVIDADE: Andreoli avalia que pode haver um aumento no número de processos para combater os cartéis Cristóvão Bernardo Confira detalhes do encontro


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