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PUNIR DISSEMINAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS? Taís Borja Gasparian Advogada e vice-presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB SP 13 Não factível. Para começar, é um problema global – e não é uma lei nacional que vai resolvê-lo. Há questões de difícil trato que envolvem jurisdição, inteligência artificial e muito dinheiro em jogo. Modelos antigos não se aplicam à atualidade. Há também questões conceituais. O que seriam, exatamente, as chamadas fake news? Comumente a expressão é usada para designar um falso conteúdo viral compartilhado em plataformas digitais. Trata-se de uma desinformação planejada. Mas um site claramente satírico, ao brincar com uma informação, poderia ser enquadrado como tal? Uma pessoa pode alegar que uma notícia que lhe é desagradável ou ofensiva constitua uma notícia falsa? Informações erradas são, necessariamente, fake news? A todas essas dificuldades, soma-se o perigo de que iniciativas legiferantes sejam utilizadas para perturbar a livre circulação de informações. No Brasil há ao menos três projetos de lei que tratam das fake news. Pode-se imaginar as pérolas que representam. Um deles responsabiliza os provedores de conteúdo pela divulgação de informações prejudicialmente incompletas em detrimento de pessoas físicas, além de cominar multa no valor de R$ 50 milhões para o caso de infração. Como se tais provedores pudessem esquadrinhar todas as publicações feitas em suas plataformas e definir, a seu bel prazer, o que são notícias falsas. No exterior, há pouco nesse sentido. Em outubro de 2017 a Alemanha promulgou lei para inibir as fake news, com sanções dirigidas às redes sociais. A Itália também tem projeto em discussão. São iniciativas extremamente preocupantes, pelo grau de autoritarismo que exalam. E se fossem simplesmente importadas para o Brasil, infringiriam não apenas o Marco Civil da Internet – que, aliás, já possui disposições que permitem a identificação da procedência de muitos conteúdos tidos por “anônimos” – como também a Constituição Federal. As fake news incomodam a todos. Até o Papa já condenou o mal que representam. Segundo o pontífice, as notícias falsas são verdadeiras estratégias manipuladoras, que remontariam ao início dos tempos bíblicos, quando Eva foi tentada a colher uma maçã, enganada pelas falsas informações da serpente. Não poderia haver definição mais adequada. E se remontam a tempos tão passados, certamente não é agora que precisamos de uma lei. ão há dúvida de que as fake news são abjetas. Mas daí a começar a combatê-las com a promulgação de uma nova lei é um grande engano. A criação e divulgação de notícias falsas é um fenômeno que mal começa a ser decifrado. Não basta apenas proibir a publicação desse noticiário, ou impor multas astronômicas às redes sociais. Estamos diante de um novo business, que usa tecnologia de ponta e muito dinheiro a serviço de uma estratégia global de desinformação. Editar nova lei, sem que se tenha conhecimento suficiente sobre o assunto, certamente não produzirá o efeito desejado. Há pouca diferença, quanto ao conceito, entre fake news e velhas táticas de manipulação. Os papéis do Pentágono, nas reflexões de Hannah Arendt sobre a verdade na política, e agora no filme de Spielberg, tratam de um famoso exemplo. Fotomontagens e veiculação de notícias falsas há muito existem, e basta lembrar de Orson Welles e a invasão dos marcianos. O diferencial, agora, repousa na rapidez da disseminação e na dimensão do alcance. Os números são estarrecedores. Foram identificados mais de 100 sites que divulgaram notícias falsas para favorecer Trump nas eleições norte-americanas, e que eram operados a partir da Macedônia. O New York Times investigou uma companhia americana especialista em criar e vender perfis falsos em mídias sociais e concluiu que só essa empresa é dona de ao menos 3,5 milhões de contas automatizadas, os chamados bots, que simulam pessoas reais. Acredita-se que a empresa já tenha oferecido aos seus clientes mais de 200 milhões de seguidores. Num mundo em que ter muitos seguidores ou cliques vale dinheiro, dá até para entender a perniciosa lógica do sistema, que atinge a política e o mercado publicitário. Em busca de audiência, algumas empresas anunciam também em sites cujo business core é a divulgação de notícias falsas. Apesar de alguns desses portais serem conhecidos, não adianta fechá-los: seus editores inauguram novas páginas com imensa facilidade. Ainda assim, a edição de uma lei que acabe com essas iniciativas está longe de ser Cristóvão Bernardo A divulgação de notícias falsas é um problema global e não é uma lei nacional que vai resolvê-lo Jornal do Advogado – Ano XLIII – nº 435 – Fevereiro de 2018 SÃO PAULO


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