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A automedicação e os riscos para a saúde Analgésicos e anti-inflamatórios, quando combinados, podem acarretar em quadro de nefrite e doença renal séria 22 SAÚDE Basta uma dor de cabeça ou uma tosse que para recorramos àquele remédio que temos guardado na bolsa ou em alguma gaveta de casa. A evolução da farmacologia deu-nos a possibilidade de curar diversas enfermidades, algumas até então fatais. Mas os fármacos não são inofensivos e seu uso, especialmente quando indiscriminado e sem prescrição médica, pode mascarar doenças, anular o efeito de outros medicamentos e até ser a causa de enfermidades sérias e irreversíveis, trazendo consequências também para o sistema público de saúde. Uma pesquisa do Instituto de Ciência Tecnologia e Qualidade (ICTQ), que atua nas áreas de pesquisa e pós-graduação com foco no mercado farmacêutico, realizada em 2016, entrevistou 1.480 pessoas de 12 capitais brasileiras, e mostrou que a automedicação era praticada por 76,4% delas. Entre as que adotavam essa prática, 32% tinham o hábito de aumentar as doses de medicamentos prescritos por médicos com o objetivo de potencializar os efeitos terapêuticos, o que também é considerado uma forma de automedicação. Os analgésicos (paracetamol e dipirona, por exemplo) e os anti-inflamatórios (ibuprofeno, nimesulida e outros) são os medicamentos mais consumidos sem orientação médica, até por serem de fácil acesso, já que são vendidos sem receita e têm efeito rápido. Mas seu uso imoderado e prolongado pode ser extremamente ameaçador à saúde. Esses anti-inflamatórios podem causar sangramentos e hemorragias, insuficiência renal e gastrite. Se forem produzidos à base de corticoides, bloqueiam o sistema de defesa do corpo e causam afinamento da pele, úlcera, problemas nos dentes, glaucoma, osteoporose, depressão, hipertensão e diabetes. Já os analgésicos trazem alguns riscos similares, como sangramentos e danos hepáticos, e são os campeões em esconder e agravar doenças, além de seu poder de dependência e até resistência, já que em certo momento as dosagens baixas deixam de serem eficazes, levando o paciente a se automedicar mais de uma vez na tentativa de aliviar a dor. Se combinados, analgésicos e anti-inflamatórios podem gerar um quadro de nefrite analgésica, doença renal séria diagnosticável apenas via exames laboratoriais. Os diuréticos, usados para perda de peso, são outras substâncias bastante consumidas pelos brasileiros sem qualquer orientação médica e que têm efeitos nocivos. Diminuem os níveis de potássio e sódio do corpo, causando câimbras e arritmias cardíacas, além de outros riscos cardiovasculares e renais. “A automedicação torna-se ainda mais perigosa quando realizada por idosos, os quais, em geral, tomam uma larga cartela de medicamentos para controlar doenças crônicas. A frequência de interações negativas entre remédios tomados sem prescrição médica é maior nessa população”, afirma Álvaro Atallah, professor da disciplina de Medicina Baseada em Evidências da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Como agravante, cerca de 16 milhões de brasileiros são alérgicos a algum tipo de medicamento, segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). Superbactérias São inúmeros os malefícios da automedicação e, como destaca Atallah, não se restringem apenas aos indivíduos que a praticam. “O uso indiscriminado de antibióticos nos últimos anos contribuiu para o surgimento de superbactérias, contra as quais ainda não temos terapêuticas eficientes”, ressalta o professor da Unifesp. No Brasil, a regulamentação de medicamentos baseia- -se nos graus de toxicidade e de segurança de cada substância ao usuário. Na prática, tarjas pretas ou vermelhas (ou a falta delas) na embalagem de cada medicamento indicam se determinado medicamento pode ou não ser adquirido, com ou sem a apresentação da receita médica e se uma de suas vias deve ou não ficar retida na farmácia. Portanto, a automedicação tem de ser a exceção e não a regra. De acordo com especialistas, excluindo aquelas pessoas que precisam tomar remédios de uso contínuo para doenças crônicas, não é necessário ter uma grande variedade de remédios em casa para enfrentar mal- -estares comuns, pois o excesso de remédios à mão pode levar ao consumo inadequado. “O ideal é que a pessoa defina com seu médico de confiança quais remédios ela pode ter em casa, caso uma ou outra situação ocorra esporadicamente”, sugere o farmacêutico e professor aposentado do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Moacyr Luiz Aizenstein. Eventualmente, o farmacêutico pode ajudar na hora de tomar um remédio. “É o que chamamos de atenção farmacêutica, que consiste na interação direta e íntima entre o farmacêutico e o usuário. O profissional avalia a situação do paciente e o conduz para a medicação mais adequada e menos nociva para seu quadro, e, se necessário, ao consultório médico”, diz o professor. Aizenstein ressalta, contudo, que é impossível assegurar 100% de eficácia terapêutica e segurança ao paciente. “Os estudos clínicos de um medicamento contemplam uma pequena amostragem da população. Quando esse mesmo medicamento cai na população em geral, que é genética e fenotipicamente diversa, um único comprimido pode servir para curar uma enfermidade ou não; pode servir para aliviar uma dor ou causar outra”, destaca. “Em torno de 30% das intoxicações que chegam ao Hospital das Clínicas são por medicamentos mal utilizados”, conta. Segundo ele, essas intoxicações ocorrem em parte pela ingestão de remédios sem prescrição médica, a partir da indicação de familiares, amigos, colegas e vizinhos, mas também por prescrições médicas inadequadas, falhas dos profissionais de saúde em mensurar e identificar a origem da dor e a complexidade de seus pacientes.


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