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DEBATE A TRANSMISSÃO DAS SESSÕES DO Na França, como quase em todo o resto do mundo, os juízes cumprem seu ofício discretamente. Não são atores da televisão 12 Vote sobre o tema na versão on-line: http://www.oabsp.org.br/jornal Eros Roberto Grau Sim Advogado, ministro aposentado do STF e professor emérito da Faculdade de Direito da USP Cristóvão Bernardo m 2005 esteve em visita ao Supremo Tribunal Federal um membro do Conselho Constitucional francês. Nelson Jobim, então presidente do STF, sabendo da minha proximidade à França – professor que fui por lá –, incumbiu-me de recebê-lo. Conversamos muito e ele ficou espantado quando soube da quantidade de processos nos gabinetes dos nossos ministros. Disse-me então que seu tribunal julgava a cada ano não mais do que oitenta e poucos processos! Alguns meses depois, nas férias, voltei a Paris, ele recebeu-me em seu tribunal e fomos almoçar. Tomamos a Avenue de l’Opera e, após caminharmos por umas três quadras, ele parou e perguntou se eu percebera que ninguém o conhecia! Na França, como quase em todo o resto do mundo, os juízes cumprem seu ofício discretamente. Não são atores da televisão. Cá entre nós, as sessões do Supremo Tribunal Federal transformaram-se em espetáculo televisivo. Uma cena é realmente inesquecível: um ministro falava sem parar, por quase uma hora, o presidente da sessão – o Jobim, outra vez agora citado neste meu texto – o interrompeu e o sujeito explicou que não estava falando para os membros do tribunal. Falava para a televisão! Como se estivesse a participar de um espetáculo teatral. Permitam-me lembrar que os textos da Constituição Federal e das leis são uma coisa e as normas deles extraídas outra. Isso porque a norma é expressão do texto normativo no quadro da realidade, exatamente no momento em que a Constituição e as leis estiverem sendo aplicadas. Eis um exemplo bem expressivo: nosso Código Penal, de 1940, tipifica como crime o atentado público ao pudor; daí que uma mulher que em 1943 fosse à praia ou à piscina de maiô de duas peças, cavado, seria perseguida pela polícia; bem ao contrário, uma mulher que hoje lá vá de topless – não a mesma mulher! – não será importunada. As normas jurídicas são a expressão dos textos normativos dos quais extraídas no quadro da realidade, aqui e agora. Bem a propósito, lembro o que afirmou o general Charles de Gaulle em seu discours et messages: a Constituição é um envelope. O que está contido dentro dela surge no e do dinamismo da vida político-social. Quem aplica os textos normativos há de ser capaz de apreender esse dinamismo. E de modo tal que, ainda que não tenha consciência disso, o movimento da realidade o conduzirá a essa apreensão. Os textos da Constituição e das leis apenas adquirem força normativa na medida em que as normas jurídicas estejam sendo cotidianamente reconstruídas pelos juízes e tribunais. Isso, porém, não os autoriza a valerem-se de princípios para se afirmarem. Ao ponto, por exemplo, de votos serem proferidos a partir de um tal de princípio da busca de felicidade! Se a coisa é assim, por que não o princípio da alegria? Ao ponto de a transmissão das sessões do STF pela TV Justiça findar por transformar a prudência – jurisprudência – em arte. Tenho sustentado, reiteradamente, que a interpretação é uma prudência -– o saber prático, a phrónesis a que refere Aristóteles na Ética a Nicômaco. O homem prudente, diz ele, é aquele capaz de deliberar corretamente sobre o que é bom e conveniente para si próprio, mas não sob um aspecto particular, porém de um modo geral, considerando aquelas coisas que conduzem à vida boa em geral. A prudência não é uma ciência nem uma arte. O objeto da ciência é demonstrável. A arte visa à produção de algo cujo princípio de existência está no artista, não na coisa produzida. A prudência é uma virtude que não discerne o exato, porém o correto. Os juízes haveriam de ser praticantes da jurisprudência, não da arte televisiva. Ocorre que hoje em dia, posando de artistas, expõem suas individualidades na televisão. Glosando uma canção de Roberto Carlos: “juízes sem preconceito/ sem saberem o que é o Direito/ fazem suas próprias leis!” Não resta a menor dúvida: a transmissão das sessões do STF pela TV Justiça tem de acabar.


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