Jorge Cavalcanti
Boucinhas Filho
Trabalho
Há mudanças no mundo do trabalho que demandam mais que a atualização da legislação pertinente. Na visão de Jorge Cavalcanti
Boucinhas Filho, diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB SP, as consequências da inserção da tecnologia no dia a dia
extingue algumas ocupações, o que impõe ao Brasil uma revisão do sistema de ensino superior, público e privado: “Não formamos
cientistas para criar novas coisas, para revolucionar tecnologicamente o país”. Titular da Cadeira nº 21 da Academia Brasileira de
Direito do Trabalho, ele sustenta que a mínima organização de trabalhadores para externar as insatisfações e reivindicar direitos
sempre existirá, mesmo em tempos de isolamento e dispersão provocados pelas novas práticas de trabalho.
Entrevista
14 Jornal da Advocacia I Maio-2019
José Luís da Conceição
– As transformações na legislação trabalhista são fruto dos perfis de trabalho
que estão surgindo?
– Que era necessária alguma mudança na legislação antiga para adaptá-la a uma nova
realidade do trabalho não há dúvida, mas discordo veementemente do direcionamento
que foi dado a essas mudanças pela reforma trabalhista e a técnica legislativa utilizada.
Sempre defendi mudanças, mas acho que não foram feitas da forma correta e nem
têm encontrado resultado esperado até agora, salvo em termos de questão processual,
a reforma tinha três grandes bandeiras: aumentar segurança jurídica, reduzir desemprego,
e, de uma certa forma, diminuir o número de ações que era muito elevado. Não
reduziu o desemprego, não em números reais e impactantes; não aumentou segurança
jurídica; e, em relação ao número de ações, reduziu drasticamente, mas não sei se o
fez da melhor forma. Penso que o ideal seria que as ações fossem reduzidas porque
o número de problemas entre empregador e empregado caiu. Que precisava haver
mudança, precisava; mas não acho que esta mudança tenha sido a desejada e a que
era de fato necessária.
– No começo do ano, falou-se em extinção da Justiça do Trabalho. Justifica-se?
O fim da Justiça do Trabalho não acabaria com os litígios entre empregado e empregador.
Simplesmente íamos tirar o nome Trabalho da parede, que foi o que fizeram com o
Ministério do Trabalho. O Ministério acabou, mas as funções foram esquartejadas entre
Fazenda, Economia e Justiça. As funções continuam, distribuídas de outra forma. Parece
que, por uma disputa ideológica, a palavra trabalho dentro desta linha de governo
virou uma palavra incômoda e pejorativa.
– No debate sobre direitos trabalhistas foram feitas comparações com outros
países. São apropriadas?
Não acho que seja adequado, são culturas e perspectivas diferentes, níveis de
desenvolvimento populacional distintos. Existe muita coisa da legislação que é similar
no mundo todo, alguns preceitos elementares da proteção ao trabalhador que são
muito inspirados pelo esforço da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em
homogeneizar. No passado falava-se de um código internacional do trabalho a partir
das diversas convenções e resoluções que a OIT periodicamente editava e que seriam
o norte, digamos assim, de todos os países do mundo. Existe uma certa similaridade
no universo laboral quando se altera a legislação de um país semelhante ao seu, que
disputa mercado parecido com o seu. Surge uma pressão interna para modificar a
própria legislação. Durante a crise europeia do final dos anos 2000, a Itália passou por
um processo de flexibilização das suas normas trabalhistas. Na sequência a Espanha
passou por um período de alteração de suas normas. Esses movimentos inspiraram
algumas das mudanças na legislação brasileira. O caso do trabalho intermitente
reflete um pouco algumas inovações da legislação italiana e espanhola, assim como a
regulamentação do teletrabalho e a ideia polêmica da possibilidade de sobreposição do