Jornal da Advocacia – Ano XLIV – nº 447
Jornal da Advocacia I Março-2019 03
Justiça SÃO PAULO
Audiência Pública discute o pacote anticrime
A eficácia das medidas pretendidas no Projeto de
Lei Anticrime proposto pelo Ministério da Justiça
e Segurança Pública, a defesa das garantias
individuais ante a persecução penal e críticas
à incorporação de institutos penais de outros
países deram o tom da maior parte das falas
durante a Audiência Pública realizada na sede
da OAB SP, em 27 de fevereiro. A presença de
membros dos três Poderes, num auditório repleto
de operadores do Direito, dirigentes de Ordem
e representantes de outras entidades, retrata a
importância do tema e a relevância da iniciativa
da Secional da Ordem paulista em abrir as portas
para promover um debate propositivo e técnico. “O
compromisso da gestão 2019/2021 é com a participação
democrática da classe e da sociedade
nas discussões que interessam à cidadania dessa
Nação, sem receio ou medo de desagradar à
autoridade que seja”, apontou Caio Augusto Silva
dos Santos, presidente da OAB SP, na abertura
dos trabalhos. Na mesa, ele esteve acompanhado
dos integrantes da nova diretoria Ricardo Toledo
Santos Filho (vice-presidente), Aislan de Queiroga
Trigo (secretário-geral) e Raquel Elita Alves Preto
(diretora-tesoureira).
Houve unanimidade, em tom crítico, em todas
as falas cujo foco foi a proposta de alteração
dos textos dos artigos 23 e 25, do Código Penal.
Tratando das excludentes de ilicitude (estado de
necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento
de dever legal ou exercício regular de direito), o
parágrafo único do artigo 23 responsabiliza penalmente
o agente pelo excesso, doloso ou culposo.
A proposta do ministro Sérgio Moro inclui um novo
parágrafo, prevendo redução ou não aplicabilidade
da pena a quem agir, no excesso, por medo,
surpresa ou violenta emoção. “A inclusão desse
dispositivo, acrescentando palavras, sem técnica,
que desestruturam o tema, presta um desserviço
para a aplicação do Direito Penal brasileiro. Além
de inconstitucional, destrói o nosso sistema vol-
Plea bargain “tropicalizado”
O plea bargain, notabilizado pela prática jurídica dos Estados Unidos,
foi foco da audiência pública logo no início, quando o deputado
federal e jurista Luiz Flávio Gomes propôs o que chamou de “tropicalização”
desse instituto. Uma das propostas defendidas pelo ministro
Sérgio Moro, consiste em acordo no qual o suspeito aceita ser penalmente
responsabilizado por um ou mais crimes em troca de concessões
dos membros do Ministério Público, como a redução da pena
ou a desconsideração de parte das condutas imputadas. “É preciso
gravar toda a tratativa feita para chegar ao acordo com a finalidade
de levar ao juiz que vai homologá-lo. Assim, o magistrado poderá
verificar se houve voluntariedade, espontaneidade, equilíbrio, razoabilidade”,
propôs Gomes. O parlamentar, que passou pelo Ministério
Público, magistratura e advocacia, acrescentou que a “tropicalização”
que propõe também condicione a possibilidade do plea bargain ao
recebimento da denúncia, delimitando o escopo do acordo.
Em contraponto, o membro da Comissão de Direitos Humanos da
OAB SP, Roberto Tardelli, foi duro ao afirmar que nenhuma adaptação
do plea bargain deve ser bem-vinda ao sistema processual
penal brasileiro. “Trata-se de um suicídio jurídico, vamos rebaixar a
qualidade da Justiça Penal, piorando o que já é ruim. Promotores e
juízes usarão esse caminho para diminuir as pilhas de processos,
sem critério”, afirmou Tardelli. Ele partiu da experiência como procurador
de Justiça para defender que haverá abusos em larga escala:
“Nós vamos explodir as cadeias com superlotação. Não caiam nessa
conversa fiada do plea bargain”.
Tardelli:
Vamos explodir
as cadeias com
superlotação.
Não caiam
nessa conversa
fiada do
plea bargain
José Luís da Conceição
tado para a caracterização criteriosa da legítima
defesa”, criticou Marina Coelho Araújo, diretora do
Instituto dos Advogados de São Paulo. Nesse ponto,
o uso inadequado de palavras para alteração
do Código Penal despertou a preocupação de o
projeto ter efeito negativo, aumentando a violência
contra mulheres e negros.
“Observamos com muita preocupação a inclusão
da expressão ‘violenta emoção’, algo que já
havia sido superado e trazia impunidade para
casos de violência contra a mulher”, comentou
Alice Bianchini, conselheira Federal da Ordem. “A
partir do momento que esse projeto flexibiliza os
excessos nas excludentes de ilicitude e possibilita
execução impune de pessoas, o que teremos
é o aumento da violência. Os impactos dessas
medidas serão mais graves sobre as populações
negras e periféricas”, apontou Eloísa Machado
de Almeida, professora de pós-graduação da
Fundação Getulio Vargas.