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Jornal do Advogado – Ano XLIV – nº 439 – Junho de 2018 SÃO PAULO SER INSTRUMENTO DE COMBATE À VIOLÊNCIA? Advogado, membro efetivo da Comissão de Direito às Artes da OAB SP 21 Não Dinovan Dumas de Oliveira José Luís da Conceição ão é preciso nenhuma engenharia interpretativa para considerar que investimento em cultura como forma de educação do indivíduo (e, consequentemente, combate à violência) é uma das ferramentas de todo e qualquer país e ou governante inteligente. A obviedade desse tipo de questão é tão gritante quanto à necessidade de investir em saneamento básico para evitar gastos com saúde, educação, meio ambiente etc. Logo, quando a essência da questão soa da forma tão enérgica e enfática (precisa?), fica praticamente impossível responder ‘não’. Para todos aqueles que pensam a cultura como instrumento de desenvolvimento humano (sobre isso, uma dúvida: há ainda quem não pense assim?), não há alternativa para a ideia de que o ‘mais’ é sempre bem-vindo. A pedra de toque da questão, portanto, repousa no advérbio: precisa de ‘mais’? Aí o terreno do ‘não’ fica mais palatável, especialmente se considerarmos a forma como as coisas têm acontecido ultimamente. Não é de hoje que cultura é uma área esquecida. Não sou expert em Brasil, mas, cá entre nós, sem nenhum esforço intelectual é possível concluir que há muito a cultura não desperta a atenção do governante brasileiro. Pelo menos não como parte integrante dos direitos humanos, como dispõe o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E para concordar com essa ideia, basta dedicar poucos minutos para a leitura da Medida Provisória 841, por meio da qual o Executivo Federal pretende tirar recursos que por Lei são destinados à área cultural para investir (é curioso o devaneio do governo com o significado do termo ‘investimento’) no Fundo Nacional de Segurança Pública. Trocando em miúdos, é tirar dinheiro do ‘educar’ para colocar no ‘repreender’. E o mais engraçado dessa história toda é que o presidente da República, amparado pelos seus asseclas, pretende tirar dinheiro de um lugar para onde ele nunca mandou nem um Real. Para que o leitor entenda: Em dezembro de 1991 foi promulgada a Lei Federal 8.313, que instituiu no Brasil o chamado Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Segundo a norma, a materialização do Pronac seria possível por meio da constituição do Fundo Nacional de Cultura (FNC), Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e de Incentivos a Projetos Culturais (mecenato). O artigo 5º da Lei indicava (antes da MP 841) que o Fundo Nacional de Cultura seria formado por, entre outras coisas, 3% da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais e similares, valendo dizer, porém, que o governo simplesmente ignorou essa imposição, o que motivou o Conselho Federal da OAB, a pedido da OAB SP (após estudo realizado pela sua Comissão de Direito às Artes), a distribuir Ação Civil Pública contra a União Federal, visando que o judiciário determine a efetivação do repasse automaticamente após o recebimento dos valores citados nas linhas anteriores, dos últimos cinco anos. Ainda assim, isto é, mesmo não tendo cumprido com o seu dever de, através do A cultura não precisa de ‘mais’ fomento. A cultura só precisa do que é dela. repasse de três 3% da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais e similares, fomentar a cultura, a União editou a MP 841 para redistribuir os recursos das loterias federais para o Ministério da Segurança Pública, reduzindo o percentual destinado ao FNC de 3% para 0,5% ou 1%. Seria cômico, não fosse trágico! Especialmente em um sistema constitucional que adota a cidadania como fundamento da República e que praticamente constrange o Estado (veja, entre outros, os arts. 215 e 216-A da CF) a garantir aos cidadãos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, conforme ensinou o sempre professor Manuel Alceu Affonso Ferreira na Revista do Advogado (outubro de 2012), debatendo assunto referente a biografias não autorizadas. Dado esse cenário (onde o protagonista é o cidadão), a conclusão é que não, a cultura não precisa de ‘mais’ fomento por ser instrumento de combate à violência. A cultura só precisa do que é dela. E para poder ser tudo aquilo que ela é incluindo-se aí a sua condição de instrumento de combate à violência.


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