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PASSOS DA DEMOCRACIA
Lei Maior é avaliada por especialistas na USP
Em meio aos debates que vêm sendo promovidos por diferentes
instituições sobre a Constituição Federal de 1988, o presidente
da OAB SP, Marcos da Costa, marcou presença em evento
organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (FDUSP) no dia 21 de setembro último. O dirigente participou
da abertura e também em um dos painéis da parte da
tarde, quando especialistas recordaram aspectos do processo
constituinte e avaliaram a Carta Magna. Houve concordância
no sentido de que há inúmeros desafios para realizar o que o
documento promete – e que revisões são necessárias –, no
entanto, apesar disso e sobretudo em meio à crise que o país
vive, é importante enaltecê-la. “Mesmo com pontos a reavaliar,
e inclusive no que diz respeito ao fortalecimento de nossas
instituições, a Constituição ainda nos permite estar aqui hoje
discutindo abertamente as questões da sociedade”, pontuou o
dirigente de Ordem.
O advogado destacou, ainda, a liberdade como conquista
fundamental da Carta. Ele lembrou que, quando elaborada, o
país havia acabado de sair de longo período de ditadura militar
e que vivenciou mais de um período de exceção ao longo de
sua História. Marcos da Costa disse que, apesar da intolerância
generalizada que o Brasil assiste hoje, vê avanços importantes
no campo dos direitos humanos. Ademais, salientou outras
temáticas. Uma delas foi o fato de o documento ter valorizado
significativamente a estrutura de Justiça. O presidente da Secional
da Ordem fez, também, duras críticas às iniciativas que
vieram à tona no pacote de Dez Medidas contra a Corrupção,
que ganhou espaço de debate no Congresso Nacional em 2017.
Em meio a elas foram sugeridas restrições ao habeas corpus,
importante ferramenta do processo de realização de Justiça.
“Sabemos pelos historiadores que a volta do habeas corpus
representou o início do fim da ditadura militar.”
O evento da FDUSP, realizado também ao longo dos dias 01 e 05
de outubro, teve como objetivo permitir reflexão crítica em relação
aos vários aspectos da Carta. “É importante reiterar o fato, nesse
momento do país, de que a Lei Maior é de vital importância para
a nossa democracia”, destacou o diretor da Faculdade de Direito
da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto. O professor da área
de Departamento de Estado da FDUSP, Virgílio Afonso da Silva,
disse acreditar que o país mudou muito ao longo dos últimos 30
anos, apesar da difícil leitura nesse sentido agora que o país vive
momento de crise e desilusão. “Estou convencido que a Carta teve
papel relevante nessa mudança”, comentou. “Mas não se pode
negar que há outro lado: passado esse tempo, o Brasil continua
marcado por profundas desigualdades”. O docente destacou
a igualdade como diretriz trazida pela Constituição. Para ele, a
Carta não previu meios para realizar uma série de mudanças que
estabelecia e, passadas as décadas, a euforia sobre seu papel
de início transformador foi diminuindo aos poucos. “Mas minha
tese é a de que o potencial transformador da Constituição Federal
continua lá, mesmo depois de 30 anos. Para realizá-lo é necessário
ir muito além do já feito, especialmente no âmbito da igualdade,
mobilizando todas as áreas, Executivo, Legislativo e Judiciário”. De
acordo com ele, os constitucionalistas deveriam envolver-se mais
em debates que podem contribuir para a redução da desigualdade
do país, tal qual o da reforma tributária. Marcos da Costa reiterou
que a carga tributária desigual e injusta reflete a urgente necessidade
de ajuste fiscal de um Estado que aplica mal o dinheiro e que,
paralelamente, enfrenta ainda os efeitos da corrupção.
Já o diretor da FGV Direito SP, Oscar Vilhena Vieira, que também
participou do painel, destacou a amplitude da Carta de 1988.
Citou avanços em alguns campos, como a educação. “Em 25
anos, o Brasil basicamente fez o que alguns países levaram 50
ou 60 anos para realizar no século XIX: levar todas as crianças
à escola. O que ocorreu no país ao longo desse período é
insatisfatório, no entanto não é trivial.”
Considerado o aspecto amplo da Carta, e no que diz respeito à
sua implementação de modo geral, ele avalia que nem todos os
atores que apoiavam o sistema constitucional quando elaborado
estavam dispostos a, necessariamente, cumprir sua parte em
assegurar o que estava ali disposto. “No período de 1988 para
cá, o que está em jogo no campo dos direitos é uma disputa
entre atores: não para fazer crescer a Carta de Direitos, mas para
reivindicar as políticas que possam dar vazão ao compromisso
ali estabelecido.”
Em linha com avanços resultantes da Carta, o diretor da FDUSP
acrescentou os da área da saúde. “O grau de imunização da
população é algo que nós, hoje, achamos que é o mínimo a ser
feito pelo Estado – e é. Mas, quem lê ou viveu o período anterior
aos 80, sabe que as pessoas morriam de esquistossomose e
crianças até três anos não sobreviviam ao sarampo. Essas
mudanças foram propiciadas pela Constituição”, cita. “É fato
que a desigualdade permanece, mas o que vivemos nesses 30
anos é revolucionário do ponto de vista de conquistas.”
Responsabilidade
Durante a abertura do evento, na parte da manhã, Marcos da
Costa lembrou que a Faculdade de Direito da USP é um ponto de
partida para a nação. “Em 1822, logo após a declaração de independência,
o debate em torno da criação de um ambiente de país
que dava seus primeiros passos, ou seja, sobre como começar
a criar cultura política, social e jurídica, levou à conclusão que
uma das melhores formas de iniciar a nação era a instalação da
Faculdade de Direito, criada por ato do Imperador Dom Pedro
I em 1827. De forma que, aqui, começou a nação brasileira.”
O advogado disse aos presentes, em sua maioria universitários,
que o engajamento de todos na defesa da democracia é
fundamental, sobretudo neste momento de crise. Trata-se do
maior período democrático da História do país. “Imaginem o
que isso representa para a geração de hoje e a responsabilidade
de vocês em manter a bandeira da democracia na posição mais
elevada”, finalizou.
Virgílio Afonso da Silva,
Marcos da Costa, Oscar
Vilhena e Floriano Marques
no evento sobre os 30 anos da
Constituição de 1988
Cristovão Bernardo