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DIREITOS HUMANOS
Juristas buscam fortalecimento na defesa de direitos
A segunda mesa do I Congresso Internacional de
Direitos Humanos da OAB SP, em 06 de dezembro,
reuniu três juristas cujas falas foram focadas em
grandes campos distintos: o sistema penitenciário; as
atualidades em direitos humanos; e a documentação
histórica das violações perpetradas durante a ditadura
militar. Mesmo com a aparente diferença nos assuntos
abordados, houve confluência nos três discursos em
torno do fato de que o atual momento histórico impõe
uma necessidade de se reforçar a defesa dos direitos
humanos.
“A desumanidade graça em nosso país, em vários
setores, em especial no sistema penitenciário”. Essa
afirmação categórica foi o ponto de partida para Antonio
Cláudio Mariz de Oliveira, advogado criminalista com
50 anos dedicados ao ofício, analisar os reflexos do
comportamento da sociedade e do Estado brasileiros
no tratamento dado ao sistema prisional e ao combate
da criminalidade. “O sistema penitenciário brasileiro
se tornou, na verdade, um fator criminógeno da mais
alta eficiência, construindo e produzindo criminosos”,
sacramentou.
Em 2017, rebeliões em várias unidades prisionais do
país resultaram na morte de mais de 100 detentos,
chamando a atenção para a guerra entre as facções
criminosas dentro das carceragens brasileiras, expondo
a fragilidade e a desorganização do sistema, cujo
problema mais evidente é o déficit de vagas. De acordo
com números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
em agosto de 2017, o sistema penitenciário brasileiro
oferecia 401 mil vagas para uma população de 644 mil
presos, somados os regimes fechado (296 mil) e semiaberto
(105 mil), com os presos provisórios (243 mil).
“Esse sistema penitenciário trabalha contra os seus
objetivos, demonstrando uma contradição em si: ele
diz querer, no texto da Lei de Execuções Penais (LEP),
recuperar o homem, mas esquece-se dele”, criticou
Mariz de Oliveira, ex-presidente da OAB SP. Para ele, a
raiz dessa distorção de funções do sistema prisional é
uma concepção incorreta e desviante que a sociedade
tem do crime. “O que se quer é punir a qualquer custo,
com provas, sem provas ou contra as provas, porque
a sociedade assim exige. Não se pensa em combater
as causas do crime, mas unicamente em punição como
forma de castigo ou vingança. Contrariamente aos
direitos humanos, se deseja impingir ao condenado
um sofrimento maior que a aplicação da lei”, avaliou.
Perspectiva de futuro
Em certa medida, a análise do primeiro expositor
comunicou-se com o raciocínio do jurista José Gregori,
presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Universidade de São Paulo, para quem o Brasil passa
por um surto de moralismo, o que não é exclusividade
brasileira. “Toda vez que um surto de moralismo se
deu sem conexões com direitos humanos, se viu a
formação de um tumor inquisitório. Precisamos fazer
essas conexões agora!”, frisou. Advogado com uma
carreira ímpar, Gregori dedicou-se à defesa de presos
políticos da ditadura militar (1964-1985), foi membro
da Comissão de Justiça e Paz, secretário Nacional dos
Direitos Humanos (1997-2000) e ministro da Justiça
(2000-2001).
Para defender a inserção de políticas públicas voltadas
para a efetivação dos princípios da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, ele fez um paralelo entre o
respeito a esses valores e os resultados para o desenvolvimento
socioeconômico. “O respeito aos direitos
humanos não é obstáculo para o desenvolvimento, mas
um propiciador dele. Veja as democracias nórdicas,
onde o respeito aos direitos e liberdades do indivíduo
são exemplares”, apontou. De fato, entre os dez países
que lideram o ranking do Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), sete são democracias do norte da
Europa: Noruega, Suíça, Alemanha, Irlanda, Islândia,
Suécia e Holanda. “É muito tacanho colocar em dúvida
a função incremental que os direitos humanos têm para
o desenvolvimento.”
Estabelecidos esses pontos, José Gregori ampliou a
perspectiva de compreensão dos direitos humanos,
mirando o futuro do Brasil, ancorado no passado da
participação brasileira na Conferência de Viena, de 1993.
“Não basta um país dizer-se cumpridor da Declaração
Universal olhando para apenas um tipo ou algumas
poucas categorias de direitos humanos. Em Viena, a
participação brasileira foi brilhante, quando o mundo
chegou à concepção unitária de direitos humanos, sacramentando
que as liberdades do indivíduo vão além
das liberdades civis, abrangendo liberdades econômica,
social e cultural”, concluiu.
Encerrando essa rodada de exposições do congresso,
o ex-diretor da Comissão Nacional da Verdade (CNV),
Pedro de Abreu Dallari, convidou a plateia a dedicar
tempo para navegar pela página da Comissão na internet
– www.cnv.gov.br. Para isso, ele explicou que o conteúdo
ali apresentado é um registro histórico de casos
de violações de direitos humanos perpetradas durante
a ditadura militar. “A Comissão Nacional da Verdade
teve a função de investigar e levantar ocorrências desse
período, um material, em documentos e vídeos, muito
importante para o país”, pontuou.
A partir dessa introdução, Dallari manifestou o temor
de perder esse material: “O futuro presidente fez vários
ataques frontais ao trabalho da Comissão Nacional da
Verdade. Os grupos políticos que o acompanham seguem
o mesmo tom, inclusive com retórica semelhante
ao negacionismo do holocausto, procurando esconder
a verdade sobre o longo período de 21 anos da ditadura
militar. Para acabar com esse trabalho da CNV, basta
apertar um botão e temo que o façam”. Dito isso, ele
defendeu que o Congresso Internacional de Direitos
Humanos da OAB SP fosse encerrado como um grande
ato de defesa da Declaração Universal, contribuindo para
que a sociedade brasileira marque posição em favor da
preservação desses valores.
No segundo painel do congresso, discursos de
José Gregori, Pedro Dallari e Mariz de Oliveira
giraram em torno da necessidade de se reforçar
a defesa dos direitos humanos
Cristovão Bernardo/José Luís da Conceição
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