José Roberto Sodero Victório
Advogado, pós-doutor em Direito pela
Universidade de Salerno (Itália), é presidente da
Comissão de Direito Previdenciário da OAB SP
NÃO
Jornal da Advocacia I Março-2019 13
A Seguridade Social foi concebida pela Constituição Federal de
1988, equilibrada no tripé Previdência Social, Assistência Social e
Saúde. A Previdência Social é o braço contributivo deste sistema
solidário e universal. Desde já, observo que o sistema é contributivo
e obviamente retributivo, ou seja, à contribuição temos o
paralelo da retribuição, objetivada na concessão dos benefícios,
quando cumpridos os pressupostos de sua concessão.
Fundamentado em um argumento de déficit previdenciário, financeiro
e atuarial e com viés no mercado, o governo apresenta
um Projeto de Emenda Constitucional que desconstitucionaliza
direitos previdenciários sociais, altera a ideia de universalidade
para um sistema de capitalização, cria a exigência de uma idade
mínima, altera o formato de cálculo dos benefícios, inviabiliza
a chamada aposentadoria especial, dificulta a aposentadoria
do trabalhador rural e a concessão do benefício de prestação
continuada (BPC ou LOAS), dentre outras questões propostas
na PEC 02/2019.
A argumentação do déficit previdenciário é discutível no meio
acadêmico, mas do ponto de vista lógico há uma defasagem
entre o discurso e a coerência real. Vejamos: se há déficit previdenciário,
por que não cobramos uma dívida que hoje chega a
R$ 1 trilhão dos maiores devedores da Previdência? Se há déficit
previdenciário, por que damos anualmente mais de R$ 100 bilhões
de desonerações fiscais? Se há déficit previdenciário, como o
governo retira do orçamento da Seguridade Social 30% para
gastar da forma com que deseja, a chamada Desvinculação da
Receita da União (DRU)? É ilógico obrigar a parcela mais sofrida
dos cidadãos brasileiros a um sacrifício enorme, com possibilidade
real de contribuir e não receber benefício algum, sem responder
às questões acima levantadas. Além disso, o governo não explica
e não traz o custo de transição entre o sistema de repartição e o
sistema de capitalização, que alguns especialistas preveem seja
da ordem de R$ 1 trilhão, justamente o valor que o governo diz
que economizará em dez anos, se a “reforma” for aprovada da
forma com que foi encaminhada.
Do ponto de vista constitucional, várias são as questões que podem
levar a discussões perante o Supremo Tribunal Federal. Dentre elas: a
necessidade de uma constituinte para alterar o sistema de repartição
para um sistema de capitalização e não uma PEC ou Lei Complementar;
a fixação de uma idade mínima inatingível do ponto de vista
de garantia de emprego e consequente contribuição previdenciária,
já que o próprio IBGE aponta que menos de 1% da população ativa
possui 65 anos ou mais, ou seja, a maioria dos segurados do sexo
masculino não conseguiria se aposentar, confrontando o princípio
constitucional da reciprocidade contributiva; o formato apresentado
para a aposentadoria especial que alongaria sobremaneira o tempo
de exposição efetiva aos agentes agressivos, contrariando o princípio
de proteção e de prevenção à saúde do trabalhador, a impossibilidade
de o Poder Judiciário conceder direitos etc.
Soma-se a tudo isso o fato de que o sistema de capitalização a ser
proposto em Lei Complementar, e que tudo indica se assemelha
ao sistema chileno, não gera riqueza para a nação, produz futuros
indigentes do sistema e não induz a uma dignidade econômica
do segurado.
Retirar direitos sociais constitucionais fundamentais não é solução
para uma Nação que escolheu em sua Carta Magna proteger e
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,
a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social como
bem explicitado em seu preâmbulo.
Não há, portanto, como concordar com uma proposta de “reforma”
que contraria princípios básicos e fundamentais de nossa
Constituição Federal.
“Do ponto de vista
constitucional,
várias são as
questões que
podem levar a
discussões perante
o Supremo
Tribunal Federal.
Dentre elas: a
necessidade de
uma constituinte
para alterar
o sistema de
repartição para
um sistema de
capitalização e não
uma PEC ou Lei
Complementar”
pelo governo é a melhor opção?
Cristovão Bernardo
Jornal da Advocacia – Ano XLIV – nº 447
SÃO PAULO