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Um transtorno em busca de constantes explicações Especialistas ainda procuram razões para as causas que provocam o autismo, cujo número de casos têm aumentado 22 SAÚDE Quando o filho mais novo de Ana Maria Serrajordia foi diagnosticado com autismo, em 1983, aos quatro anos, poucos psicólogos e psiquiatras especializados tinham conhecimento dessa síndrome. Felizmente, o quadro atual é outro, graças às campanhas mundiais de conscientização e, especificamente no território brasileiro, à Lei nº 13.438/2017, que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a adotar protocolos padronizados para a avaliação de riscos ao desenvolvimento psíquico de crianças, o que inclui o diagnóstico precoce do transtorno do espectro autista. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma desordem neurológica de alta complexidade, que engloba os espectros nomeados individualmente como autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtornos do desenvolvimento e transtorno de integrativo da infância. Hoje, classifica-se o autismo pelo seu nível de intensidade, que vai do leve ao moderado e até o grave. A depender do grau de comprometimento, a manifestação acontece das seguintes formas: a criança não mantém contato visual, tende a ter gestos ou fala repetitiva, resiste a mudanças de rotina, age como se fosse surdo, há déficit na comunicação verbal, não se mistura com outras crianças, resiste a novos aprendizados, apresenta apego a objetos mais do que a pessoas, é hipersensível a ruídos e texturas, é seletiva na alimentação, tem dificuldade de dormir, não demonstra medo de situações perigosas, apresenta risos e movimentos não apropriados às situações em que está inserida ou apresenta um comportamento indiferente às emoções alheias, arredio e, às vezes, agressivo. Esses sinais não têm caráter progressivo. Em 1983, o filho de Ana Maria apresentava quase que todos esses sintomas e, por isso, foi identificado com o grau mais severo da doença. Ela recorda o momento do diagnóstico e conta como aprendeu a lidar com a nova realidade. “Não foi nada fácil. Para nenhum pai e mãe é. O que me ajudou a superar o choque inicial e a conviver da melhor maneira possível com o autismo do meu filho foi ter acesso à informação, isto é, entender o autismo nos seus mínimos detalhes e trocar essa informação com outros pais que estavam na mesma situação”, revela. Ciosa do poder da informação, Ana Maria fundou em 1983, ao lado de outros pais de crianças autistas, a Associação de Amigos do Autista (AMA), a primeira associação beneficente e sem fins lucrativos de autismo no país, destinada a amparar e a garantir dignidade à pessoa com autismo e, ao mesmo tempo, dar suporte a sua família. Hoje, a associação mantém quatro unidades de atendimento próprias na capital, distribuídas pela região do Cambuci e de Parelheiros, que atendem 300 crianças e suas famílias. A AMA trabalha para construir mais uma unidade, agora na região da Vila Ré, zona leste da cidade. O endereço das unidades pode ser consultado no site da instituição (www.ama.org.br), assim como mais informações a respeito do transtorno e dos direitos das pessoas com autismo. Uma das perguntas mais comuns feitas após um diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista é o que o causou. Desde que o psiquiatra austríaco Leo Kanner fez a primeira descrição do quadro, em 1943, inúmeras pesquisas têm sido feitas para tentar entender os fatores que levam ao TEA. Muitas teorias já foram levantadas para explicá-la, e um número igual delas já foi refutado. Chegou-se a dizer que a vacina tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) poderia causar uma intoxicação que levaria ao autismo, e até mesmo que a falta de vínculo da mãe com o bebê seria responsável pelo surgimento dos sinais. “O que é consenso na literatura atual é que existem fatores genéticos, hereditários ou de mutações que coincidem com o Transtorno do Espectro Autista”, esclarece a presidente do Departamento Científico de Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Liubiana Arantes de Araújo. “As pesquisas mais recentes investigam se há uma possível associação e relação entre esses fatores genéticos e o ambiente (como infecções, inflamações e até os níveis de poluição do ar), que favoreceriam o desenvolvimento do TEA”, salienta a especialista. Antes, o autismo era considerado uma condição rara, que atingia uma em cada duas mil crianças. Hoje, a Organização Mundial da Saúde calcula que essa desordem afeta uma em cada 160 crianças no mundo. Até o momento, o suposto aumento no número de casos registrados de autismo tem sido atribuído à melhor acurácia diagnóstica, mais do que a um crescimento propriamente dito. Não existem exames específicos para diagnóstico de autismo. O quadro é identificado de forma clínica, por meio da observação direta do comportamento e de entrevistas com os pais. Alguns especialistas podem requerer exames, mas estes são para descarte de outras anormalidades que podem estar interferindo no desenvolvimento neuropsicomotor da criança. No diagnóstico, o médico observa a seguinte tríade de características para atestar a presença do Transtorno do Espectro Autista: dificuldade de comunicação não-verbal e verbal, padrões restritos e repetitivos, sejam eles verbais ou comportamentais, e dificuldade de interação social. Em seguida, define-se o grau de intensidade da desordem. O diagnóstico precoce do autismo é fundamental, como explica Liubiana. “O cérebro infantil possui muito mais sinapses do que o cérebro adulto, o que torna essa fase um período rico em janelas de oportunidades. Quanto mais cedo o autismo é identificado, melhor é a resposta aos estímulos do tratamento”, detalha, antes de sublinhar: “As intervenções não representam uma cura”. Uma vez diagnosticado, indica-se um imediato acompanhamento multidisciplinar, que pode envolver neurologistas, psicólogos, psiquiatras, fonoaudiólogos e educadores físicos de modo a desenvolver um programa de intervenção. Quanto ao atendimento psicológico, o autismo conta com um protocolo terapêutico específico em que se destacam as abordagens ABA (sigla em inglês que significa análise do comportamento aplicado) e TEACCH (Tratamento e educação para crianças com autismo e com distúrbios correlatos da comunicação). A escolha do método terapêutico adequado é feita pelo médico juntamente com os pais da criança, tomando-se em consideração as especificidades do caso. Aos 69 anos, Ana Maria e seu filho são a prova viva de como a abordagem terapêutica imediata faz a diferença: “Meu filho tinha problemas de comportamento gravíssimos, mas graças às terapias, hoje, ele está muito melhor e mais calmo. E é a minha alegria”, afirma. Divulgação


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