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COLABORAÇÃO PREMIADA Garantias fundamentais no contexto da justiça criminal Criminalistas demonstram preocupação com a forma como são conduzidos alguns institutos no Brasil, como a presunção de inocência e a delação premiada 24 O painel 34, que debateu garantias fundamentais no contexto específico da Justiça criminal na XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, contou com a participação de criminalistas e do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogério Schietti, que apresentou dados de um cenário preocupante: mesmo que o Brasil figure no topo da lista mundial em percepção de corrupção, até 2014 (levantamento mais recente) havia apenas 2,7 mil presos por crimes de corrupção no país – equivalente a 0,5% da população carcerária. “Ou não há toda essa corrupção no país, ou nosso processo de investigação e punição é seletivo”. De acordo com ele, entre 1986 e 1995 foram analisados mais de 600 casos de crime contra a Administração Pública, e apenas em 77 houve algum tipo de decisão. Desses, 62 foram arquivados e apenas 15 chegaram ao fim do processo – sendo que dez deles resultaram em absolvição. Conforme sua fala, mesmo que o país tenha aprovado mecanismos legais para lidar com esses crimes desde a década de 1990, a aplicação ainda deixa a desejar. Ao aparato jurídico, incorporaram-se recentemente os já comentados instrumentos de delação premiada e acordo de leniência. Ainda que o ministro fizesse críticas a essas ferramentas, disse não crer em retrocesso, de modo que o modelo seja abandonado, e que orientações importantes se darão via Supremo Tribunal Federal. “A advocacia reclama, com toda a razão, da omissão legislativa para regular os aspectos importantes do processo de colaboração premiada, sobretudo a delação premiada, que é a espécie do gênero colaboração, que ainda suscita muitos questionamentos que estão sendo respondidos pela jurisprudência essencialmente do STF. E acredito que é pelo Supremo que se construirão algumas orientações importantes para eventual reforma legislativa”, disse. “Não creio em retrocesso porque é um modelo mundialmente incorporado”, justificou. O magistrado lembrou que, com a globalização jurídica, houve aproximação dos sistemas integrantes da common law e da civil law – do qual o Brasil faz parte –, e por isso ocorreu assimilação de institutos. “A colaboração premiada, embora não seja novidade, sempre foi mais utilizada em países de tradição anglo-americana, nos EUA em especial. É um sistema muito diferente do nosso e que permite a negociação sobre a pena com imposição de pena sem processo, o que a meu ver é algo preocupante”, avaliou Schietti. Ele citou ainda preocupação com instituto não muito visado pela mídia, o de infiltração policial. “Não vejo igual reação da comunidade jurídica e é algo que me incomoda muito. Acho que o Poder Judiciário ainda terá oportunidade de enfrentar isso com um pouco mais de profundidade.” Os criminalistas abordaram presunção de inocência, habeas corpus, prerrogativas e publicidade opressiva. Um alerta veio no sentido de que, na sociedade atual brasileira que respira ares punitivos, os advogados têm sido rotulados como pessoas que se põem contra o combate à corrupção. “Somos apontados como se quiséssemos interromper o devido processo legal e isso é um antagonismo. Nós falamos em nome da liberdade”, disse Antonio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay. Ele defendeu a presunção de inocência e condenou prisões antecipadas. “O julgamento deste tema, sinceramente, não faz merecer a história do STF. Digo sempre que o Supremo pode muito, mas não tudo, porque nenhum poder pode tudo”, afirmou. “Como se pode afastar o princípio de presunção de inocência em um momento absolutamente punitivo e opressivo da sociedade brasileira, apoiado ainda pela grande mídia, que julgou estar ali arrumando um motivo para prender quinze ou vinte grandes empresários por causa da operação que hoje domina o imaginário nacional, como se só existisse a Lava Jato no Brasil?”. Ele reforçou que por se tratar de cláusula pétrea da Constituição Federal, só uma constituinte poderia fazer mudança a esse respeito. Tanto Kakay quanto Luiz Flávio Borges D’Urso, ex-presidente da Secional paulista, mostraram preocupação com a postura de promotores que se postam diante da mídia e da sociedade como os únicos interessados em combater a corrupção e defender a democracia. D’Urso ressaltou que as prerrogativas devem ser conhecidas por toda a advocacia, já que surgem por razão de equilibrar forças entre o Estado e o cidadão – este que, diante do poderio estatal, se vê muitas vezes apequenado. Em meio à fala, D’Urso relembrou legislações, uma ainda em formato de Projeto de Lei, que representam reforço de atuação para a classe. “A Lei 13.245, de 2016, traz a possibilidade da nulidade absoluta na fase de inquérito policial e o faz expressamente quando a parte não puder ter assistência de seu advogado no interrogatório e em outros atos de investigação dos quais participe. Lei, portanto, temos. Agora é preciso dar efetividade”, disse. O criminalista citou a legislação após criticar contexto de país em que o Ministério Público pode investigar, por meio dos Procedimentos de Investigações Criminais (PIC), quando a Constituição define essa atribuição à polícia judiciária. “O STF foi condescendente com essa ilegalidade”. Em seguida, lembrou que a Ordem acompanha o Projeto de Lei 141, de 2015, que criminaliza a violação de prerrogativas – nascido em solo paulista e cuja batalha se alonga há mais de uma década. Já Antonio Nabor Areias Bulhões se referiu à preocupação com o comprometimento da eficácia do sistema de garantias devido à atuação da mídia na veiculação de processos. “As investigações têm se desenvolvido com base em campanhas de mídia”, resumiu. “A imprensa está dominando o nosso sistema jurídico processual penal. Os processos estão se desenvolvendo à custa de trial by media, em que o processo começa, se desenvolve e a condenação se dá na mídia”. Ele disse que tem sido comum os advogados chegarem a conhecimento das denúncias ou das promoções do Ministério Público pelos veículos de comunicação. “Muitas vezes os advogados são instados pela própria imprensa a falar sobre os casos, mas não têm como responder a não ser recorrendo à própria imprensa para ter acesso às denúncias. Isso é absolutamente inaceitável num sistema jurídico penal sério.” Bulhões disse, ainda, que os maiores sistemas jurídicos do mundo têm enorme preocupação com o fenômeno da publicidade opressiva sem que, com isso, esteja em pauta ao mesmo tempo o comprometimento da liberdade de imprensa, de comunicação e de expressão. Ele adicionou o sistema norte-americano aos exemplos, que anula decisões quando a Suprema Corte Americana considera que houve prejudicial publicity, ou seja, quando avalia que uma cobertura jornalística opressiva possa ter afetado a imparcialidade do órgão de Justiça. “A Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que tão importante quanto, ou mais, do que a liberdade de informar é garantir um sistema democrático ao cidadão. Garantir-lhe um julgamento justo e imparcial mediante órgão absolutamente independente”, concluiu. Por fim, Flávia Rahal, advogada paulista, disse que a campanha contra o habeas corpus é antiga. “É inacreditável que uma garantia constitucional como essa, que há muitos anos existe no nosso ordenamento jurídico e é fortemente vinculada ao próprio exercício de defesa, possa ainda estar sofrendo ataques da índole e da gravidade que vem sofrendo”, disse. Cristóvão Bernardo Cristóvão Bernardo ALERTA: Expositores demonstram preocução com o fato de a sociedade rotular os advogados como pessoas que se põem contra o combate à corrupção


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