A relevância da proteção da dignidade humana
lado o positivismo estrito do passado, para um novo modelo que
reconhece princípios, valores e dá centralidade para a dignidade da
pessoa humana. Por isso é necessária a prevalência dos direitos
humanos sobre qualquer sistema, para que o Direito cumpra seu
papel de realizador de Justiça”, destacou.
Traçando um panorama histórico sobre a formação da ONU e das
tratativas internacionais em prol da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, incentivadas após o resultado das duas guerras mundiais,
a diretora do Programa Centro pela Justiça e o Direito Internacional
(CEJIL) no Brasil, Alexandra Montgomery, fez um paralelo com a
sociedade contemporânea. “A comunidade internacional assumiu
o compromisso de não permitir que essas atrocidades voltassem a
acontecer e declarou-se que os crimes cometidos durante a Segunda
Guerra Mundial eram crimes de guerra, contra a paz e contra a humanidade.
Em 10 de dezembro de 1948, foi aprovada por 56 países da
ONU, a Declaração Universal, que, com seus 30 artigos, consolida os
direitos de todas as pessoas, inclusive com os princípios da dignidade
humana, da universalidade e indivisibilidade”, relatou.
Contudo, apesar dos avanços imprescindíveis conquistados para
mulheres, crianças e adolescentes, que se tornaram sujeitos de direito
e não objeto de intervenção, ao lado dos direitos das pessoas com
deficiência, idosos, LGBTI, e ações afirmativas raciais, Alexandra
Montgomery aponta que ainda há um grande caminho a se percorrer.
“Não se pode esquecer que ainda há muitos perdendo as vidas diariamente,
como Marcos Vinícius, filho da Bruna, de 14 anos, executado
com uniforme da escola, na comunidade da Maré, em junho desse
ano. Ou Maria Eduarda, de 13 anos, morta no ano passado dentro de
uma escola pública em Acari.
Mas, afinal, qual é o trabalho dos defensores e ativistas dos Direitos
Humanos? Ciente do desconhecimento referente à sua atuação, a
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Jornal do Advogado – Ano XLIV – nº 445 – DEZ-2018/JAN-2019
SÃO PAULO
O avanço de uma onda conservadora em nível mundial acende o
alerta dos defensores dos direitos humanos quanto à sua importância
nos dias atuais. Diante da constatação dos ativistas, uma análise do
cenário, por meio de diferentes perspectivas, foi realizada durante
a primeira mesa do segundo dia do Congresso Internacional de
Direitos Humanos da OAB SP, em 07 de dezembro, que tratou sobre
o tema, em decorrência dos 70 anos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Na avaliação da comissária da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH), Flávia Piovesan, um movimento nacionalista, populista
e de crescente militarização, ao redor do mundo, demonstra
a necessidade de se empunhar a bandeira pela defesa dos direitos
humanos. “O maior legado da Declaração Universal é inaugurar um
novo olhar, uma nova narrativa a respeito da questão, com três pontos
principais: o fundamento ético de que toda pessoa tem dignidade como
um valor intrínseco à condição de humanidade, à universalidade, e
uma visão holística da garantia de direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais. Mais do que nunca é fundamental abraçarmos este
legado. Em tempos de extrema polarização em que se fortalecem
discursos de ódio, intolerância, violência e discriminação, há que se
defender com toda integridade e ética, a escolha dos valores que nos
inspiram e alicerçam os direitos humanos, a democracia e o Estado
Democrático de Direito”, observou a comissária, cuja contribuição ao
Congresso ocorreu com uma mensagem gravada direto de Washington
(EUA), de onde participava das sessões de trabalho da Comissão.
Na mesma seara, o secretário estadual de Justiça e da Defesa da
Cidadania, Márcio Elias Rosa, ponderou sobre as mudanças advindas
no âmbito jurídico com o documento da Organização das Nações
Unidas (ONU): “É interessante notar que, neste mesmo trato histórico,
o Direito passou por grande transformação. Se a Declaração é
um instrumento de eficácia jurídica, é bom lembrar que deixamos de
diretora-executiva da Conectas – Direitos Humanos, Juana Kweitel,
destrinchou as frentes de trabalho desenvolvidas pela ONG. “Não sou
teórica, sou ativista, faço a Declaração Universal na prática. Mas as
pessoas não sabem o que faz quem trabalha com direitos humanos.
Eu gerencio uma organização que fortalece lideranças locais. Neste
ano, participamos da audiência pública de descriminalização do aborto
no Supremo Tribunal Federal e ouvimos argumentações como da
Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que trouxe uma investigação
contundente de como o aborto ilegal afeta as mulheres pobres e negras,
sendo uma materialização da desigualdade. Realizamos uma ação para
tentar fazer que as pessoas afetadas pela tragédia de Mariana, no Rio
Doce, tivessem participação na formação dessas reparações. No maior
desastre ambiental da história do Brasil, o processo não conta com a
voz dos afetados, das vítimas”, enfatizou.
O pesquisador sênior para o Brasil na Divisão das Américas da Human
Rights Watch, César Muñoz, explicitou o trabalho realizado: “Além
de monitorar as violações e fazer esse acompanhamento, também
cobrimos áreas de trabalho como saúde e educação. Começamos a
cobrar empresas, que é algo que não está na Declaração, mas é uma
evolução do sistema internacional de proteção dos direitos humanos,
tendo em vista que temos muitas crianças e adolescentes trabalhando
em plantações de tabaco em vários países, por exemplo”.
Sobre a segurança pública no país, Muñoz adiantou acerca da necessidade
de uma reforma carcerária, já que as cadeias brasileiras são o
ponto fundamental de expansão das facções criminosas. “O Brasil teve
um avanço importante com a introdução das audiências de custódia,
mas é instrumento que precisa ser melhorado”, opinou. O pesquisador
ainda pontuou sobre a violência doméstica e a responsabilidade
do Estado em oferecer policiais capacitados para responder a esta
demanda. Ao encerrar, reforçou a valorização e defesa do documento
que coloca a humanidade no centro das relações internacionais.
Homenagem à atuação de Sérgio Vieira de Mello
“O ser humano tem o direito de viver com dignidade,
igualdade e segurança. Não pode haver segurança sem
uma paz verdadeira, e a paz precisa ser construída sobre
a base firme dos direitos humanos. A manutenção da paz
e da segurança está indissociavelmente ligada à igualdade
de direitos entre homens e mulheres”. As palavras do
embaixador brasileiro Sérgio Vieira de Mello reverberaram
no Congresso Internacional de Direitos Humanos da OAB
SP, em 07 de dezembro, durante homenagem póstuma
realizada em reconhecimento à sua contribuição na luta
pela defesa das causas humanistas. Em agosto de 2003,
quando ocupava o cargo de alto comissário de Direitos
Humanos da ONU, ele foi morto em Bagdá, no Iraque,
vítima do atentado à sede da instituição.
O presidente da OAB SP, Marcos da Costa, juntamente
com o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Felipe Santa
Cruz, e do advogado Belisário dos Santos Júnior, membro
da Comissão Internacional de Juristas e da Comissão da
Verdade da OAB SP, concederam a láurea in memoriam à
companheira do embaixador, Carolina Larriera. Na oportunidade,
Marcos da Costa ressaltou a atuação de Vieira
de Mello e a importância da defesa dos direitos humanos:
“Recebemos neste Congresso grandes nomes da história
dos direitos humanos do Brasil e de outros países e
realizamos uma justíssima homenagem ao brasileiro que
alcançou o cargo de maior relevância do mundo em direitos
humanos”, acentuou.
Com um histórico da vida e da carreira de Sérgio Vieira
de Mello, Belisário dos Santos retratou o empenho do alto
comissário da ONU com as ações em campo, tendo participado
de inúmeras missões humanitárias, em países como
Líbano, Moçambique, Kosovo, Ruanda, Bangladesh, Sudão
e Timor Leste. “Estes lugares foram palcos de importantes
momentos da ação diplomática de direitos humanos tendo
como ativista esse diplomata”, salientou. Felipe Santa Cruz,
por sua vez, classificou Vieira de Mello como um herói: “O
Sérgio foi representante de uma época, de um compromisso
geracional do pós-guerra, construído com muito sacrifício.
Essas memórias merecem ser cultivadas”, ponderou.
Emocionada, Carolina Larriera relembrou momentos da
trajetória de Vieira de Mello e da sua luta pessoal em defesa
dos direitos humanos: “Agradeço à OAB SP por manter
vivo o espírito dos defensores dos direitos humanos. Estou
fazendo a minha parte para deixar acesa a chama de Sérgio,
que era o brasileiro da ONU”, afirmou.
Cristovão Bernardo
Marcos da Costa, Belisário dos Santos Júnior, Carolina
Larriera e Felipe Santa Cruz durante a entrega de láurea
em reconhecimento a Vieira de Mello