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Jornal do Advogado – Ano XLIII – nº 438 – Maio de 2018 SÃO PAULO Do direito à moradia às ocupações de risco 7 EM QUESTÃO Na madrugada do dia 1º de maio, a maior cidade do Brasil estremeceu com o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paiçandu, região central de São Paulo. Após um incêndio, o prédio desabou, deixando um total de sete mortos e 171 famílias desabrigadas. Alvo de uma ocupação irregular organizada pelo Movimento Social de Luta por Moradia (MSLM), o edifício era objeto de um impasse. Propriedade da União, mas cedido temporariamente à Prefeitura, e alvo de um inquérito no Ministério Público, que avaliou a ocupação e os riscos da estrutura e que descartou uma interdição, o caso teve agora o inquérito reaberto. Em nota, o Ministério Público de São Paulo informou que, mesmo com o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros vencido, os órgãos fiscalizadores, a Defesa Civil e a Secretaria Especial de Licenciamento não viram risco concreto. Diante da tragédia, paira a dúvida sobre a responsabilização em casos de ocupações de risco. Neste caso específico, Marcelo Manhães de Almeida, presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OAB SP, avalia que a responsabilidade é dos três entes: União, Estado e Prefeitura. Além destes, soma-se à responsabilidade os movimentos sociais que promoveram a ocupação de risco. “Nessa situação, que desperta comoção social pela proporção da tragédia, a sociedade entende que tem uma crise que foi deixada de lado durante anos e quer saber quem são os responsáveis pelo problema e pela solução. Como protagonistas da responsabilidade específica deste episódio, temos os três entes muitos ligados entre si, a União, o Estado e a Prefeitura, e também a quota de responsabilidade dos movimentos sociais”, reforça o advogado. Na mesma linha sobre a definição dos envolvidos no caso, o vice-presidente da Comissão, Pedro Augusto Machado Cortez, acrescenta que a responsabilidade de um não exonera a do outro. “A União foi totalmente inerte ao admitir esta ocupação; como proprietária, deveria ter impedido. Se ocorreu o acidente, ela é responsável também pela inércia, bem como são responsáveis os movimentos sociais, o estado e o muni- Para Marcelo Manhães, a responsabilidade em casos de risco cabe à União, ao Estado e à Prefeitura, além dos movimentos sociais que promoveram a ocupação cípio. Estado e município deveriam estar atentos e vigilantes, impedindo através do Ministério Público, com ações próprias, uma habitação nessas condições desumanas, colocando a vida das pessoas em risco. A responsabilidade é inerente a todos. Agora, um dos aspectos mais importantes é não permitir que este tipo de situação aconteça novamente.” A força-tarefa da Prefeitura para identificar e fiscalizar imóveis que estejam em condições similares à do Wilton Paes de Almeida é uma das iniciativas necessárias para evitar que haja outra tragédia como esta. Os advogados ainda apontam outras medidas que contribuem para solucionar o problema na cidade de São Paulo. Crise de habitação A Fundação João Pinheiro, responsável pelo cálculo oficial do déficit habitacional no Brasil, aponta que o Estado de São Paulo apresentou um déficit de 1 milhão e 337 mil habitações em 2015. A Constituição Federal assegura em seu artigo 6º o direito à moradia. Para equacionar este problema, Marcelo Manhães destaca a necessidade de construção de um plano de política habitacional, que envolva o poder público e a iniciativa privada, para se criar um programa que ultrapasse os governos e tenha continuidade. “Depois do programa Minha Casa Minha Vida, iniciou-se uma cultura de trabalho conjunto das três esferas. Temos basicamente o município disponibilizando infraestrutura do local e o terreno, o estado contribuindo financeiramente e o governo federal com um programa de financiamento a juros baixos. Começamos a sentir essa interação entre os três entes da federação, mas ainda falta muita coisa. O empreendedor tem de participar da formulação. A iniciativa privada precisa ser chamada para construir habitação de interesse social para locação. O que precisa ter é moradia, não necessariamente de que o cidadão seja o dono deste imóvel, mas precisamos de habitação social”, defende Manhães, que também pontua sobre o custo das construções do governo, que são mais onerosas, devido às desapropriações e à morosidade deste processo. Além do que, essas moradias construídas por programas como o Minha Casa Minha Vida são longe do centro, trazendo outras demandas para o poder público, destaca o vice- -presidente da Comissão: “Tivemos uma experiência forte com a construção de habitações de caráter social pelo programa Minha Casa Minha Vida. Mas o que aconteceu foi que estas habitações estão fora dos grandes centros, dificultando o dia a dia e a própria função social de uma moradia digna. Quando você joga esta população para a periferia, está segregando mais uma vez, e criando outra dificuldade, de locomoção e transporte, por exemplo”, diz Cortez. Para o vice-presidente da Comissão de Direito Urbanístico, a parceria entre estado e iniciativa privada poderia se concretizar com incentivos fiscais. “A iniciativa privada seria atraída através de benefícios de ordem fiscal, tanto para a construção quanto para a administração dessas unidades, tudo com tratamento fiscal adequado. Existem no Congresso Nacional projetos que tratam dessa questão da locação social, para que ela se efetive tornando-se atraente por meio de benefícios fiscais e renúncia fiscal. Toda cidade do país tem esse problema, em menor ou maior escala. Qualquer política de habitação social que seja de exclusiva responsabilidade do estado, ou que seja cobrada apenas do estado, vai ser levada ao insucesso. Temos de trazer a iniciativa privada e aceitar essa contribuição para resolver o problema”, opina. Com este cenário, é necessário que a sociedade civil organizada e as entidades representativas cobrem os entes públicos para solucionar a crise do déficit habitacional. É este também o papel da Seção São Paulo da Ordem, assegura Marcelo Manhães: “As vítimas do desabamento podem incentivar o Estado a apresentar alternativas e o fazem através dos movimentos sociais e provocação do Ministério Público. Ações judiciais de reparação de danos serão estimuladas ou instauradas por aqueles que foram diretamente lesionados. De um lado, temos as pessoas atingidas e do outro, temos a comunidade como um todo, o cidadão de São Paulo. A sociedade pode fazer isso com ações populares contra alguns atos ou omissões dos governantes. E aqueles que, dentro da cidade, estão interessados, para que se apresente uma alternativa de política habitacional, devem fazê-lo por intermédio de seus órgãos, a sociedade civil organizada. A OAB tem esse papel também e o presidente da Secional paulista, Marcos da Costa, é sensível ao tema. A instituição já organizou eventos para debater sobre as alternativas de habitação de moradia, trazendo esses protagonistas e não deixando sair da pauta. No primeiro mês fala-se muito disso, depois a notícia fica velha, cansada. O cidadão comum pode até se dar ao luxo de esquecer essa cobrança, mas as entidades não podem deixar este assunto morrer. É preciso discutir com o poder executivo a busca de alternativas. Se o cidadão comum vira a página do jornal e procura outra notícia, as entidades não podem virar. Temos de manter isso na pauta de discussão e de cobrança, e é isso que faremos, porque pode acontecer de novo e nós não podemos deixar esse vazio”, concluiu. José Luís da Conceição


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