Ato na Catedral da Sé reuniu autoridades e representantes de várias religiões em torno da celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
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Jornal do Advogado – Ano XLIV – nº 445 – DEZ-2018/JAN-2019
SÃO PAULO ATO INTER-RELIGIOSO
Uma referência universal de dignidade às nações
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) surgiu
logo após a Segunda Guerra Mundial e consagrou direitos para
todos, com o objetivo de impedir a repetição de atrocidades
perpetradas naquele período, ou seja, é uma ferramenta de
evolução civilizatória das sociedades, local e globalmente. “A
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, representou
um enorme progresso ao dar reconhecimento universal
para a dignidade humana. Mesmo não sendo integralmente
respeitados, os 30 artigos da Declaração são uma referência
para a legislação de povos e nações”, defendeu Dom Odilo
Scherer, arcebispo Metropolitano de São Paulo, e anfitrião da
cerimônia inter-religiosa, realizada em 10 de dezembro, na
Catedral da Sé, para homenagear os 70 anos da DUDH.
A Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil e a
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo organizaram
conjuntamente o ato e convidaram lideranças religiosas
para ressaltarem a importância do documento da Organização
das Nações Unidas (ONU). Elaborado por representantes de
diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do
mundo, a Declaração Universal busca resguardar garantias
inalienáveis, visando a construção de uma civilização mais
justa para todos, independentemente de raça, cor, religião,
sexo, origem social ou nacionalidade.
“Estamos defendendo o direito à vida, à dignidade, à liberdade,
à segurança e de estarmos livres de discriminação de qualquer
natureza. Nesta mobilização, demonstramos ativamente a possibilidade
de respeito a uma das vertentes dos direitos humanos,
colocando em prática a liberdade religiosa”, acentuou Marcos
da Costa, presidente da OAB SP, durante o evento na Catedral.
“Neste ato inter-religioso, buscamos uma humanização maior,
em contato com o público em geral aqui presente e com a espiritualidade”,
acrescentou Gisele Fleury Charmillot Germano de
Lemos, secretária-geral adjunta, também presente à cerimônia.
As intervenções dos sete líderes religiosos alcançaram um ponto
comum, como evidência de que o respeito a direitos como
vida, liberdade, dignidade, credo e segurança são observados
por todas as denominações religiosas ali representadas. Por
outro lado, a preocupação com a preservação desses valores
foi outra área de convergência das falas. “A leitura atenta dos
30 artigos da Declaração de 1948 leva à conclusão de que os
direitos humanos fundamentais ainda estão ameaçados, com
frequência. O alarmante é que, em certas circunstâncias, o
discurso em favor desses princípios é silenciado diante de
manobras políticas e da busca de vantagens utilitaristas. Os
direitos humanos, não raras vezes, são sacrificados nas negociações
políticas e econômicas”, lamentou Dom Odilo Scherer.
O pastor Ariovaldo Ramos, representando a comunidade cristã
reformada, clamou pela união de todos para que ninguém seja,
de maneira alguma, impedido de vivenciar os seus direitos
fundamentais, previstos na Declaração Universal. “Devemos
seguir os exemplos bíblicos da busca pelo controle dos excessos
perpetrados por autoridades e agentes estatais. Jesus
de Nazaré, conta a bíblia, reclamou a Anás o direito de não
responder pergunta alguma, por não reconhecer em Anás a
autoridade para interrogá-lo. Ou seja, por analogia, podemos
dizer que, desde sempre, as escrituras sagradas reconhecem o
ser humano como um sujeito de direitos”, relacionou Ramos.
A perseguição e a discriminação de grupos sociais, em função
de raça, sexo ou orientação sexual, credo e outras características
foi um ponto destacado na fala do rabino Alexandre
Leone, da comunidade judaica. “A dignidade humana existe
individualmente e coletivamente. Assim, um dos principais
deveres das tradições religiosas é encarar o ser humano na sua
dimensão de ser único, mas, ao mesmo tempo, como parte de
uma coletividade: somos todos parentes, temos todos a mesma
origem. Temos responsabilidade de lutar contra a desumanização
dos grupos humanos”, afirmou o rabino. Ele ressaltou a
importância da criação do conceito jurídico de crimes contra a
humanidade, durante o julgamento de Nuremberg.
O discurso do Sheikh Mohamad Al Bukai, representante da comunidade
islâmica, levou para a cerimônia a defesa dos direitos
humanos como elemento social mais relevante que a luta por
bens materiais, inclusive no dia a dia das congregações. “O
ser humano é a criatura mais sagrada que existe. Os templos,
que consideramos sagrados, foram construídos pelo homem e
podem ser reconstruídos, caso sejam demolidos. Mas quando
destruímos um ser humano, quem pode lhe devolver a vida?”,
questionou. Para Al Bukai, o dia 10 de dezembro de 1948 foi
um marco para a humanidade e a defesa dos direitos humanos
deve ser sempre reforçada.
Promovendo um gesto de integração entre os credos representados
nesse ato, Mãe Adriana de Nanã colocou uma divindade
do Candomblé como acolhedora de mães de jovens negros,
indígenas, muçulmanos, judeus e cristãos, mortos ou perseguidos
em razão de raça ou credo. “Eu apelo à humanidade para
que minha Mãe, Nanã, não precise mais consolar tantas mães
que enterram seus filhos, vítimas da intolerância religiosa ou
da ganância. Apelo para que todos assumam responsabilidade
em favor da defesa dos direitos humanos”, clamou.
Durante o ato, o cacique Adolfo Timóteo, da aldeia Guarani,
reivindicou a extensão dos direitos humanos aos povos indígenas,
pontuando que o direito à vida, propriedade, liberdade
e credo são desrespeitados frequentemente. “Quero lembrar
dos tratados internacionais e do direito indígena. Precisamos
cuidar do bem-estar do povo indígena e lutar para que nenhuma
autoridade ataque e retire os nossos direitos.”
Na última fala, o monge Ryozan Sensei, da comunidade budista
Zen, contou que, dois dias antes (8/12) do ato inter-religioso,
foi celebrada uma data importante para o budismo japonês,
comemorando a iluminação do Buda histórico. Utilizando esse
fato, ele provocou o público a pensar na essência da defesa dos
direitos humanos. “Quando atingiu o nirvana, o Buda percebeu
que a verdade que procurava já estava manifesta. Do mesmo
modo, hoje, quando falamos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, a verdade sobre isso sempre esteve manifesta
à nossa frente: a Declaração apenas formalizou princípios que
todos têm noção, trazem dentro de si, mesmo antes de ler o
documento das Nações Unidas”, concluiu.
José Luís da Conceição
José Luís da Conceição