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para a igualdade 17 Convidada a falar sobre a responsabilização penal em crimes de estupro, a juíza de Direito integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp), Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos, reconheceu que a criação de leis é um instrumento importante para combater a violência, uma vez que falta, para boa parte da sociedade, a noção do ilícito. Um exemplo dessa falta de conhecimento para a magistrada foi o vídeo gravado e publicado nas redes sociais do caso do estupro coletivo da adolescente do Rio de Janeiro. “A prova do crime está na filmagem feita pelos próprios acusados. Até porque, a gente sabe que se fosse para deixar a vítima contar – uma vez que ela estava desacordada e mal poderia dizer o que aconteceu – o depoimento não teria tanta força quanto o vídeo”, notou. Na avaliação da magistrada, foi perigosa a aprovação no Senado do Projeto de Lei 618/2015, que endurece as penas para estupro coletivo, em meio à comoção causada pelo crime cometido contra a adolescente do Rio de Janeiro. “No auge das discussões, o Projeto de Lei que estava em berço esplêndido desde setembro de 2015, foi aprovado. Infelizmente, quando temos um problema no Brasil, o hábito é criar leis, como se isso fosse resolver o problema. Se apenas a lei resolvesse acontecimentos sociais, a gente não teria estupro nesse país pelo menos desde 1940 (Código Penal - Decreto Lei 2848/ 40)”, ponderou Teresa Cristina. Já a modificação do Código Penal que criou o “feminicídio”, para a juíza, é um exemplo de alteração positiva porque foi amplamente debatida e não se baseou em episódio específico, mas sim numa realidade. “Hoje se fala que mulheres morrem porque são mulheres e é dado nome ao fenômeno, criamos a figura típica do ‘feminicídio’, o que faz diferença.” Mais do que elaborar leis, ela sugeriu a inserção de disciplinas nos cursos de jurídicos que discutam essas questões. “É preciso incorporar de forma mais contundente os conhecimentos sobre direitos humanos, saber o que é violência de gênero para usar essas informações nos julgamentos”, recomenda ela, que também propôs a luta por perícias técnicas especializadas: “Em crimes de estupro, a falha na produção das provas é imensa”. A tendência em culpar a vítima foi discutida pela promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, membro da Comissão Nacional Permanente da Violência Doméstica, Silvia Chakian, que atribui essa como a principal causa para o quadro de subnotificação. A pesquisa “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), confirma o problema apontado pela promotora. O levantamento estima o mínimo de 527 mil mulheres estupradas por ano no Brasil. Já os registros das polícias de todos os estados somam apenas 47.646 casos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “A falta de compreensão da vítima como vítima, o medo, a vergonha do julgamento moral, do estigma, o isolamento e discriminação social, que ainda acontecem nos círculos sociais, a falta de amparo das instituições que deveriam ajudar e o medo Jornal do Advogado – Ano XLI – nº 417 – Junho de 2016 SÃO PAULO de não ser acreditada são fatores que aparecem quando falamos de subnotificação”, enumerou Silvia. Ela considera essa falta de registros uma das maiores dificuldades para o combate ao crime. Os homens não sofrem esse tipo de discriminação. Daí a necessidade de se criar uma cultura de combate ao estupro. Neste sentido, a promotora propõe uma reflexão a respeito da forma de manifestação do consentimento. “Fala-se muito que o não significa não. Isso todo mundo já sabe, mas até que ponto esse conceito não tem sido utilizado para transferir para as vítimas a comprovação da resistência ao ato sexual”, provocou. “Não pode mais haver espaço na nossa sociedade para a crença de que quando uma mulher diz não, ela estaria querendo dizer sim. Bebida, droga e sono retiram a capacidade total do consentimento. Não dizer não, não significa dizer sim. Qualquer coisa diferente do sim expresso e afirmativo, é estupro”, completou. A presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, Eduarda Mourão, salientou a necessidade de se combater essa cultura machista que culpa a vítima de violência sexual e em nada colabora com a redução dos índices alarmantes desse crime. “Sequer perguntam como as vítimas se sentem, mas já as julgam. Concebem que se ela foi estuprada, naturalmente, contribuiu para que isso ocorresse”, lamentou para lembrar que a igualdade de gênero é um direito fundamental. “É inconcebível perceber que ainda estamos discutindo conceitos sobre a igualdade de gênero. É um paradoxo para um país tão desenvolvido como o nosso”. José Luís da Conceição


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