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Jornal do Advogado – Ano XLIII – nº 432 – Outubro de 2017 SÃO PAULO o estímulo tanto de empregados como de empregadores para a não formalização do vínculo de emprego. Ambos ganham com isso, um por recolher menos impostos, outro por pagar menos. Quando termina a relação de emprego, no entanto, a equação muda e o que era vantagem para ambos torna-se uma desvantagem para o trabalhador. Ele, que se beneficiou do recolhimento de imposto menor, passa a ter interesse em reclamar o reconhecimento da relação de emprego, para auferir mais direitos. Por isso tantas ações propostas por prestadores de serviço com pedido de reconhecimento de relação de emprego. O serviço intermitente é bom para empregado e empregador? O trabalho intermitente não é invenção brasileira. Existe, há algum tempo, em vários outros sistemas jurídicos, como, para mencionar apenas alguns países, Portugal, Espanha, Itália, França e também Alemanha. Pode fazer sentido em certas atividades, de natureza intrinsicamente intermitente. Os critérios adotados pelo legislador brasileiro, todavia, são, em certos pontos, desproporcionais. Menciono dois. O prazo para manifestação do empregado (um dia útil) é demasiado curto. A imposição de multa ao empregado que aceita a oferta de trabalho e não se apresenta na data prevista também é algo excessivo. Seria preciso estabelecer regime mais equilibrado, inclusive com garantias mínimas ao empregado. Num país tão grande quanto o Brasil, essa reforma atende às necessidades dos trabalhadores? E dos empresários? Em certos pontos a reforma atende a algumas necessidades dos trabalhadores. Mas, em outros pontos, não. A eliminação das horas in itinere, por exemplo, certamente prejudica os trabalhadores. A possibilidade de negociar mais livremente condições de trabalho pode ser positiva para certos empregados, mas não para outros. A regulamentação do home office significa um avanço nas relações de trabalho ou representa um retrocesso? O trabalho a distância – ou teletrabalho, como prefere o legislador – é uma realidade. As novas tecnologias abrem possibilidades impensáveis há dez ou 20 anos. Estêvão 14 ENTREVISTA A partir de 11 de novembro, o Brasil inicia uma nova fase no Direito do Trabalho, com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, que alterou mais de 100 pontos da CLT. Para o professor de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo Estêvão Mallet, a legislação tem falhas, mas também apresenta avanços como a previsão de honorários advocatícios pagos pela parte vencida. Ele aponta como erros a falta de sistematicidade e a obscuridade em várias disposições. Mallet acredita que a reforma trabalhista atacou pouco as despesas obrigatórias sobre a folha de pagamentos, um dos problemas do Brasil, provocado pelos custos acrescidos sobre o salário, que não são revertidos diretamente ao trabalhador, e cria um ônus aos empresários sem levar em consideração o faturamento das empresas. Há imperfeição na nova legislação (Lei 13.467/17)? Sem nenhuma dúvida. E não são poucas. Há erros técnicos, falta de sistematicidade, má redação e obscuridade em várias disposições. Um bom exemplo está na figura do empregado com maior autonomia para negociação. A ele se refere a lei em duas passagens, mas de maneira distinta. Para exercer a sua autonomia negocial no âmbito do contrato de trabalho, deve receber certa remuneração mensal e ter diploma de nível superior. Para pactuar cláusula de compromisso arbitral, basta a remuneração elevada. É de se perguntar se faz sentido a distinção. Ademais, a lei refere se a remuneração, mas não diz qual a base de cálculo (mensal, quinzenal, semanal, diária e horária). É de se supor que seja mensal. Outra imperfeição está na norma sobre edição de súmulas e orientações jurisprudenciais (art. 702, I, “f”). Exigiu-se pronunciamento de pelo menos “dois terços das turmas” do TST. Não se deu conta o legislador de que há matérias que não são decididas pelas Turmas, mas por outros órgãos, como a Subseção II de Dissídios Individuais. O senhor disse que a reforma atacou pouco as despesas sobre a folha de pagamento, prejudicando os empresários, o que pode ser feito para solucionar a questão? Eis um ponto fundamental. Um dos problemas do Direito do Trabalho no Brasil é provocado pelos custos acrescidos sobre o salário, que não revertem diretamente ao trabalhador. As férias são um custo do trabalho, mas beneficiam o empregado e favorecem certos setores da economia, como os de turismo e de entretenimento. Quando, porém, se financia a Seguridade Social com contribuições sobre a folha de salário, onera-se quem emprega mais e beneficia-se quem contrata menos. Pior ainda: cria-se um ônus sem levar em conta, no essencial, o faturamento da empresa. Logo, quem emprega muito e fatura pouco tem de pagar muito. Quem fatura muito e emprega pouco beneficia-se com a obrigação de pagar pouco. Não é o ideal e os mecanismos para compensar o problema são limitados e insuficientes. Além disso, o sistema tributário não favorece a formalização dos contratos de trabalho. A partir de certo valor dos ganhos mensais, o imposto pago pelo empregado passa a ser muito superior ao cobrado do pequeno empresário. O resultado é – volta-se à análise econômica do Direito – Já se pratica essa forma de trabalho, inclusive no setor público, até mesmo nos tribunais. A lei fez bem em discipliná-la. É claro que novos problemas surgirão. Pense-se no caso do empregado que desenvolve o trabalho não em outra cidade ou em outro Estado da Federação, mas em outro país. Qual a lei aplicável, a do Brasil ou a do país em que está o empregado? O senhor diria que o país está preparado para que trabalhadores e patrões possam negociar diretamente? Como regra geral, não. O Brasil é ainda um país com elevado percentual de iliteracia, com muita gente sem conhecimento, com escassos meios econômicos. Admitir a negociação direta para pessoas nessas condições não é justificável. Mas há também trabalhadores com elevados meios e capacidade econômica, por vezes maior do que a do próprio empregador. Qual sua opinião sobre a nova regra do “comum acordo”, em casos de demissões voluntárias? Mais uma vez o legislador inspira-se em soluções do direito estrangeiro. Na França, há tempos já se admite a rescisão de comum acordo, chamada de départ negocie ou rupture conventionnelle. Pode ser uma forma de diminuir as fraudes hoje praticadas para a movimentação do FGTS e recebimento do seguro-desemprego. O fato de o advogado ter de fazer constar o valor do pedido na ação deve criar um filtro para as reclamações trabalhistas? E o pagamento de sucumbência pelo demandante? Não vejo justificativa para a exigência de apresentação de pedido líquido nas ações trabalhistas. É algo pouco útil, que cria incidentes processuais desnecessários, sem ganhos para a melhor solução dos conflitos. Não está demonstrado que facilita os acordos. Não devemos pensar em criar obstáculos para o acesso à justiça. Temos, sim, de pensar em meios para tornar mais eficaz a aplicação da lei. Já a previsão de sucumbência recíproca é, sem dúvida, aceitável. Sempre sob a perspectiva da análise econômica do Direito, quem, tendo um crédito a reclamar, nada sofre inflando esse crédito, naturalmente tende a fazer isso. Há um forte estímulo para agir assim. Ademais, deve pagar pelos custos do processo quem lhe “Não vejo justificativa para a exigência de apresentação de pedido líquido nas ações trabalhistas. É algo pouco útil, que cria incidentes processuais desnecessários”


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