FORMAS DE PUNIR A DISSEMINAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS?
omo costuma ocorrer no Brasil, depois da tragédia vem o clamor pela
mudança da legislação, em regra pedindo o aumento de penas ou a
criação de novos delitos. A tragédia referida, claro, a enxurrada de notícias
em sua eficácia de modo irracional. Crê-se, talvez por um
apego cartorial, que basta a promulgação de uma norma para que
magicamente os comportamentos da sociedade mudem. Nada mais
ingênuo e perigoso.
O que poucos sabem é que nossa legislação eleitoral, das mais detalhadas
e restritas do mundo, traz inúmeras previsões sobre a divulgação de fatos inverídicos.
Desde os anos 40 somos pioneiros em manter um tipo penal dirigido exatamente à difusão
da mentira eleitoral, o artigo 323 do Código Eleitoral. Se há ofensas, tem-se os crimes de
calúnia, injúria e difamação eleitorais. Mais recentemente,
criou-se um tipo penal próprio para quem contrata ou é
contratado para espalhar propaganda negativa na internet.
Fora do âmbito penal as regras são ainda mais numerosas.
A Justiça Eleitoral pode determinar a retirada de conteúdos
de quaisquer meios pelos quais estejam sendo propagados,
conceder direito de resposta às partes afetadas, bem como
aplicar multas aos seus responsáveis. No limite, uma chapa
pode ser cassada por fraude ou abuso de poder econômico, caso beneficiada por graves
condutas ligadas à divulgação de desinformação.
Mesmo diante da miríade de normas que busca evitar que o eleitor seja acossado por falsidades,
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Jornal do Advogado – Ano XLIV – nº 443 – Outubro de 2018
SÃO PAULO
Advogado eleitoralista, é mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP
Não
Fernando Gaspar Neisser
Cristovão Bernardo
falsas e desinformação que assolou o processo eleitoral de 2018.
Para um país tão pouco dedicado ao cumprimento das leis, acreditamos
Para um país tão pouco dedicado
ao cumprimento das leis, acreditamos
em sua eficácia de modo irracional
a mentira segue epidêmica na disputa eleitoral, fenômeno que está longe de ser
novo ou peculiar de nosso país. Mentira e política são parceiras tão íntimas quanto antigas.
Não se está aqui a defender a mentira ou a sustentar que seu emprego não seja nocivo
para a democracia.
É bem verdade que a propaganda eleitoral tem um efeito menor na formação do voto
do eleitor do que se intui. Pesquisas conduzidas ao longo das últimas décadas, em
campos tão distintos quanto ao da ciência política, a psicologia cognitiva e a neurociência,
demonstram que as pessoas são céticas quanto ao que recebem com o rótulo
de propaganda eleitoral. Assim como o consumidor sabe, ao ir à feira, que o feirante
diz que seu produto é o melhor com o intuito de vendê-lo, o eleitor desconfia do que
lhe é apresentado pelos candidatos. Ainda assim, não se nega que há situações em
que a mentira pode ser decisiva na definição dos vencedores, às vezes com resultados
desastrosos.
Aqui talvez esteja a primeira grande diferença entre as mentiras que sempre circularam
no mundo da política e o fenômeno das fake news. Para ganhar credibilidade, esses
conteúdos não são apresentados como propaganda eleitoral, mas se revestem da roupagem
de notícia jornalística.
A segunda novidade é a capacidade de dispersão rápida deste tipo de material para
um público numeroso e segmentado de acordo com aquilo que deseja escutar. Afinal,
somos mais propícios a passar adiante um conteúdo com
o qual concordamos.
Estas características, contudo, também estão adequadamente
previstas na legislação eleitoral, que proíbe terceiros
de impulsionarem propaganda eleitoral e veda a utilização
de bancos de dados de empresas.
Se não pela lei, como reduzir o impacto da desinformação
nas eleições? Como não se defende um regime autoritário, no qual as comunicações entre
as pessoas sejam constantemente monitoradas, resta a via longa e penosa da educação.
Há alguns anos percebeu-se a necessidade de ensinar as pessoas a usar a internet de
forma segura. Comportamentos de risco com relação à pedofilia, golpes bancários e
questões similares passaram a ser objeto de discussão desde a escola. Poucos são os
que, hoje, acreditam que aquela princesa africana quer mesmo transferir milhões de
dólares para sua conta.
É preciso ampliar o conceito de segurança nas redes, reconhecendo o risco da alta
suscetibilidade a conteúdos falsos. Não apenas no âmbito político, mas em questões de
saúde pública e segurança. É urgente que, como sociedade, aprendamos a desconfiar.