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DEBATE IMPRIMIR VOTO NA URNA ELETRÔNICA PODE PROVOCAR Maria Paula Dallari Bucci Professora da Faculdade de Direito da USP A adoção das urnas eletrônicas no Brasil foi um gesto de ousadia que se revelou um grande acerto para o desenvolvimento da nossa democracia 12 Vote sobre o tema na versão on-line: http://www.oabsp.org.br/jornal Sim uem estuda a história da República Velha no Brasil se depara com a maior vergonha nacional, que foram as “eleições a bico de pena”. A fraude eleitoral era pública e notória, mas conservava a legalidade formal, uma vez que tudo era lavrado em papel. Esse é um traço da nossa cultura jurídica que há algumas décadas vem sendo desfeito, com a adoção do voto eletrônico, em 1996. Como festejam importantes cientistas políticos, “as fraudes eleitorais foram praticamente eliminadas”. Com o quarto maior eleitorado do planeta, atrás apenas da Índia, Estados Unidos e Indonésia, apesar do tamanho do território, as eleições são competitivas e os resultados proclamados poucas horas depois do término da votação (Jairo Nicolau, Eleições no Brasil, Zahar, 2012, p. 7). Fernando Limongi, José Antonio Cheibub e Argelina Figueiredo têm a mesma opinião, observando que mesmo em eleições “altamente polarizadas, a disputa eleitoral não levou à contestação consequente da legalidade do processo eleitoral” (Participação política no Brasil, in Trajetórias das Desigualdades, Marta Arretche, org., Ed. Unesp, 2015, p. 23). Portanto, não é necessário nem prudente alterar o regramento eleitoral que determinou a adoção das urnas eletrônicas. Mas não é o que pensa o Congresso Nacional, ao reintroduzir a impressão do voto, na Lei nº 13.165 (“minirreforma eleitoral” de 2015), no artigo 59-A: “No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”. Há uma queda de braço em torno desses dispositivos, vetados pela então presidente Dilma Roussef, e posteriormente restabelecidos com a derrubada de veto. A Procuradoria-Geral da República argui a sua inconstitucionalidade (ADI 5889), com base em precedente do Supremo Tribunal Federal (ADI 4543, julgada em 2014). Os maiores riscos, comprovados nas experiências piloto realizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dizem respeito ao anonimato e ao sigilo de voto. A facilidade, por exemplo, de o eleitor fotografar a cédula com o celular para comprovar o voto em alguém seria a materialização do “voto de cabresto digital”, a trazer de volta as piores práticas do Brasil do século passado. Além disso, há os custos da impressão – nada desprezíveis –, que o TSE calcula em cerca de R$ 1,8 bilhão. Para se ter ideia da grandeza desse valor, ele ultrapassa o montante do fundo eleitoral criado com a proibição do financiamento empresarial de campanha, de R$ 1,7 bilhão. Isso não significa que não se possa aprimorar a segurança do voto eletrônico. Há sistemas mais modernos criados para isso, como o Helios Voting, desenvolvido no Instituto de Tecnologia de Massachussets, dos EUA; pelo Grupo de Criptografia e Segurança da Informação (https://heliosvoting.org). Esse sistema, de código aberto, vem sendo adotado pela Universidade de São Paulo nas eleições de seus dirigentes e foi definitivamente testado na escolha da lista tríplice de reitor, em novembro de 2017, quando a coleta do voto de milhares de eleitores foi feita integralmente on-line. Cada voto foi criptografado, como ocorre com uma transação bancária, e a totalização foi feita automaticamente pelo sistema (https://votacao.usp.br/info). A adoção das urnas eletrônicas pelo Brasil foi um gesto de ousadia que se revelou um grande acerto para o desenvolvimento da nossa democracia. Esse passo deve nos orgulhar e servir de inspiração para outras melhorias modernizadoras, não para retrocessos. Melhor concentrar as energias nos avanços necessários na propaganda política e no barateamento das campanhas, para impedir que se perpetue a maior fonte da corrupção no país, que não está no voto eletrônico, mas nos problemas de financiamento das eleições. Foto José Luís da Conceição


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