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DIREITOS HUMANOS
Liberdade de expressão é instrumento de pacificação social
O encerramento do Congresso Internacional de Direitos
Humanos, promovido pela OAB SP no auditório da sede
institucional, em 07 de dezembro, abordou conquistas e desafios
relacionados à liberdade de expressão. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos completou 70 anos em 10
de dezembro, ademais, outro mote que levou a advocacia a
sediar o evento, é a preocupação em torno do respeito às
garantias fundamentais no atual cenário brasileiro.
“O Brasil tem diante de si uma nova legislatura e vários
dos temas relacionados aos direitos humanos têm sido
objeto de polêmica, o que torna esse encontro ainda mais
relevante e atual”, pontuou Walter Vieira Ceneviva, presidente
da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB SP.
O direito à liberdade de expressão é crucial porque propicia
os meios para que a população se informe, seja para
exercer os direitos políticos como para conduzir a própria
vida. “Não existe vida contemporânea sem informação”,
acrescentou Ceneviva.
O presidente da Secional paulista da OAB, Marcos da
Costa, avaliou que o conteúdo do Congresso de Direitos
Humanos fará parte do acervo do Memorial da Luta pela
Justiça – Advogados Brasileiros contra a Ditadura, projeto
em execução pela Ordem paulista. “Vivemos tempos difíceis
e talvez a palavra que melhor defina o momento atual
seja intolerância. Advogados e jornalistas, pela natureza de
sua profissão, fundada na dialética do contraditório, têm
sofrido ataques de diversas naturezas, inclusive físicos,
por aqueles que não admitem ouvir teses contrárias às que
defendem, e temos procurado debater o tema”, disse, ao
relembrar que, em meio às audiências públicas realizadas
recentemente pela instituição, ocorreu a que abordou
segurança de coberturas de mídia, em novembro de 2016.
O quadro só poderá ser alterado por meio de educação,
sobretudo relacionada à importância do direito que as
pessoas têm de se expressarem, mesmo em discordância,
como forma de promover a tolerância, e à informação.
O perigo do assédio judicial
A advogada Taís Gasparian, vice-presidente da Comissão
de Liberdade de Imprensa da OAB SP, atua junto à área de
mídia há 30 anos. Ela diz que o Brasil tem avançado bastante
nesse campo, vide decisões favoráveis do Judiciário,
a exemplo da revogação da Lei de Imprensa e a autorização
de biografias não autorizadas. No entanto, aponta três
fatores que, em sua visão, acabam por afetar esse direito:
valores de indenização sem um teto, responsabilidade do
jornalista pessoa física e o prazo de propositura de ações.
No caso das indenizações, Taís citou que uma condenação
de cliente (empresa de mídia) alcançou cifra de R$ 4
milhões em primeira instância – quantia posteriormente
reduzida em segunda instância.
Ocorre que a responsabilidade passou a ser também do
jornalista como pessoa física após jurisprudência do STJ.
Desse modo, comentou, um político que queira propor
uma ação não vai querer brigar com o veículo de mídia,
preferirá ir contra a eventual parte mais fraca. Tais Gasparian
lembra que jornalistas que trabalham em empresas
ainda têm respaldo, mas destaca como maior problema
aqueles que, por exemplo, têm sites ou blogs. “Esse fator,
de responsabilização de pessoa física, somado ao valor de
indenização sem limites e o prazo longo de propositura de
uma ação, de três anos, já dão ideia de como jornalistas
podem se sentir acuados.”
Outra questão que ela destacou como problemática para
a liberdade de expressão é o que denominou de assédio
judicial. “É uma forma de controlar a imprensa”, acentuou.
“Em razão de uma notícia, muitas pessoas entram com
processo contra aquele determinado jornalista.”
Direito ao esquecimento
Pedidos de remoção de conteúdo têm sido feitos constantemente,
utilizando como base o direito ao esquecimento. O
país se apoia em decisão dada na União Europeia em 2014,
na qual um cidadão espanhol solicitou ao Google que se
removesse a possibilidade de encontrá-lo no buscador. “O
bloco europeu decidiu pela exclusão de informação nas
buscas e não para que fosse retirada informação publicada
pelos veículos, como no Brasil tem sido usado”, comentou
Miguel Matos, membro do Conselho de Comunicação Social
do Congresso Nacional.
Matos, que dirige o Migalhas, canal de notícias de Direito,
diz receber pedidos diários de remoção de conteúdo. No
último pleito eleitoral observou que políticos chegaram a
pedir ao Google que removesse cerca de quinze conteúdos
produzidos pelo site de seu buscador. “E a partir daí o
Google me comunica. Eram todas matérias verídicas, por
isso não nos procuraram diretamente. Estamos vivendo
censura judicial.”
Para o diretor da FGV-Direito SP, Oscar Vilhena, a liberdade
de expressão tem um papel diferenciado frente a outros
direitos e cumpre, ao menos, três funções fundamentais no
tipo de sociedade a qual aderimos. “Trata-se de um direito
fundamental para uma sociedade que não se pretende
estática. Só a partir do momento que permitimos que as
pessoas questionem, derrubem dogmas, se critiquem, é
que podemos superar os nossos erros e superstições. É
uma condição de progresso”, pontuou.
Como segundo ponto, afirmou que, para que se possa
escolher autoridades públicas, é necessário ter o direito à
informação. “Aqueles que são objeto de escrutínio têm a
obrigação de suportar a submissão a essa situação. Sem
que haja liberdade de expressão, o direito à informação
não se realiza; sem que se tenha direito à informação, a
democracia não faz nenhum sentido.”
Por fim, Vilhena definiu a liberdade de expressão como
condição de paz social. “A contraface da liberdade de
expressão é o direito de tolerância. A obrigação de tolerar
o outro é uma condição de paz social”, disse.
O diretor da FGV SP rememorou, ainda, que a Declaração
Universal surgiu como resposta a um processo de banalização
da vida que ocorreu entre 1937 e 1945, quando cerca
de 48 milhões de pessoas foram mortas (entre elas, aproximadamente
25 milhões vítimas dos próprios Estados).
“Aqueles que tinham soberania a exerceram para oprimir
grupos dentro de suas sociedades. O Estado não se mostrou
confiável o suficiente para ser o único tutor desses direitos,
então a comunidade internacional criou esse instrumento,
os tratados que se seguiram e uma série de instituições”,
frisou. Ele definiu a Declaração Universal como uma bússola
que aponta de que forma o poder pode ser exercido.
Assim como outros especialistas que apresentaram ideias
durante o congresso promovido pela Ordem, Vilhena vê
expansão dos direitos humanos desde 1990, incluindo o
Brasil. No entanto, a hostilidade ao tema deriva de uma série
de fatores, entre eles, o ressurgimento do nacionalismo e do
desencantamento com instituições após crises econômicas
em vários pontos do globo, que abriram espaço para vozes
descompromissadas e adversas a esses direitos.
José Luís da Conceição
Taís Gasparian
destaca o assédio
judicial como um
dos problemas
para a liberdade
de expressão:
“É uma forma
de controlar a
imprensa”