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Os malefícios do álcool à saúde e à segurança Especialistas advertem que não existem níveis seguros para o consumo de etílicos, responsáveis por mais de 200 tipos de patologias 22 SAÚDE Desde 11 de abril de 2008, a frase “Beba com moderação” é obrigatória em todas as propagandas de bebidas alcoólicas comercializadas no território nacional, sejam essas peças veiculadas em rádio, TV, mídia impressa ou digital. A determinação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), agência que regula o setor, se deve ao notório conhecimento sobre os efeitos nocivos do álcool à saúde e à segurança pública. Mas o que significa exatamente beber com moderação? A ingestão moderada de bebidas alcoólicas é um conceito de difícil definição. O National Institute of Alcohol Abuse and Alcoholism (Niaaa), dos Estados Unidos, utiliza o termo “beber moderadamente” para se referir àquele consumo que não implica riscos de prejuízos ao indivíduo e à sociedade. Ana Cecilia Marques, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), especialista em álcool e outras drogas, enfatiza que “não existem níveis seguros para o consumo” de álcool etílico, por tratar-se de uma substância altamente viciante. Ela é uma entre muitos especialistas que classificam o álcool como droga pesada, pela combinação de fatores prejudiciais que carrega, sendo responsável pelo surgimento de doenças graves, a deterioração das relações familiares, sociais e de trabalho, além de seu consumo estar ligado à maioria dos acidentes de trânsito. O assunto, contudo, é controverso. Como bebidas alcoólicas, mesmo legalizadas, são drogas psicotrópicas, isto é, que atuam no sistema nervoso, alterando o comportamento de quem as consome, foram definidos padrões de consumo considerados aceitáveis. Ocorre que diferentes organizações, como a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (Senad), do Bra- sil, o próprio Niaaa e a Organização Mundial da Saúde (OMS), adotam diretrizes desiguais a respeito de quais seriam os níveis seguros de ingestão de álcool. A indicação feita por especialistas são as fixadas pela OMS. A entidade entende que o limite de consumo deve ser de duas doses diárias para mulheres (cerca de 15g de etanol puro) e três doses diárias para homens (cerca de 30g de etanol puro). Por uma dose entende-se uma medida padrão de bebida destilada (uísque, cachaça, vodka), uma taça de vinho ou uma lata de cerveja. “Esses valores são estabelecidos partindo do pressuposto de que o indivíduo adulto é saudável e não tem qualquer lesão no fígado. Em casos de pessoas com doença hepática, mesmo essas pequenas quantidades podem ser nocivas”, adverte o gastroenterologista e hepatologista Roberto Carvalho Filho, responsável pelo Ambulatório de Doença Hepática Avançada da Unifesp. Portanto, a ingestão de mais de três doses de bebida alcoólica já é considerada uma intoxicação. Em outras palavras, embriaguez. “Nesse estado, o indivíduo já tem a crítica da realidade alterada pelos efeitos do álcool. Há uma ação de desinibição do sistema nervoso central com várias repercussões, como verborragia e rubor facial, por exemplo. Os dados vitais também são alterados, há aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial, da frequência respiratória. Se mais doses forem consumidas, uma depressão geral vai se instalar”, detalha Ana Cecilia Marques. O excesso do álcool provoca no dia seguinte ao consumo a indesejada ressaca, caracterizada por sede, tontura, irritação no estômago, náusea e dilatação dos vasos sanguíneos, além de queda da taxa de açúcar no sangue, o que pode levar à fraqueza e ao cansaço. A eliminação total da substância pelo organismo pode levar até 12 horas, dependendo da quantidade ingerida, do peso, do sexo e da capacidade do metabolismo de cada um. Se de um lado o consumo de álcool, especialmente quando de forma abusiva, está fortemente associado a malefícios para a saúde, de outro divulga-se há anos que uma taça de vinho tinto por dia faz bem à saúde, principalmente ao sistema cardiovascular. Seria isso mito ou verdade? “Temos evidências de que o consumo de uma taça de vinho tem algum efeito protetor ao coração. Para os pacientes que já bebem, nós orientamos a não tomar mais que uma taça diária. Mas, no caso de quem ainda não consome álcool, não estimulamos esse hábito”, explica o cardiologista Celso Amodeo, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Beber socialmente Cabe registrar que a empresa de maior valor de mercado da América Latina, segundo levantamento anual da consultoria Economática, é a Ambev (Companhia de Bebidas das Américas), que produz as principais marcas de cerveja do país. Sua influência não se restringe ao âmbito econômico – extrapola para o social e cultural do brasileiro, haja vista que suas peças publicitárias, que invadem os lares, relacionam o consumo de bebidas alcoólicas com o bom convívio social. Mas há uma confusão entre o que é “beber com moderação” e o que é “beber socialmente”. “Beber socialmente não quer dizer beber em quantidades aceitáveis. Se um indivíduo tem uma vida social intensa – o que ocorre muito com jornalistas, relações públicas, políticos etc. –, isso pode levá-lo a ingestões acima daquelas recomendas e até à dependência”, alerta Roberto Carvalho Filho. O álcool é responsável por 200 tipos de patologias, entre as quais gastrite, impotência sexual, infertilidade, arritmias cardíacas, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, demência e pancreatite. No fígado, onde 90% do álcool ingerido é metabolizado, o impacto é gradativo conforme as quantidades de bebida ingerida. A degradação costuma iniciar com uma esteatose (acúmulo de gordura no órgão), passa por hepatite alcoólica e alcança cirrose hepática. Várias podem ser as causas da cirrose, mas o álcool é responsável por cerca de 40% dos casos. Como tais problemas hepáticos são assintomáticos no princípio, os alcoolistas só procuram ajuda quando a doença está em estágio avançado. Um total de 3,3 milhões de pessoas morrem todos os anos pelas consequências da bebida – 5,9% de todas as mortes no mundo. No grupo das pessoas entre 20 e 39 anos, 25% das mortes têm relação direta com o consumo de álcool. Os dados são da Organização Mundial da Saúde, que em maio deste ano divulgou um estudo apontando que o consumo de álcool per capita no Brasil aumentou 43,5% em 10 anos. Em 2006, cada brasileiro a partir de 15 anos bebia o equivalente a 6,2 litros de álcool puro por ano. No ano passado, a taxa chegou a 8,9, superando a média mundial de 6,4 litros por ano. O Brasil figura na 49ª posição do ranking entre os 193 países avaliados. Divulgação


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