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POLÍCIA O TRAJETO QUE SERÁ PERCORRIDO? 13 Não Roberto Dias Advogado, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB SP e professor da PUC-SP na matéria sem restrições de lugar e, também, para protestar contra leis, pedindo sua alteração. Em pleno regime democrático, o direito de reunião pode ser exercido sem que os manifestantes precisem pedir autorização a qualquer autoridade. O Poder Público, por seu lado, não pode impor que os protestos ocorram num determinado local e tampouco exigir que as manifestações se deem em momentos predefinidos. Essas decisões são única e exclusivamente daqueles que têm o direito de se reunir, manifestar se e de protestar pacificamente. A comunicação do local onde se realizará a manifestação não precisa se materializar num documento formal. Basta que o Poder Público tome conhecimento prévio do encontro por meio da internet ou da imprensa, por exemplo. A Polícia Militar apenas pretende saber antecipadamente o percurso que será percorrido para controlar o trajeto e reprimi-los A ciência de quando e onde ocorrerá a reunião não autoriza que o Poder Público extrapole sua ação para determinar o trajeto da manifestação. Mesmo porque, em muitos casos, temos visto a Polícia reprimir violentamente os manifestantes. Esse histórico pode, em grande medida, explicar a desconfiança que o Estado inspira naqueles que querem protestar. Em outras palavras, há fortes motivos para acreditar que a Polícia apenas pretende saber antecipadamente o percurso que será percorrido para controlar o trajeto, coibindo reuniões pacíficas. Ora, se há manifestantes violentos, não é preciso dispersar a manifestação, mas apenas conter esses poucos indivíduos. Enfim, para se manifestar pacificamente, ninguém precisa de autorização. Mas, para exercer tal direito, os manifestantes devem avisar o Poder Público com antecedência. Mais do que isso a Constituição não exige. Por outro lado, as autoridades não podem dizer quando e onde as manifestações ocorrerão. Enquanto o Estado agir como se estivéssemos em 1919, não há motivos para que movimentos pacíficos colaborarem com a Polícia para além do que é estritamente determinado pela Constituição. primeiro caso paradigmático julgado pelo Supremo Tribunal Federal envolvendo a liberdade de reunião ocorreu em 1919, durante a vigência da Constituição de 1891 (Habeas Corpus 4.781). Na ocasião, houve o seguinte relato: “como é notório, a Polícia, por soldados à paisana e desordeiros da pior espécie, dispersou, a tiros de revólver, um comício”. Com base nesses fatos, há quase um século, a Suprema Corte reconheceu que a Polícia não poderia determinar que as reuniões se realizassem só em certos lugares, porque isso implicaria eliminá-las. Já em 1950, a Lei 1.207 estabelecia que, nas cidades, “a autoridade policial de maior categoria”, no começo de cada ano, deveria fixar “as praças destinadas a comício”. E durante o regime militar era admitida a intervenção estatal na liberdade de reunião para proteger a “ordem pública”, a “segurança do Estado” e, também, para impedir manifestações de “caráter subversivo”, conceitos jurídicos indeterminados muito apreciados por governos autoritários. Mas os tempos mudaram e, felizmente, o pensamento jurídico também. Agora, no momento em que vivemos os protestos que se espalham por diversas cidades brasileiras, vigora a Constituição democrática de 1988, que assim disciplina o direito de reunião: “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. Desde a promulgação da atual Constituição, dois casos emblemáticos foram decididos pelo STF sobre o assunto: a tentativa de proibição, pelo governador do Distrito Federal, de manifestações na Praça dos Três Poderes, em 1999; e o caso das “Marchas da Maconha”, em 2009. Em ambos o STF, apesar de reconhecer que o direito de reunião não é absoluto, entendeu que as manifestações populares poderiam ocorrer José Luís da Conceição Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 414 – Março de 2016 SÃO PAULO


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